O que é que Belém tem? No dia do Círio, comparamos a capital do Pará com Salvador 

Cidade guarda semelhanças religiosas, históricas e culturais com a capital baiana

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2019 às 12:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: .
Forte do Presépio é um passeio legal pra ir a dois, também. É uma espécie de Forte da Capoeira... por Foto: Carlos Borges/Setur Pará

Capital de um estado imenso, debruçada sobre uma baía com o pretexto de se refrescar do calor de ano inteiro, essa cidade não deve ser parecida com nenhuma outra. Povo hospitaleiro, alegre e por vezes até profano como suas festas e músicas, mas também fiel ao sagrado, como demonstra a fitinha colorida amarrada no braço. Pode fazer três pedidos. E a sugestão de desejos trago na culinária local: vatapá, caruru e algum pescado nessa lista tríplice. 

Pra fazer a digestão, e já pagar a promessa de véspera, tem que demonstrar ser gente de fé e ir a pé, no meio da multidão. Tudo isso é tradição, que lembra história e luta contra ridículos tiranos para consolidar a Independência do Brasil. Salvador é barril, né não? Mas não é dela que estamos falando, não! Convidamos você a viajar mais de 1.600 km e desembarcar no portal da Amazônia, Belém do Pará, que estranha não seria se fosse Belém da Bahia.

Confira algumas conexões interessantes entre as cidades. Círio de Nazaré / Lavagem do Bonfim Deus está nas coincidências, pregava o sagrado e profano Nelson Rodrigues. Até num simples texto como este Ele pode aparecer porque, veja só: este domingo (13) é a data máxima da fé católica em Belém, quando se celebra o Círio de Nazaré. A coincidência é que o Círio, este ano, caiu na grande data para muitos católicos daqui: a canonização de Irmã Dulce. A ocasião leva hoje uma multidão à região do Bonfim, onde os baianos fazem uma lavagem que bem parece o Círio. E como aqui, lá também se homenageia além da conta. “É imenso o consumo de vinho e cerveja. Até quem não é católico” participa, como destaca o jornalista e pesquisador Carlos Rocque no livro ‘História do Círio e da Festa de Nazaré’, lançado em 1981.  Celebração do Círio de Nazaré, em Belém, neste domingo (Foto: Ricardo Ananias/Divulgação) Na festa de lá, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira dos paraenses, é arrastada num carro ligado a uma grande corda, com cada centímetro disputado na base do empurra-empurra. Mas pra provar que tem fé, ouça Márcio Victor: “cole na corda”. A propósito do hit carnavalesco, o Círio também guarda semelhanças com a folia em Salvador: dias antes, várias ruas são interditadas para montagens de arquibancadas e até camarotes. E pra achar vaga em hotel de última hora, não rola. Reserve com meses de antecedência. Fitinhas coloridas Falando em antecipação, devo avisar que em Belém também tem fitinhas coloridas sendo vendidas na porta da igreja – e às vezes até o conhecido assédio dos ambulantes ao turista. As pulseiras não são para o Senhor do Bonfim, mas para Nossa Senhora de Nazaré, e podem ser encontradas tanto na Catedral Metropolitana (igreja em estilo neoclássico e barroco no Centro Antigo), onde começa o cortejo do Círio, quanto na Basílica Santuário, onde a procissão termina. Neste segundo caso, como na Basílica do Bonfim, tem até gradio com fitinhas amarradas por fiéis em pedidos de graças. De graça o molho de fitas não sai: de R$ 2 a R$ 5 pra fazer caridade e garantir os três desejos. Basílica Santuário, que tem fitinhas coloridas amarradas ao gradio (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) Baiano histórico O padre baiano Antônio de Macedo Costa (ou dom Macedo Costa), ex-bispo de Belém do Pará, tem influência direta na história das duas igrejas e até do próprio Círio. Em 1882, ordenou uma transformação radical na Catedral Metropolitana, trocando o retábulo original, com novas pinturas, além do altar principal, tudo de origem italiana, e ainda adquiriu aquele que é o maior órgão (o instrumento musical) da América Latina, que volta e meia ainda tocam.

E foi o próprio Dom Macedo quem resolveu criar a paróquia que viria a ter como sede a Basílica Santuário, erguida bem no lugar onde foi encontrada a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, em 1700.  Círio das Águas / Bom Jesus dos Navegantes A imagem peregrina da santa, por sinal, é levada numa procissão fluvial muito semelhante à nossa festa de Bom Jesus dos Navegantes, em 1º do ano. O ‘Círio das Águas’, assim como aqui, também é acompanhado por diversos barcos e balsas tocados por romeiros, mas é uma tradição mais recente: começou há pouco mais de 30 anos, enquanto a procissão dos navegantes tem registro em 1841. Em ambos os casos, a romaria aquática vai de um ponto a outro da própria cidade. Barco entrando num igarapé da ilha do Combu; ao fundo, a região central de Belém (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) Ilha do Combu / Ilha de Maré  E pra quem quer ‘sair’ da cidade, sem necessariamente deixá-la, a dica é um passeio à Ilha do Combu, que dá pra comparar a um rolé na Ilha de Maré. Como cá, também há vários bares e restaurantes para passar o dia tomando uma e dando uns tibuns, pra só voltar no final da tarde. No entanto, por lá, a estrutura é muito melhor, com excelentes atrativos turístico-gastronômicos.

Um bom roteiro: pela manhã, fazer uma visita à produção de chocolates e cacau de várzea da Casa do Chocolate Filhas do Combu, comandada por Izete Costa, a Dona Nena, com visita guiada custando entre R$ 60 e (com degustação) R$ 95. Tomar café por lá é uma boa ideia. Dona Nena mostra delícias de sua fazenda de cacau a visitantes (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) E depois, não muito longe dali, na saída do igarapé, a ideia é bater o rango no Saldosa Maloca (Saldosa com S mesmo), restaurante com acesso ao rio que dispõe de cardápio local irretocável e com preço honesto comandado pela chef Prazeres Quaresma, a Dona Neneca.

O traslado para a ilha é pela Praça Princesa Isabel. Custa R$ 7 o trecho, e tem que sinalizar aonde deseja ir e que horas deseja voltar, oká? Entrada do restaurante Saldosa Maloca (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) Comer e beber Nem todo lugar têm o privilégio de dizer que tem uma cozinha própria (alô, Rio de Janeiro, aquele abraço!). E a gastronomia é um dos pontos fortes da cultura belenense, com pratos até mesmo equivalentes ao rango típico da Bahia. Que o digam o vatapá e caruru (à moda paraense), mas você vai se acabar mesmo é no tacacá, no pato no tucupi, nas mil coisas preparadas com jambu (uma parada que deixa a língua dormente e fica legal até na cachaça), na coxinha de caranguejo e, claro, no açaí original (entre líquido e cremoso, viu?) pra comer com farinha grossa e de tapioca (esta parecendo bolinhas de isopor), muito açúcar (porque é mais amargo) e, pra acompanhar, algum peixe. Pirarucu, tambaqui e filhote vão bem como acompanhamentos.  Amar e dançar Pra quem for a Belém já com seu bôto ou sua bôta não pode deixar de visitar o Mangal das Garças, o Parque da Cidade deles. Além de render altas selfies pra atualizar o feed do Insta, vale também pela interação com as dezenas de pássaros da fauna amazônica que compõem um parque ecológico de 40 mil m². Como destaques, o cantinho exclusivo das borboletas e o mirante pra ver a Cidade Velha e a Baía do Guajará de cima.

De casalzinho também vale ir ao Espaço São José Liberto, um polo joalheiro (com joias, gemas, artesanato e moda) que passou a ocupar o lugar de uma prisão e virou mesmo uma joia da cidade. (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) Se achar o passeio morno demais (embora Belém seja mais quente que Salvador), vá direto à Estação das Docas, que tem aparência de Porto de Salvador e pegada de Vila Caramuru, com vários bares e restaurantes arrumadinhos.

Na verdade, não é só isso: trata-se além de um polo gastronômico, um complexo turístico-cultural (que assim como o Mangal, tem menos de 20 anos de inaugurado), com espaço para feiras, exposições e também com teatro e cinema embutidos.

[[galeria]]

Tudo isso na frente da Baía do Guajará, que tem um pôr do sol tão deslumbrante quanto o do Porto da Barra. Se animar, separe uma oncinha (R$ 50) pra investir num passeio turístico que sempre rola no final da tarde, apresentando de forma animada a história de Belém e, claro, os melhores predicados culturais da cidade. Vai rir, beber e dançar ao som do autêntico carimbó, o axé de lá. Passeio turístico de barco no pôr do sol tem aula de carimbó (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) Mercado Ver-o-Peso / Feira de São Joaquim  O Ver-o-Peso, em Belém, guarda semelhanças óbvias com nossa Feira de São Joaquim. Por lá também pintam figuraças, a exemplo de Bete Cheirosinha. Há 50 anos ela vende ervas medicinais no local, e tem simpatia e cura pra tudo. A famosa erveira Bete Cheirosinha (Foto: Carlos Borges/Setur Pará) À mulherada, indica garrafada que "elimina cisto, mioma, corrimento e inflamação no útero". Falando com simpatia, nem parece coisa ruim. Assim também é o espírito do belenense: bem-humorado até nas horas amargas, despachado e sem frescura como a boa gente da Bahia. O ‘oxe!’ deles é o ‘égua!’ e, medindo-os com nossa régua, deu pra ver que Belém pode ser também a Bahia da Amazônia.

*O jornalista viajou a Belém a convite da organização do Festival Internacional do Chocolate e Cacau da Amazônia e Flor Pará 2019.