O último voo do ônibus mágico

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  • Kátia Borges

Publicado em 30 de janeiro de 2021 às 05:59

- Atualizado há um ano

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Há um poema que gosto muito, chama-se “Sem chaves e às escuras”. Foi escrito por um poeta argentino, Fabián Casas. Eu o conheci por meio do escritor baiano Rodrigo Melo. Mas esta crônica não é sobre esses versos, que eu gostaria muito de ter escrito. Talvez, ao final, vocês entendam. Aos que não o conhecem, deixo aqui o desejo de que o leiam em algum momento. Quero falar de outra história.    Essa outra história, eu conheci primeiro pela música. Em looping, ouvindo a trilha sonora de Na natureza Selvagem, filme dirigido por Sean Penn em 2007 e lançado no ano seguinte. Aquele era o álbum solo de Eddie Vedder, o maravilhoso vocalista do Pearl Jam. Então cheguei ao livro-reportagem escrito por Jon Krakauer e, em seguida, ao documentário que foi exibido pela rede de televisão ABC.

O documentário é de 1997, anterior ao longa-metragem, mas foi produzido na esteira do sucesso do livro, publicado em 1996. A partir daí, o meu fascínio absoluto pela história de Alex Supertramp seguiu alimentado, ao longo do tempo, por reportagens sobre a saga do garoto rico que queimou o dinheiro e os documentos que davam conta de sua vida anterior e se isolou voluntariamente do resto do mundo. 

Com o sucesso do filme, aventureiros de várias partes do planeta passaram a arriscar a travessia das águas dos rios Teklanika e Savage na trilha de Stampede, que fica dentro de um parque nacional, o Denali, no Alasca. Seguiam em busca do ônibus mágico onde Alex Supertramp voltara a ser Chris McCandlessantes, seu nome de batismo. Foi assim que ele assinou seu último bilhete, um pedido de ajuda. 

Quando escreveu aquele SOS, Alex se sentia tão fraco que mal conseguia andar. Bem que ele quis sair dali. Mas era setembro e as águas dos rios haviam subido acima do nível, tornando a travessia impossível. As causas de sua morte ainda hoje são um mistério. Há quem defenda, entre eles Jon Krakauer, que ele se confundiu ao colher sementes — com as quais se alimentava— e que foi envenenado por elas.

O veículo abandonado, Fairbanks 142, onde o corpo de Chris/Alex foi encontrado duas semanas depois que ele morreu, aos 24 anos, em agosto de 1992, virou o altar de uma espécie de culto pop. E, desde 2009, legiões de jovens se acidentaram, alguns morreram, em loucas expedições ao local, todas devidamente registradas em vídeos ou por câmeras de celulares e postadas nas redes.  

Ironicamente, só em junho do ano passado, quando já vivíamos o isolamento social imposto pela pandemia em todo o mundo, a Guarda Nacional do Alasca, certamente farta de gastar dinheiro em operações de resgate de turistas, decidiu içar o ônibus e acabar com aquela longa romaria. Envolvido em cabos de aço, o veículo foi erguido e transportado pelo ar, levado por um helicóptero do exército. 

Lembro que, ao ver as fotografias, e um vídeo, do ônibus mágico sobrevoando a floresta, senti que aquelas imagens representavam o fim de uma era. Há marcos históricos bem mais relevantes, você dirá e eu sei, mas alguns são pessoais. Não há exagero. Vivemos em um tempo de exibição extrema, no qual já não caberia uma aventura radicalmente solitária como aquela. Em 12 de fevereiro, Alex Supertramp faria 53 anos.