O problema não são as drogas, mas os humanos

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  • Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2019 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Diferentemente da “internação compulsória”, determinada pela Justiça em decorrência do cometimento de atos ilícitos por pessoas inimputáveis, a internação involuntária de pessoas em uso abusivo de substâncias psicoativas por um período máximo de 90 dias, como preconiza a Lei 13.840 de 2019, é um mecanismo que atribui uma autoridade extrema a profissionais de saúde de deliberarem sobre a necessidade de internar pessoas contra a sua vontade e sem o aval da sua própria família.

A história das instituições psiquiátricas tem demonstrado que todas as vezes em que se observam internações involuntárias, essas tendem a revelar atitudes autoritárias e discriminatórias, disfarçadas de mandatos sociais atribuídos a determinadas categorias profissionais com resultados nefastos para os segmentos que sofrem dessas intervenções.

Arquivos de hospitais psiquiátricos da América Latina, analisados pela antropóloga Anahi Sy, confirmam que populações socialmente vulneráveis passam a ser alvo fácil de internações, principalmente de caráter involuntário. Aquilo que é tido como “o melhor tratamento oferecido”, na verdade, mascara interesses de afastar pessoas indesejáveis do convívio social, ou, o que é pior, de utilizar-se do seu sofrimento para gerar os lucros das instituições, como o das inúmeras Comunidades Terapêuticas e clínicas privadas que já começam a se multiplicar de forma desenfreada com esse novo nicho de mercado no Brasil: um retorno ao triste período da “indústria da loucura”.

Em pesquisa que realizamos recentemente na Bahia, um dos resultados interessantes a que chegamos é que, mesmo entre aquelas que passam por tratamentos extremos, como o de serem internadas em Comunidades Terapêuticas, aquelas que eventualmente se beneficiam desse procedimento são as que haviam aderido plenamente, por exemplo, através de conversão religiosa prévia, à proposta de internação. Ou seja, a mudança em relação ao uso abusivo de substâncias psicoativas depende do que as pessoas entendem e acreditam que é realmente oferecido para ser colocado no lugar que as drogas ocupam nas suas vidas.

Isso nos leva a concluir que a internação involuntária não ajuda na reintegração uma vez que reduz substancialmente a capacidade humana de autodeterminação e de autonomia. Autores clássicos e contemporâneos têm insistido que o problema não são as drogas, mas os humanos, e, se queremos realmente cuidar destes, não podemos dissociar as substâncias dos sujeitos e dos seus contextos sociais e históricos.

Mônica Nunes é medica psiquiatra, professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e representante da região Nordeste na diretoria da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

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