O que mudou na vida de Marinúbia e Kátia Vargas? Julgamento começa nesta terça

Enfermeira perdeu filhos e pede condenação; médica espera ser inocentada

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  • Thais Borges

Publicado em 5 de dezembro de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

As últimas horas foram de agonia e ansiedade. Logo mais, a partir das 8h, no Fórum Ruy Barbosa, em Nazaré, duas mulheres vão encarar aquele que é dito como o julgamento de suas vidas. O momento pelo qual aguardaram durante quatro anos. De um lado, está a enfermeira Marinúbia Gomes Barbosa, mãe dos irmãos Emanuel, 21 anos, e Emanuelle Gomes, 23. Do outro, a médica Kátia Vargas Leal Pereira, acusada de matá-los em um acidente de trânsito, em outubro de 2013. 

Não é uma guerra . Não é a briga pela qual anônimos vestem camisas e vociferam opiniões nas redes sociais. São duas mulheres – coincidentemente, mulheres que escolheram profissões que se dedicam a salvar vidas – que tiveram o desenho de suas vidas alterado. As duas dizem esperar a mesma coisa: que seja feita a Justiça.  Os irmãos Emanuel e Emanuelle morreram em outubro de 2013 (Foto: Reprodução) Para Kátia, o julgamento justo seria um que não fosse influenciado pela opinião pública. Em entrevista ao CORREIO, no domingo (3), ela disse que “tudo que sonha é ser absolvida”. Para Marinúbia, é o fechamento de um ciclo. Pode ser o fim de um sofrimento que se arrasta há mais de quatro anos – mas somente se Kátia for condenada por homicídio doloso, como denunciou o Ministério Público do Estado (MP-BA). 

Em 2013, Marinúbia e Kátia eram duas mães que, provavelmente, tinham muito em comum. Cada uma, mãe de dois filhos, a quem eram completamente devotadas. Na manhã do dia 11 de outubro daquele ano, porém, tudo mudou. Marinúbia perdeu os dois filhos de uma vez. Os de Kátia ficaram, mas nada nunca mais foi o mesmo.

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Momentos antes Emanuel era muito próximo de Marinúbia. Carinhoso, nunca deixava de expressar o que sentia por ela. Emanuelle, como uma filha mais velha, era quem cuidava da mãe. Fazia as contas da casa e ficava de olho na alimentação de Marinúbia.“Ela era bastante agitada. Parecia que sentia que ia morrer cedo, porque tinha muita sede de vida. A gente dizia: ‘Emanuelle, você acabou de chegar de uma festa e já vai para outra’, mas ela respondia que a vida era uma só”, lembra a administradora Mayane Torres, 31, prima dos irmãos.Nos dias que antecederam sua morte, Emanuelle mudou. Por algum motivo, se tornou mais caseira. Trocou os momentos com amigos por momentos com a família. Passou a se dedicar ainda mais ao curso de Direito e saía pouco do quarto. A relação com o irmão estava tão próxima que, uma semana antes, Emanuel a levara para mergulhar. Daquele dia, só restaram as fotos. 

No dia 11 de outubro de 2013, Emanuel e Emanuelle tinham saído do apartamento onde moravam, na Graça, para trabalhar. Ela odiava andar na moto. Tinha medo. Mas, naquele dia, aceitou a carona do irmão porque estava atrasada. Emanuelle era estagiária em um escritório de Direito, enquanto Emanuel seguia para o trabalho em uma loja esportiva no Salvador Norte Shopping. Na época, estava pensando em entrar na faculdade, mas não tinha decidido o curso.

Apaixonado pela natureza, tinha dois possíveis caminhos: Biologia ou Medicina Veterinária. Com a irmã, dividia a tutela da pit bull Yuna, que aparece em várias fotos da família. Hoje, Yuna também não está mais na casa de Marinúbia. A cadela faleceu este ano.“Ela (Yuna) morreu de tristeza”, explica Mayane. Momentos depois Não foi a única integrante da família que morreu, nesses quatro anos. O pai deles, o projetista Waldemir de Sousa Dias, 59, morreu em setembro deste ano, após sofrer uma parada cardíaca na casa onde morava sozinho, no Barbalho. Waldemir e Marinúbia eram separados, mas continuaram amigos após o fim do casamento.

Antes disso, a mãe de Waldemir faleceu em dezembro de 2015, aos 89 anos, sem saber da morte dos netos. A ela, sempre era dito que os dois estavam no exterior. Além disso, no ano passado, a turma de Direito da qual Emanuelle era aluna se formou, na Faculdade Ruy Barbosa. No dia, os formandos fizeram uma homenagem à antiga colega. 

Desempregada há pouco mais de um ano, Marinúbia não consegue trabalho. Nas últimas entrevistas de emprego, foi descartada pela repercussão do caso, segundo Mayane. Abalada, preferiu não falar com a reportagem. Procuramos a enfermeira desde a semana passada, mas a família relatou que ela está sem condições de falar sobre o assunto. Marinúbia na sede do TJ-BA, onde foi pedir justiça (Foto: Amana Dutra/Arquivo CORREIO) De acordo com a sobrinha, Marinúbia precisa tomar remédios para dormir. Os sonhos com os filhos são frequentes. Muitas pessoas da família – incluindo a própria Mayane; uma irmã de Marinúbia; a melhor amiga de Emanuelle e a ex-namorada de Emanuel – tiveram depressão.“A gente só foi se reestruturar depois. Todas fazemos terapia. Minha tia (Marinúbia), não. Ela é muito mais de oração”, conta. Marinúbia se tornou mais reclusa. Adquiriu um novo hábito: quando sai de casa, se vê algo de que os filhos gostavam, costuma comprar e colocar em uma espécie de ‘altar’ em casa. 

Sem sair de casa Kátia Vargas ficou presa por 60 dias, após a morte de Emanuel e Emanuelle. Depois que foi solta, também se refugiou em casa. “Durante longo período, Kátia parou de trabalhar e só saía do seu apartamento para ir aos médicos”, afirmou o advogado dela, José Luis Oliveira Lima. Aos poucos, voltou a atender em uma clínica de oftalmologia na Avenida Garibaldi e a trabalhar em projetos sociais – o Solidariação e a Corrente do Bem, que ajuda várias creches de Salvador. Kátia contou que seu maior sonho é ser absolvida (Foto: Reprodução) Na entrevista ao CORREIO, Kátia contou que vive à base de remédios e faz tratamento psiquiátrico.“Meus filhos sofreram muito, pois tiveram que lidar com a exposição da sua mãe, que ficou presa. Paulo, meu marido, foi um companheiro de todos os momentos e me apoiou sempre”, contou a médica. Em 2014, ela pediu autorização à Justiça para viajar para o Canadá justamente para ver a filha. Na época, a adolescente fazia intercâmbio no país e a viagem seria para celebrar o aniversário de 15 anos. No entanto, a juíza Gelzi Maria Almeida Souza, da 1ª Vara do Tribunal do Júri e que conduzirá o julgamento a partir desta terça, negou o pedido. 

Já em setembro deste ano, a juíza autorizou que a médica viajasse para as cidades de São Paulo (SP) e Aparecida (SP). Na decisão, a magistrada afirma que Kátia Vargas já pôde viajar em outras nove oportunidades. Os advogados que compõem a defesa da médica têm escritório em São Paulo. “Uma pessoa que fica presa, que foi chamada de monstro por uma parcela da imprensa e por se envolver em um acidente dessa magnitude, não pode ter uma vida normal”, afirmou o advogado José Luis Oliveira Lima. De acordo com ele, Kátia Vargas aguarda o julgamento com serenidade e confia na Justiça.

Kátia nunca mais dirigiu um carro. Durante a entrevista, disse saber que sua vida nunca mais será a mesma, assim como a família das vítimas. "Não estou comparando as dores das duas famílias, ambas vítimas de uma tragédia. A minha dor não exclui a dor da outra", desabafou. 

Quais são as regras do júri?  1. O primeiro procedimento será o sorteio dos sete jurados entre os 25 previamente escolhidos aleatoriamente para participar de todos os procedimentos no Tribunal do Júri do mês de dezembro. Esses 25 são sorteados entre uma lista de 1,5 mil pessoas escolhidas por ano – indicadas por vários segmentos da sociedade, como repartições públicas, associações de bairro, de classe, sindicatos, entidades culturais e universidades. Nessa bancada, ficará a juíza Gelzi Souza. Ao lado, ficam o MP-BA e o assistente da acusação (Foto: Almiro Lopes/Arquivo CORREIO) 2. É necessário ter, no mínimo, 15 presentes – se somente 14 aparecerem, o julgamento pode ser até adiado.

3. Nenhum dos jurados pode ter parentesco (nem genro e sogro, por exemplo) ou ter se manifestado publicamente sobre o caso em alguma situação anterior. Tanto a defesa quanto a acusação podem, ainda, recusar até três jurados sem justificativa.

4. A partir do momento em que os sete jurados são definidos, eles ficam incomunicáveis. Não podem se falar nem mesmo entre eles. Até mesmo para ir ao banheiro precisam estar acompanhados de um oficial de Justiça.

5. Nenhum jurado pode dormir. Nesse tipo de julgamento, se um deles dormir, o júri deve ser cancelado.

6. Os jurados fazem um juramento e, em seguida, começa a chamada fase de instrução. É quando serão chamadas as cinco testemunhas de acusação e as cinco testemunhas de defesa, além do interrogatório da própria Kátia.

Relembre os fatos marcantes do caso

11 de outubro de 2013 - Após uma suposta discussão no trânsito, médica Kátia Vargas, que dirigia um Kia Sorento, persegue a moto ocupada pelos irmãos Emanuel e Emanuelle Dias. Segundo a polícia, o Sorento toca na moto, que se choca contra um poste e os dois morrem na hora. A então delegada titular da 7ª Delegacia (Rio Vermelho), Jussara Souza, recebe imagens de câmeras de segurança do local do fato. Ela anunciou que indiciaria Kátia por duplo homicídio com dolo eventual. 

14 de outubro de 2013 – O Ministério Público do Estado questiona internação da médica em hospital particular e solicita laudo. Ela estava no Hospital Aliança. 

15 de outubro de 2013 – Amigos e familiares cantam parabéns para Emanuel, que faria 22 anos neste dia. No mesmo dia, a prisão preventiva de Kátia é decretada. 

17 de outubro de 2013 – Kátia Vargas deixa hospital e é presa. Detran abre processo para cassar sua carteira de habilitação. 

18 de outubro de 2013 – A polícia conclui o inquérito e a médica é indiciada por duplo homicídio 

25 de outubro de 2013 – Ministério Público denuncia a médica à Justiça e pede reconstituição do crime. 

1º de novembro de 2013 – O advogado Sérgio Habib assume a defesa de Kátia Vargas. Antes dele, era o advogado Vivaldo Amaral quem defendia a médica, mas ele foi afastado a pedido da família. 

9 de novembro de 2013 – Sérgio Habib apresenta defesa da médica e diz não haver provas da batida. 

28 de novembro de 2013 - Laudo do Departamento de Polícia Técnica (DPT) aponta que as câmeras não registraram o momento exato do contato entre os veículos. No dia seguinte, um novo laudo diz que “conduta imprópria” de Kátia causou o acidente. No mesmo dia, acontece a primeira audiência do caso e testemunhas são ouvidas. Defesa contrata o perito Ricardo Molina. 

11 de dezembro de 2013 – Parecer de Ricardo Molina desqualifica laudo do DPT 

12 de dezembro de 2013 - Kátia Vargas depõe em segunda audiência e nega colisão

16 de dezembro de 2013 - Kátia Vargas é libertada da prisão após dois meses e passa a responder ao processo em liberdade. Ela ficou detida por dois meses no Conjunto Penal Feminino, na Mata Escura. 

27 de dezembro de 2013 – A médica Kátia Vargas divulga um vídeo gravado por sua então assessoria de imprensa. Nas imagens, ela diz que não jogou o carro que dirigia contra a moto onde estavam os irmãos Emanuel e Emanuelle.

"Não posso assumir algo que não fiz. Acredito na Justiça dos homens e na divina. Se perdermos a fé na Justiça, acho que perderemos a fé na vida. A verdade existe e tem que aparecer", disse Kátia Vargas.

22 de abril de 2014 - Tribunal de Justiça da Bahia decide que Kátia vai a júri popular. 

28 de abril de 2014 – O advogado Sérgio Habib deixa a defesa da médica, que é assumida pelo escritório do advogado José Luis Oliveira Lima, que fica em São Paulo. Oliveira Lima é conhecido nacionalmente por ter defendido nomes como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro. 

11 de novembro de 2014 – Kátia pede autorização para viajar ao Canadá para visitar a filha, que completaria 15 anos, na época. A adolescente estava fazendo intercâmbio. No entanto, a viagem não foi autorizada pela Justiça. 

16 de maio de 2016 – Supremo Tribunal Federal negou recurso da defesa para que Kátia não fosse a júri popular. Era o último apelo para que o julgamento não acontecesse dessa forma. 

11 de dezembro de 2016 - Reprodução Simulada é feita. A reconstituição foi solicitada pelo Ministério Público, a partir da versão das testemunhas. 

8 de maio de 2017 - O Laudo da Reprodução Simulada é encaminhado pelo DPT ao TJ-BA. 

7 de agosto de 2017 - Justiça marca júri popular de Kátia Vargas para 7 de novembro

24 de setembro de 2017 – Pai dos irmãos Emanuel e Emanuelle, o projetista Waldemir de Sousa Dias, 59 anos, morreu após sofrer uma parada cardíaca no apartamento onde morava sozinho, no Barbalho. 

3 de outubro de 2017 – O julgamento da médica é adiado para o dia 5 de dezembro. Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a alteração na data foi um pedido do advogado de defesa da médica, que estará em outro julgamento, nos Estados Unidos, na mesma data. O advogado José Luis Oliveira Lima participou do júri da Fifa.