O perigo do mosquito: Bahia tem 118 notificações de arboviroses por dia

Sete municípios baianos estão em risco alto para surto ou epidemia de dengue

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 4 de março de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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O novo coronavírus, que provoca a doença chamada Covid-19, ameaça o mundo, mas o grande vilão da Bahia é um velho conhecido de verões passados: o mosquito Aedes aegypti, transmissor das arboviroses dengue, zika e chikungunya. Nas sete primeiras semanas epidemiológicas do ano - entre 29 de dezembro e 15 de fevereiro, foram notificados 5.795 casos das três doenças em todo a Bahia, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) - uma média de 118 notificações por dia.

Embora os dados da Sesab apontem para uma redução no número de casos de dengue (-17,6%) e de zika (-22,9%), os casos de chikungunya cresceram 366,9% no estado - uma morte é investigada em Salvador. Além disso, mesmo com a redução, os mais de 4,4 mil casos de dengue já notificados na Bahia este ano colocam sete municípios em alto risco para surto ou epidemia da doença.

O risco é alto, segundo o Ministério da Saúde, quando o coeficiente de incidência (CI) é superior a 300 notificações para cada 100 mil habitantes. Este é o caso de Valente, Jacaraci, Ibirataia, Nova Fátima, Itanhém, Cândido Sales e Vera Cruz. Infografia: Morgana Miranda/CORREIO Quando o CI fica entre 100 e 299, há um risco considerado médio; já um CI de até 100 notificações por 100 mi habitantes indica risco baixo. “Minha preocupação é que essa campanha toda do coronavírus negligencie as campanhas contra dengue. E a dengue? A dengue está em Salvador, no interior, nas periferias, zika vírus continua circulando”, disse o virologista Gúbio Soares, da Ufba, ao CORREIO, no último final de semana.

Risco em tudo A situação mais preocupante é em Cândido Sales, no Sudoeste. Com 25 mil habitantes, a cidade é a única do estado que aparece na lista dos municípios com maiores incidências para dengue (504,19), zika (95,3) e chikungunya (43,7).

O município lidera o ranking da Bahia dos índices de zika, com 24 casos prováveis e Coeficiente de Incidência (CI) de 95. Com relação à chikungunya, são 11 casos notificados (CI de 43,7).

Todas as notificações, segundo a Prefeitura de Cândido Sales, são da zona urbana. Isso, contudo não tranquiliza quem mora no distrito de Lagoa Grande, a 40 quilômetros da sede. Em 2017, a localidade onde vivem cerca de 3 mil pessoas passou por uma epidemia de dengue – segundo moradores, difícil é achar alguém  que não teve a doença. Cândido Sales está em risco para surto ou epidemia de dengue, zika e chikungunya (Foto: Divulgação) Muito mosquito Lá, em 2017, o índice de infestação predial do mosquito chegou a 22%. O Ministério da Saúde tolera índices de até 0,9%. Entre 1% e 3,9% é nível de alerta e, a partir de 4%, há risco de epidemia.

“Tive dengue em 2017, um primo meu já teve e um monte de gente conhecida aqui também. Não sei essas outras doenças, mas dengue foi quase todo mundo. Quando dá a noite aqui, só falta esses mosquitos pegarem a gente pelo braço”, diz o comerciante Hugo Ferreira Souto, 56 anos.

Para Souto, o problema do distrito é que ele vem crescendo, mas não há tratamento adequado de esgoto. “Fica um monte de canal a céu aberto, além das lagoas ao redor, onde outros mosquitos se proliferam e ficam atazanando nossa vida”, conta.

Consultada pelo CORREIO, a Prefeitura de Cândido Sales informou que o atual índice de infestação predial do distrito é de 2,5%. Ainda assim, a cidade não deixou o “posto” de risco para epidemia de dengue. O índice de infestação da cidade é de 7,2%, segundo a prefeitura.

“Acredito que a população [de Lagoa Grande] aprendeu com o exemplo de 2017”, disse a coordenadora municipal de Vigilância Epidemiológica, Leide Lene Oliveira da Silva. Segundo ela, a principal razão de Cândido Sales estar nesta situação são os terrenos baldios, onde há muito descarte irregular de material que pode acumular água parada.

“Desde o início do ano que estamos realizando mutirões nos bairros, fazendo limpeza geral nos terrenos baldios, que são muitos. Há problemas nas casas também, mas isso não é o que nos preocupa mais. Faltam três bairros para terminarmos o nosso mutirão de limpeza”, afirmou.

Para a coordenadora, as notificações se destacaram dos outros municípios porque a notificação está sendo feita da forma correta: “Tem muitas cidades não fazem isso, inclusive que estão como índice de infestação bem maior que o nosso”.

A Sesab informou que há subnotificações no estado, mas não há como apontar nem responsabilizar alguém - sem notificação, não há investigação. A notificação é para que se organize a gestão no combate ao mosquito e o tratamento aos pacientes.

Preocupante De acordo com o coordenador de Doenças de Transmissão Vetorial da Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Sesab, Gabriel Murici, os casos de arboviroses da Bahia apontam para a necessidade de uma união de forças.“Saúde, educação, saneamento, planejamento urbano têm de estar cada vez mais sintonizados nas ações para se evitar que haja proliferação do mosquito Aedes. Por isso, estamos com a sala de controle de arboviroses, um espaço em que trabalhamos com outros órgãos do Estado e municípios”, afirmou. Infografia: Morgana Miranda/CORREIO O fato de a Bahia estar com sete cidades já em alto risco para um surto ou epidemia de dengue é uma preocupação grande, afirma Murici: “Estamos fazendo já com as secretarias a movimentação para realizar o controle químico, com o carro fumacê e o uso de bombas costais, com aplicação nas casas, nos locais com maior incidência”.

Para Murici, o grande problema dos municípios da Bahia, sobretudo os menores, é a falta de saneamento básico, o que cria situações para que o mosquito se prolifere.

“O Aedes hoje está muito acostumado ao ambiente urbano, seja em água limpa ou suja. Ele só não se prolifera em ambientes rurais, como lagoas e águas com alguma correnteza. Mas, nos distritos que apresentam algum crescimento, como o de Lagoa Grande, em Cândido Sales, isso é um problema grande”, declara.

Segundo Murici, esse mês de março é um dos que requerem maior atenção com relação a locais onde possa acumular água: “Temos as ‘águas de março’ e ainda estamos com muito sol, condições ideais para o mosquito se proliferar. O poder público e a sociedade têm de estar atentos”.

Salvador tem 1,2 mil agentes mobilizados contra o Aedes Com o alerta ligado para o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya, o Centro de Controle de Zoonoses de Salvador (CCZ) trabalha para reduzir os focos na capital baiana. Para isso, são 1,2 mil agentes da Secretaria Municipal de Saúde trabalhando no combate ao mosquito todos os dias.

Em Salvador, o ciclo de visitas em domicílio é feito quatro vezes ao ano, assim como o Levantamento Rápido de Índices de Infestação pelo Aedes aegypti (LIRAa) - que indica a infestação pelo mosquito e os focos encontrados na capital.

De acordo com a coordenadora do CCZ, Andréa Salvador, o raio de bloqueio é ampliado de 50 para 100 metros em locais onde um caso de qualquer uma das três doenças - dengue, zika ou chikungunya - é notificado. “Fazemos esse bloqueio apesar de os casos não estarem confirmados, pois todos os casos são tidos como positivos. Agimos antes de ter a certeza de um diagnóstico”, explica.

Na busca, os agentes analisam os possíveis focos em residências e percorrem o raio no quarteirão da casa. O CCZ também atua de forma perifocal, aplicando venenos em bueiros e portas. Uma substância em pó é aplicada em depósitos de água que não podem ser removidos, como piscinas.

A coordenadora ressalta a importância de a população se envolver no combate ao Aedes Aegypti: 80% dos focos são em domicílios, diz.

As arboviroses

O que é dengue?

Dengue é uma doença febril grave causada por um arbovírus, que são vírus transmitidos por picadas de insetos, especialmente os mosquitos. Existem quatro tipos de vírus de dengue (sorotipos 1, 2, 3 e 4). Cada pessoa pode ter os 4 sorotipos da doença, mas a infecção por um sorotipo gera imunidade permanente para ele.

O transmissor (vetor) da dengue é o mosquito Aedes aegypti, que precisa de água parada para se proliferar. O período do ano com maior transmissão são os meses mais chuvosos de cada região, mas é importante manter a higiene e evitar água parada todos os dias, porque os ovos do mosquito podem sobreviver por um ano até encontrar as melhores condições para se desenvolver.

Todas as faixas etárias são igualmente suscetíveis, porém as pessoas mais velhas têm maior risco de desenvolver dengue grave e outras complicações que podem levar à morte. O risco de gravidade e morte aumenta quando a pessoa tem alguma doença crônica, como diabetes e hipertensão, mesmo tratada.

- SintomasFebre alta > 38.5ºC. Dores musculares intensas. Dor ao movimentar os olhos. Mal estar. Falta de apetite. Dor de cabeça. Manchas vermelhas no corpo. - Tratamento

Não existe tratamento específico para a dengue. Em caso de suspeita é fundamental procurar um profissional de saúde para o correto diagnóstico. A assistência em saúde é feita para aliviar os sintomas. Estão entre as formas de tratamento:Fazer repouso; Ingerir bastante líquido (água); Não tomar medicamentos por conta própria; A hidratação pode ser por via oral (ingestação de líquidos pela boca) ou por via intravenosa (com uso de soro, por exemplo); O tratamento é feito de forma sintomática, sempre de acordo com avaliação do profissional de saúde, conforme cada caso. O que é zika?

O vírus Zika é um arbovírus. Arbovírus são os vírus transmitidos por picadas de insetos, especialmente mosquitos. A doença pelo vírus Zika apresenta risco superior a outras arboviroses para o desenvolvimento de complicações neurológicas, como encefalites, Síndrome de Guillain Barré e outras doenças neurológicas. Uma das principais complicações é a microcefalia. A doença inicia com manchas vermelhas em todo o corpo, olho vermelho, pode causar febre baixa, dores pelo corpo e nas juntas, também de pequena intensidade.

O transmissor (vetor) do Zika vírus é o mosquito Aedes aegypti, que precisa de água parada para proliferar, portanto, o período do ano com maior transmissão são os meses mais chuvosos de cada região, épocas quentes e úmidas. No entanto, o cuidado com a higiene e a conscietização de não deixar água parada em nenhum dia do ano são fundamentais, tendo em vista que os ovos do mosquito podem sobreviver por um ano até encontrar as condições propícias para desenvolvimento.

- SintomasVermelhidão em todo o corpo com muita coceira depois de alguns dias. Febre baixa, muitas vezes não sentida. Conjuntivite (olho vermelho) sem secreção. Mialgia e dor de cabeça. Dor nas juntas. - Tratamento

O tratamento do Zika Vírus é feito de acordo com os sintomas, com o uso de analgésicos, antitermicos e outros medicamentos disponíveis em qualquer unidade pública de saúde para controlar a febre e a dor. No caso de sequelas mais graves, como doenças neurológicas, deve haver acompanhamento médico para avaliar o melhor tratamento a ser aplicado. As sequelas são tratadas em centros multi-profissionais especializados, como os Centros Especializados de Reabilitação (CERS).

Caso apresente algum sintoma suspeito, é fundamental procurar um profissional de saúde para o correto diagnóstico e prescrição dos medicamentos. Importante lembrar que o Ministério da Saúde não recomenda, em hipótese alguma, a auto-medicação.

O que é Chikungunya?

A febre pelo vírus Chikungunya é um arbovírus. Arbovírus são aqueles vírus transmitidos por picadas de insetos, especialmente mosquitos, mas tambem pode ser um carrapatos ou outros. O transmissor (vetor) do chikungunya é o mosquito Aedes aegypti, que precisa de água parada para proliferar, portanto, o período do ano com maior transmissão são os meses mais chuvosos de cada região. No entanto, é importante manter a consciência e hábitos sadios de higiene para evitar possíveis focos/criadouros do mosquito Aedes Aegypti, que pode ter ovos resistindo por um ano até encontrar as condições favoráveis de proliferação (tempo quente e úmido). 

- SintomasFebre. Dores intensas nas juntas, em geral bilaterais (joelho esquerdo e direito, pulso direito e esquerdo, etc). Pele e olhos avermelhados. Dores pelo corpo. Dor de cabeça. Náuseas e vômitos. - Tratamento

O tratamento da chikungunya é feito de acordo com os sintomas, com o uso de analgésicos, antitermicos e antinflamatórios para aliviar febre e dores. Em casos de sequelas mais graves, e sob avaliação medica conforme cada caso, pode ser recomendada a fisioterapia.

Em caso de suspeita, com o surgimento de qualquer sintoma, é fundamental procurar um profissional de saúde para o correto diagnóstico e prescrição dos medicamentos, evitando sempre a auto-medicação. Os tratamentos são oferecidos de forma integral e gratuita por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

*As informações são do Ministério da Saúde

Originário da África, Aedes chegou a ser erradicado do Brasil O Aedes aegypti, nome científico do mosquito ou pernilongo que transmite a dengue, zika, chikungunya e também a febre amarela urbana, doenças chamadas de arboviroses, possui uma característica que o diferencia dos demais mosquitos: a presença de listras brancas no tronco, cabeça e pernas.

Originário da África, ele já foi eliminado do Brasil na história do controle da dengue em 1955, retornando em 1976 por falhas de cobertura de ações do controle, segundo o Ministério da Saúde.

Provavelmente, o mosquito teve sua reintrodução por meio de fronteiras e portos e alcança altas infestações em domicílios localizados em regiões com altas temperaturas e umidades, principalmente na época chuvosa e quente (verão), típica de países tropicais como o Brasil. 

O ciclo de vida do mosquito compreende quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. Os ovos são depositados em condições adequadas, ou seja, em lugares quentes e úmidos, preferencialmente depositados em lugares próximos a linha d’água, em recipientes como latas e garrafas vazias, pneus, calhas, caixas d’água descobertas, pratos sob vasos de plantas dentro ou nas proximidades das casas, apartamentos, hotéis, ou em qualquer local com água limpa parada. Apesar disso, alguns estudos apontam focos do mosquito em água suja também, mas não em água corrente.

O macho alimenta-se de seivas de plantas. A fêmea, no entanto, necessita de sangue humano para o amadurecimento dos ovos, que são depositados separadamente nas paredes internas dos objetos, próximos a superfícies de água, local que lhes oferece melhores condições de sobrevivência.

Os maiores casos e epidemias das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti ocorrem no período das chuvas, de outubro a março, em razão das condições ambientais estarem mais propícias ao desenvolvimento dos ovos.

No entanto, é importante manter higiene e ter cuidado com todos os locais que podem acumular água parada em qualquer época do ano, pois os ovos são resistentes a dessecação e podem sobreviver no meio ambiente 450 dias, bastando pouca quantidade de agua como uma pequena poça para que haja a eclosão das larvas.

O mosquito sobrevive e pode transmitir arboviroses em qualquer época do ano. Porém, o aumento do número de casos ocorre nos meses mais quentes e chuvosos pela maior eclosão de larvas, maior disponibilidade de pequenas ou médias acumulações de água nos criadouros diversos e aumento do número de mosquitos adultos.