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Miro Palma
Publicado em 29 de agosto de 2018 às 05:00
- Atualizado há um ano
Vira e mexe eu volto a falar de racismo por aqui. É uma decisão difícil abordar esse tema por dois motivos: quero dar o mínimo de exposição a pessoas que cometem esse ato, visto que muitas têm ele como objetivo, e eu não sofro com o racismo diretamente. Fui alertado recentemente sobre o lugar de fala e legitimidade. Eu, mestiço como a grande maioria neste país, nasci com a pele clara e não tenho a intenção de representar pessoas negras, nem poderia. Mas, como esse é o espaço que eu tenho, preferi, por diversas vezes, me posicionar para não corroborar com o que considero errado. E o faço mais uma vez.
Desta vez, por três situações que me incomodaram. Em ordem cronológica, começo por uma polêmica criada com roupa de Serena Williams. Em junho, após dar à luz à filha Alexis Olympia, a tenista usou um macacão todo preto no seu retorno a um Grand Slam, em Roland Garros. Serena disse que considerava a roupa de Wakanda, em referência ao filme Pantera Negra. Depois, a americana ainda explicou que o traje facilitava a circulação sanguínea e evitava novos coágulos, resquícios de complicações na sua gravidez.
Na sexta passada, quase três meses após a competição, o diretor de Roland Garros, o francês Bernard Giudicelli, proibiu o uso do macacão e disse que “é preciso respeitar o jogo e o local”. Não tem nada de desrespeitoso em um macacão preto, a meu ver. Mas estamos falando de uma atleta que convive com críticas relacionadas a seu corpo, especialmente as características de sua negritude, desde que despontou no esporte. Suas curvas, seus músculos e até a sua feminilidade são constantemente criticados e comparados às suas oponentes brancas. Então, nesse cenário, ousar vestir uma roupa em referência a uma nação africana de super-heróis é uma afronta.
Já na terça passada (21), parte da torcida do Independiente imitou macacos em direção a santistas que estavam na arquibancada em Avellaneda, onde os dois times disputaram a primeira partida das oitavas de final da Copa Libertadores. A segunda aconteceu ontem, no Pacaembu. Mas, antes de chegar ao Brasil, o Rojo publicou em seu site orientações à sua torcida. “É um delito no Brasil assimilar uma pessoa a um animal”, informou o clube, ignorando o que deveria ser comum em qualquer lugar. No final, quando rogaram encarecidamente para que se evitassem os gestos e palavras racistas, ficou claro a verdadeira preocupação: “O clube pode ser penalizado economicamente”. Melhor seria o clube se posicionar contra o racismo, ameaçar punir torcedores que desviarem essa conduta ou, mesmo, punir com rigor aqueles que o fizeram antes.
Por último, um exemplo que aconteceu aqui. O zagueiro Lucas Ribeiro, do Vitória, que teve um bom desempenho na última partida contra o Atlético-MG, foi ‘recompensado’ com ofensas em redes sociais. Dois perfis de torcedores do Leão postaram uma foto antiga de Lucas e o chamaram de ladrão. “Lucas Ribeiro roubava carteiras na Barra e agora rouba bolas na Série A”, escreveu um deles. Confrontado, um dos administradores se justificou dizendo que também era negro. Só esqueceu, infelizmente, que o racismo está agarrado às questões socioeconômicas. Destacar símbolos de uma foto como óculos ou roupas comumente usados por meninos negros de periferia e relacionar isso com um criminoso é a mesma coisa que falar da cor da pele.
Nesses três casos temos o racismo disfarçado. E todos precisam estar atentos a esse artifício que, em tempos de vigilância, especialmente nas redes sociais, tem sido a arma daqueles que insistem em andar para trás.