'Onde estão minhas netas?': sumiço de crianças após crime em Pedrão faz um ano

Roberto Luiz do Rosário Lima diz ter esperança de encontrar as netas de 1 e 5 anos com vida

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  • Bruno Wendel

Publicado em 28 de abril de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Uma dor que só aumenta a cada dormir e acordar. Que é reforçada a cada caminhada pela casa. Potencializada a cada foto vista timidamente na estante da sala. Intensificada a cada ida ao quarto das netas Sofia, de 1 ano e quatro meses, e Luna Morena, de apenas 5. Hoje, essa angústia aperta ainda mais o coração de 62 anos de seu Roberto Luiz do Rosário Lima.

Há um ano, ele iniciou uma jornada em busca de respostas sobre o paradeiro das duas netas - um mistério. Para a família, as meninas estavam no mesmo carro em que os pais e um motorista foram mortos a tiros há um ano, na zona rural de Pedrão, no Centro-Norte. Só que elas desapareceram. Para Roberto Luiz, pior que a notícia da morte é não ter notícia alguma. “Minha vida acabou. Vivo para descobrir o que aconteceu com elas”, desabafa.

A pedido do CORREIO, seu Roberto voltou a Pedrão. De lá, um dos filhos dele, Robson Luiz Gomes Lima, o Robin, pai das meninas e apontado pela polícia como um dos gerentes do tráfico da facção Katiara, partiu no dia 28 de abril do ano passado com a família para comemorar o aniversário em Salvador.

O carro em que estavam, um EcoSport, foi alvo de emboscada. A polícia encontrou os corpos da mulher de Robin, Juliana Conceição do Nascimento, 23, e do motorista Danilo Luiz Araújo Souza, 24. Dois dias depois, a própria família achou o corpo de Robin num matagal a cerca de 50 metros dali. De Luna e Sofia, nem sinal.

“Nós temos certeza de que minhas netas estavam com os pais, porque todos voltavam para Salvador para comemorar o aniversário dele, dois dias depois do crime. Os pais não iriam para Valéria e deixar as crianças sozinhas em casa. No carro, encontramos biscoitos, brinquedos e outros pertences das meninas. Como elas não estariam lá, como? E ninguém diz nada, ninguém acaba com o nosso sofrimento que hoje completa um ano”, desabafa.

Pedrão De volta ao local onde o filho e a nora foram assassinados, seu Roberto Luiz foi acompanhado de outros dois filhos e das noras. Seguindo pela estrada de barro, ele chega ao distrito de Cambube. 

Usando uma camisa branca com uma foto estampada das netas, o aposentado desce do carro a três quilômetros da casa do filho – um trecho chamado de Areia Poc. É o local exato da emboscada. “Já viajei para tudo que é lugar em busca de minhas netas, vim aqui várias vezes, mas as pessoas não falam nada. É terrível voltar aqui. Diziam que meu filho era traficante. E minhas netas? Uma menina de um ano e quatro meses e outra de cinco anos já traficavam? Já usavam drogas?”, questiona Roberto.No memso lugar, ele continua: “Quero saber onde estão minhas netas. Quem estiver com elas, que devolva. Se quiserem trocar, eu troco minha vida pelas delas. E se elas estiverem mortas, que digam onde estão para eu enterrar e acabar o sofrimento. Vou continuar a busca pelas minhas netas, vivas ou não, até o dia que Deus me der forças”.

Mas, ao que tudo indica, a dor de seu Roberto e toda a família está longe de ser minimiza. O inquérito policial instaurado na Delegacia de Pedrão foi encaminhado em outubro do ano passado à unidade do Ministério Público Estadual em Irará. O documento foi entregue sem definir, ao menos, se as crianças estavam dentro do carro no momento da emboscada.  A emboscada ocorreu na zona rural, num local ermo. Marcas dos tiros ficaram pelo caminho (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Esperança A 30 metros dali, parentes encontram o corpo de Robson. “Achei o corpo de meu filho no dia 30, dia no aniversário dele. Foi doloroso. Depois, fizemos cinco varreduras por aqui pra ver se a gente encontrava as meninas e nada. Mas tenho esperança de encontrá-las. A sacola das roupas não foi encontrada no carro. O restante da merenda também não. Por isso, acho que elas estão com alguém. Tenho fé de que vamos encontrá-las”, diz o avô.

Agarrado a um urso de pelúcia, seu Roberto lembra do ‘xodó’ dele. “Esse urso anda comigo 24h. Ele me lembra minha neta Sofia, que vivia agarrada com ele, brincando na esteirinha dela lá em casa, só dormia com ele. Quem estiver com as minhas netas, lembrem de um cidadão aqui que está morrendo aos poucos”, pede.

A família, com ajuda de amigos, juntou R$ 5 mil e ofereceu como recompensa por informações que levassem ao paradeiro das crianças.“Tivemos várias informações desencontradas, inclusive trotes”, conta Roberto Luiz.Mesmo assim, a esperança toma conta também de outros parentes das meninas desaparecidas. É o caso de Adelson Luís Gomes Lima, 40, um dos irmãos de Robson. Ele acredita com veemência que as sobrinhas estão vivas.

“Os corpos de Juliana e de Danilo foram encontrados numa sexta. Fizemos buscas desde então. No domingo, senti algo. Algo que mandava entrar na mata fechada, mas já sabia que meu irmão não estava vivo e o encontrei. Mas o que eu senti em relação à morte dele, eu não sinto pelas minhas sobrinhas. Onde, não sei, mas elas estão vivas. Acredito que elas estão vivas por um milagre. Não chegou a hora das minhas sobrinhas. Elas estão num local que só Deus sabe”, declara o tio. A dona de casa Rejane, vizinha das crianças, conta que as filhas dela brincaram com Sofia e Luna na véspera do sumiço (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Despedida O CORREIO teve acesso à casa onde Robson e a mulher, Juliana, viviam com as filhas. O imóvel de cinco cômodos, ainda em construção, está vazio desde o crime. Apesar da quantidade de poeira e sujeira, objetos das crianças ainda estavam no local.

“Eles dizem que não é possível afirmar que minhas netas estavam no carro. Como não? Olha aqui, fraldas das meninas, brinquedos espalhados. Como é que não estavam aqui?”, aponta o avô.

“E minhas sobrinhas estavam na casa, sim, por que eu as trouxe para ficar com os pais três dias antes”, reforça Paulo Roberto Gomes Lima, 39, outro irmão de Robson.

Apesar de a recusa de muitos moradores, duas mulheres concordaram  falar com o CORREIO. Uma delas, Rejane dos Santos, disse que, no dia do crime, as filhas delas brincaram com Sofia e Luna Morena:“Foi muito chocante o que aconteceu, principalmente para as meninas que não tinham nada a ver. Eu sinto falta delas. No dia, essas meninas brincaram tanto que pareciam se despedir”, lembra Rejane.“Até hoje, quando acordo, lembro e fico muito triste. Sentimento grande de perda”, complementa a dona de casa Juliana Santos Lima. De acordo com ela, Robson era uma pessoa tranquila.  Casa em que a família morava em Pedrão, no Centro-Norte da Bahia, está fechada desde o crime (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) BDM Em maio do ano passado, a Polícia Civil disse que já tinha uma linha de investigação para as mortes em Pedrão. O crime pode estar relacionado a uma guerra entre duas das quatro facções criminosas que atuam na Bahia: Katiara e Bonde do Maluco (BDM). 

À frente das investigações, o delegado titular de Pedrão na época, Henrique Moraes, disse que no carro onde estavam Juliana e Danilo havia inscrições do BDM.

Mas essa versão é contestada até hoje pelo pai de Robson. “Estou acostumado a acompanhar levantamento de crimes de facções e todas elas deixam as cápsulas como demonstração de poder. O carro tinha muitos tiros, mas nenhuma cápsula sequer, como se não quisessem deixar os vestígios de autoria”, declara Roberto. Para ele, a busca não para.