O São João e as mudanças climáticas

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  • Da Redação

Publicado em 10 de maio de 2022 às 05:00

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Quem é do interior do Nordeste sabe o quanto o dia 19 de março é esperado com ansiedade por agricultores esperançosos que a chuva nesse dia pingada seja um prenúncio de fartura no São João, três meses depois. Aos moradores da capital, explico sem que isso me custe um capital sequer.   Há uma tradição de que o que se planta em 19 de março, dia de São José, será colhido com fartura, desde que nesse dia, caia chuva na roça. Isso sempre acontecia, o que levava homens e mulheres do campo às lágrimas que se confundiam com as próprias águas de março.   Ocorre que, com as mudanças climáticas, fenômenos condutores de impacto como ondas de calor e precipitação têm seu regime de regularidade extremamente alterado. O conhecimento popular que sempre acertava quando cairia um toró, vira jogo de loteria.

O que se planta no dia de São José já não se tem mais a certeza da colheita no São João, o que compromete não somente a tradição nordestina do milho, do amendoim, do feijão e outros cultivos.

O problema advindo das mudanças climáticas é muito mais complexo do que essa simples lembrança da fartura junina. Estamos aqui falando da produção de alimento em escala mundial, segurança alimentar e a meta de diminuição da fome como objetivo do desenvolvimento sustentável até 2030. E mais, estamos falando de um obstáculo à diminuição da desigualdade entre as nações e dentro dos países.

Segundo dados do Relatório Luz, em 2021 havia 113 milhões de brasileiros e brasileiras em situação de insegurança alimentar. São 60% da população sem saber o que vai comer no outro dia.    Resolvi falar de mudança climática, regime de chuvas e a produção de alimento. Mas ao tocar no tema fome poderia falar da extensão da área agrícola destinada à plantação de soja; da redução da população ocupada na agricultura familiar; da ausência dos estoques alimentares para combater a alta dos preços dos alimentos e da inexistência de programas de combates à desnutrição.   A justiça climática, que tem como objeto de estudo as vulnerabilidades (físicas, sociais, ambientais, econômicas) revela que a fome tem cara, cor, lugar social e endereço certos. Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, ligado à ONU, os extremos climáticos se tornarão cada vez mais frequentes e imprevisíveis, acentuando as vulnerabilidades de mais de 50% da população mundial. 

Sempre ouvi dos mais velhos de que o São João era festa do pobre enquanto o Natal era festa do rico. É que eles, os mais vividos, eram do tempo de Seu Luiz Gonzaga na canção Liforme Instravagante: tamanha a fartura que ele manda fazer um uniforme de comida. 

Que as celebrações juninas não sejam marcadas pelas iniquidades humanas originadas da fome, da miséria e da desigualdade. Que prevaleça o liforme da fartura.  

Diego Pereira é procurador federal (AGU), autor de Vidas interrompidas pelo Mar de Lama (Lumen Juris) e doutorando em Direito, pesquisa mudanças climáticas, desastres e justiça climática.