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O renascimento de uma velha paixão?

  • D
  • Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às 05:05

. Crédito: .

Minha primeira lembrança de uma Copa do Mundo é o gol anulado de Zico contra a Suécia, em 1978, na Argentina. Uma lembrança marcante e dolorosa. Enquanto a bola voava da marca do escanteio até o meio da grande área, o árbitro do jogo achou por bem encerrar a partida. Zico voava para cabecear e lançar a pelota no fundo das redes. Não esqueço do quanto chorei, encostado à cortina, desejando chutar a canela do juiz com meu sapato do colégio, que era quase um torpedo.

Tudo naquela primeira Copa era revelação. As cores das camisas, os nomes estranhos dos jogadores, o papel picado tomando o gramado e até mesmo a ideia de que uma seleção pudesse se vender para beneficiar outra, como teria acontecido no jogo entre Argentina e Peru. Eu gostava do time anfitrião, aqueles tipos cabeludos que transmitiam certa aura de rebeldia: Kempes, Luke, Passarela, Fillol. Não fazia, obviamente, a menor ideia de que o país vizinho vivia uma ditadura sanguinária.

Eu era então um garoto muito tímido de oito anos, com dificuldade para me relacionar com os colegas do Liceu Salesiano de Salvador. Um colégio enorme, com quadras e campos de futebol onde os meninos mais talentosos desfilavam sua habilidade com a bola. Eu não gostava de lá. Havia uma enorme diferença em relação à escola anterior, pequena e acolhedora, o que me fez perceber o quanto a infância podia ser brutal.

A Copa de 1982 representou a minha maior frustração futebolística. Eu adorava aquela seleção. Conhecia bem os jogadores, as suas virtudes e os seus defeitos, e me encantava com os passes e dribles de Zico, a elegância de Falcão, a sobriedade de Sócrates, a potência do chute de Éder. Como um time tão bom poderia perder para a Itália, depois de ganhar todos os jogos anteriores dando espetáculo? Pois é, mas perdeu.

Aos 12 anos, vivia as dores e delícias do início da adolescência. As primeiras paixões, em geral não correspondidas. Os primeiros grandes livros, que expandiam minha mente quase ao infinito. Os primeiros ensaios de emancipação: botar o bico para fora do ninho e espiar o que havia lá fora. Parecia bom, mas ao mesmo tempo desafiador e perigoso. Ainda não tinha amigos, ainda não sabia como me comportar.

Em 1986, eu lamentei demais a derrota nos pênaltis diante da França, depois de Zico, meu maior ídolo no futebol, perder uma penalidade durante o jogo. A grande geração da Copa anterior estava envelhecida e desgastada e, mesmo apresentando momentos de excelente futebol, o encanto havia se quebrado.

Por outro lado, começava a me extasiar com um gênio: Diego Armando Maradona. Um deus baixinho e rechonchudo, que inculcou em mim uma devoção quase sagrada por essa grande arte chamada futebol. Seu gol contra a Inglaterra, após destroçar sozinho meio time adversário, é uma obra máxima. Lembro de não ter assistido à final entre Argentina e Alemanha porque estava jogando bola com os amigos num campinho de barro, no condomínio onde passávamos as férias.

A essa altura já conseguira me enturmar e já sofrera por amor. Mas era só um garoto que amava os livros e o mar, as moças e os mistérios do mundo. Aos 16 anos, a vida se descortinava como uma epifania e eu acreditava ter algum talento com as palavras. Queria ser como os meus ídolos das bandas de rock: bonito como Paulo Ricardo, inteligente como Renato Russo. Não era nem uma coisa nem outra.

Com o tempo, o entusiasmo pelos jogos do Brasil nas copas esmoreceu. Creio que só torci de verdade até 1994, quando Romário comandou a seleção rumo ao tetra. Meu mundo mudara bastante: morava em São Paulo, cursava jornalismo e encarava os desafios e cobranças da vida adulta. Depois, não sei exatamente por que motivo, fui tomado por desapontamento e indiferença. Foi algo progressivo, como um antigo amor do passado que vira decepção no presente.

Pouco me importaram o calvário de Ronaldo e o passeio da França na final de 1998. Ou mesmo a conquista do penta em 2002. Quatro anos depois, senti até certo prazer ao ver aquela seleção tão displicente levar um baile de Zidane e sua turma. E mais ainda em 2010, ao ver a medíocre seleção de Dunga ser solapada pelos holandeses em 2010. O fatídico 7 a 1, em 2014, não provocou em mim tristeza ou indignação.

Nos últimos dias, porém, algo começava a voltar, ainda que de forma tímida. A cada jogo, aumentava a minha simpatia por esse time de garotos habilidosos e cheios de personalidade. Confesso que fiquei triste ao vê-los desabando em campo contra a Croácia, enquanto davam adeus a mais um sonho de hexacampeonato. Como minha devoção infantil pela seleção foi forjada em derrotas e decepções, talvez a perda do título em 2022 venha acompanhada de um renascimento. Afinal, nunca é tarde para uma paixão recomeçar.