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Waldeck Ornelas
Publicado em 12 de maio de 2022 às 05:00
Beneficiando-se da natureza – que tanto o castiga com as secas – o Nordeste destaca-se agora como grande fonte supridora de energias renováveis para a matriz econômica nacional. A política energética brasileira, contudo, parece não querer se beneficiar dessa dádiva da natureza, preferindo continuar despachando térmicas ineficientes e poluidoras que operam a preço de ouro, onerando o consumidor brasileiro com suas bandeiras vermelhas e até de emergência hídrica, esta ainda mais gravosa.
Aliás, o próprio Congresso Nacional – onde o Nordeste tem uma bancada numerosa – validou essa estratégia, ao incluir na lei de privatização da Eletrobrás vários jabutis térmicos, sem levar em consideração o interesse nacional.
Mas o Nordeste, tão carente de oportunidades de desenvolvimento, não pode abrir mão dessa que literalmente lhe caiu dos céus, e precisa mobilizar-se para defender os seus interesses e resgatar sua população de vergonhosos índices de pobreza crônica e fome. A opção do mercado em produzir energia eólica e solar no Nordeste, a custos progressivamente mais baixos, vem sendo, no entanto contida, pelo que se argumenta seja a falta de linhas de transmissão que ampliem a capacidade de transferência para o Sudeste carente. Nada contra a transferência dos excedentes para o Sudeste. Que se construam as linhas de transmissão necessárias. E por que não o fazem?
O que o Nordeste não pode é abrir mão da exploração ampla e massiva do seu potencial de geração de energias renováveis, e não apenas pelos impactos positivos diretos que tenha em sua matriz econômica. Mais importantes e estratégicos, neste caso, são os benefícios “indiretos”, gerados pela oportunidade que abre com a utilização desses insumos para a produção industrial, na verdade um efeito multiplicador com que o Nordeste nunca contou antes.
Uma primeira linha de aproveitamento dessas oportunidades já foi identificada através do hidrogênio verde, a energia que a Europa precisa comprar para cumprir as suas metas de descarbonização. Ceará e Pernambuco foram os estados que saíram na frente, prospectando investimentos, embora Bahia e Rio Grande do Norte sejam os maiores produtores dessas energias.
Mas não é só o que se oferece como alternativa. O Nordeste precisa valer-se da oportunidade para resgatar sua identidade regional e montar uma estratégia robusta para atração de investimentos industriais. Há amplo espaço – energia não falta – para a instalação de novas indústrias, de muitos ramos, proporcionando um cardápio diversificado de opções, além de descarbonizar a sua própria indústria pré-existente. A Sudene, se quer continuar existindo, precisa olhar para trás e buscar inspiração nos anos de Juscelino Kubitschek e Celso Furtado para retomar os esforços de desenvolvimento regional, criando novas linhas de ação, agora a partir de um insumo já identificado e disponível à flor da terra. Quem sabe os governadores não voltam a frequentar o seu Conselho Deliberativo? Decididamente, o que o Nordeste não precisa é da usina nuclear que volta e meia querem lhe empurrar, ainda mais às margens do São Francisco. É certo que se trata de energia também limpa, mas com resíduos tão perigosos que fizeram a Alemanha – quem no passado nos vendeu a tecnologia – a pular fora e desativar todas as suas unidades. Desde meados do século passado tivemos de sobra energia limpa e sem resíduos. Por muito tempo fomos autossuficientes – com Paulo Afonso I a IV, Sobradinho, Itaparica e Xingó, todas elas fontes de energia limpa, todas na cascata do rio São Francisco. Não podem – o Nordeste e o Brasil – aceitar a predominância de uma visão setorial estreita, ante os imensos desafios do desenvolvimento regional e integrado de um país que tem sido mal acostumado a acatar medidas limitadas, de natureza incremental e curtoprazista, sem se comprometer com estratégias transformadoras de desenvolvimento.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional, é autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.