O quadro de medalhas é o retrato do Brasil

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  • Gabriel Galo

Publicado em 2 de agosto de 2021 às 05:11

- Atualizado há um ano

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Pouco, talvez nada, sei sobre ginástica artística. Até hoje tenho que pensar se o nome correto é artística ou rítmica – e aqui no Brasil ainda se costuma chamar também de olímpica. Mas lá veio ela: a corrida, o impulso, o apoio, os rodopios, o pouso. Ora, sei lá eu se aquela aterrissagem é digna de nota maior ou melhor, ou se a dificuldade do movimento foi tal ou qual. Minha ignorância vai até o tanto que óbvio permite: não caia, se mantenha dentro das linhas. O resto é pura mágica e eventual contentamento.

Contentamento que veio com Rebeca Andrade conquistando medalhas, as primeiras da ginástica feminina brasileira na história das Olimpíadas (e que, talvez, nesta segunda que raia em terra brasilis, insaciável, ainda tenha beliscado uma mais, desta vez no solo). E o encanto recém-descoberto – meu e seu também, admita – pela ginasta me leva ao despautério de por Nelson Rodrigues contra as cordas, ousando-o contrariá-lo: Rebeca Andrade é um exemplo claro em que a unanimidade é mais que justa.

Claro, há quem por aí carregue nuvem carregada sobre sua aura, capaz de reclamar de coisas como filhotes de cachorrinhos, coentro na comida e até mesmo, absurdo dos absurdos, Rebeca. A matemática diz que tem, mas é, como cabeça de bacalhau: existe, claro, mas nunca vi. Não vi, nem quero ver.

Quero viver num país em que Rebeca Andrade seja aclamada sem senões. Que suas conquistas olímpicas se tornem cânticos, exaltações. Que seu sorriso endosse patrocínios, que viva bem, que beba bastante água, recicle o lixo e o que mais vier. Porque, meus amigos, até aqui, enrolado no meu viés de ignorância técnica, nada há de defeitos ali.

A emoção pelo sucesso de Rebeca se viu no ambiente de coleguismo olímpico no Time Brasil. Todos, sem exceção, vibrando pela conquista. Nas cabines de transmissão, Daiane dos Santos vibrava como se a medalha fosse sua. E de uma certa forma é: Daiane foi o exemplo que fez muitas garotas começarem no esporte. Se não alcançou a glória olímpica, obteve feito ainda mais transcendental: desbravou um esporte, nomeou movimento, se destacou. Virou exemplo. Exemplo que agora certamente virá de Rebeca, impulsionando novas gerações. Que o ciclo não se interrompa.

As chances de medalhas vindouras também estão em nomes como Isaquias Queiroz, Herbert Conceição, Ana Patrícia e Rebeca. Já veio com Ítalo Ferreira, com Rayssa Leal. Repare bem: é o Brasil negro, nordestino, feminino. Mais que a medalha, a conquista de Rebeca, e a desses tantos outros, é de magnitude que transcende o esporte: é transformação social, é a vitória da base da pirâmide em local onde até pouco tempo era impedida de entrar, que não entrava no Bahiano nem pela porta da cozinha.

O que testemunhamos, portanto, é muito mais que esporte. É ocupar espaços.

Insistem: o funk é música menor. Baile de Favela vai conquistando Tóquio. Vão mais além: o Nordeste é o atraso do Brasil. Desculpe, separatista, é o peso das medalhas que dificulta as coisas.

Cegam-se para a miscigenação que formou um povo heterogêneo, irresumível, como o brasileiro. Este quadro de conquistas olímpicas é o retrato do Brasil. E tem no plano principal, uma mulher preta. Unânime e merecidamente aplaudida.

Gabriel Galo é escritor e está rebequizado.