Onde Salvador é mais Lisboa: como viajar pra Portugal sem sair da Bahia

E o melhor... sem ter que pagar passagem de avião nem gastar em euro

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  • Victor Villarpando

Publicado em 15 de setembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Sora Maia/CORREIO
Parece Salvador mas é Lisboa: Praça do Comércio por Sora Maia

Não precisa cruzar o oceano Atlântico para fazer um tour lusitano. A capital baiana tem um quê do país ibérico, eleito nos últimos três anos o melhor destino da Europa no World Travel Awards, Oscar do turismo mundial.

As similaridades são muitas. “Ambas são capitais. Lisboa da Portugal continental e Salvador a da América portuguesa. Duas cidades portuárias, uma à margem do Rio Tejo e outra na Baía de Todos os Santos. As duas têm cidade alta e baixa. Há bairros com nomes em comum: Mouraria, Graça, Misericórdia. E semelhanças na arquitetura. No Brasil, Salvador é a cidade com mais elementos portugueses na construção: a pedra portuguesa, o azulejo, o mármore lioz...”, elenca Francisco Senna, arquiteto, historiador e professor de História da Faculdade de Arquitetura da Ufba por 34 anos.

Além das heranças físicas, houve inspiração também imaterial: festa, devoção e comida. “Nosso lastro cultural é português. As culturas africana e indígena somaram elementos únicos, mas a matriz é essencialmente portuguesa”, diz ele.

Talvez por isso Portugal seja o quinto destino preferido da gente para turistar. Em oito anos, o número de brasileiros visitando a terrinha quase triplicou: em 2018 foram 1,91 milhão, contra 374 mil em 2010, segundo Turismo de Portugal, órgão de promoção turística do país luso. E olhe que o euro estava custando R$ 4,74 até o fechamento da edição.

Brasileiros vivendo lá? O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras diz que são cerca de 105 mil. Procurado pelo CORREIO, o Consulado Geral de Portugal em Salvador não informou quantos portugueses vivem na Bahia. Confira roteiro para viver ares de Portugal sem passar oito horas em avião e nem pagar R$ 3.700 em passagens diretas entre Salvador e Lisboa. Vamos sentir um gostinho por aqui?

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Centro Histórico Primeiro ponto de semelhança citado por todos os entrevistados. “O Bairro Alto me lembra demais o Pelourinho e o Santo Antônio Além do Carmo. Me sinto muito em Salvador quando passeio por lá. Especialmente em junho, época das festas juninas. Tem até decoração com bandeirolas”, diz Gabrielle Ferreira, que trocou a capital baiana por Lisboa há pouco mais de um ano para fazer mestrado em Ciências Gastronômicas na Universidade Nova de Lisboa. A sensação não é fruto só da saudade.

O arquiteto Sidney Quintela, que há 14 anos mantém um escritório na capital portuguesa, explica: "Para além das semelhanças geográficas, as duas cidades foram desenvolvidas naturalmente com o mesmo 'olhar', possuindo ruas e becos irregulares para aproveitar melhor a exposição solar, bem como direcionar a ventilação, conduzindo-a para obter um melhor conforto térmico". Terreiro de Jesus, no Pelourinho (Foto: Beto Jr/CORREIO) Para o professor de História e Teoria da Arquitetura Brasileira da Faculdade de Arquitetura da Ufba, Lula Cardoso, de fato há semelhanças entre o Centro Histórico de Salvador e lugares tradicionais de Lisboa, como o Bairro Alto, Chiado e Alfama.

“É arquitetura de influência luso-brasileira. No Santo Antônio Além do Carmo predominam características mais dos séculos 19 e 20, pelo menos externamente. A ocupação dos lotes e a relação que se estabelece nas ruas são muito semelhantes às do século 18: as construções são feitas sem recuos laterais ou frontais, no alinhamento da rua”, diz o pesquisador.Ainda no centro, ele destaca imóveis cujas portadas (fachadas principais) seriam parecidas com algumas encontradas nos bairros antigos de Lisboa. Para Lula, as mais expressivas são a do Paço do Saldanha, edifício do século 18 onde funcionava o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, e a do Solar Ferrão, no Pelourinho. Elas não teriam vindo prontas de Portugal, mas guardam semelhanças.

“A portada do Paço do Saldanha tem os atlantes, que são figuras gregas esculpidas. São elementos que perduram em diversos momentos da história, sendo conhecidos em outras tradições arquitetônicas. Mas aqui ganharam cor local, com traços mais próximos da cultura brasileira, se diferenciando da tradição europeia”, conta Lula.

O Solar Ferrão (Rua Gregório de Matos, 45), casarão construído entre o fim do século 17 e início do 18, tem seis andares e abriga uma galeria, um museu e quatro coleções. É aberto ao público e de acesso gratuito, de terça a sexta, das 10h às 17h e aos sábados, das 13 às 17h. No Paço do Saldanha (R. do Saldanha, 14) funcionam, atualmente, os escritórios da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Solar Ferrão, no Pelourinho (Foto: Evandro Veiga/ARQUIVO CORREIO) Igrejas que vieram de caravela A Catedral Basílica e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia foram ‘preparadas’ em Portugal e apenas montadas aqui. “O trabalho de cantaria, que é o corte das pedras, no caso de mármore lioz, vindo do litoral português, foi todo executado por lá. Veio tudo de navio”, pontua Francisco. Basílica: reabertura em 2018, após 44 meses de obra (Foto: Arisson Marinho/ARQUIVO CORREIO) A nossa catedral, que foi inaugurada em 1672 e levou 18 anos para ser construída, tem uma “irmã-gêmea” lá no velho continente. “É uma construção com estrutura completamente portuguesa. Em Portugal, a igreja mais parecida com ela não está em Lisboa, mas em Coimbra (a cerca de 200 km da capital portuguesa). A Nova Sé de Coimbra, curiosamente, também é a antiga igreja dos Jesuítas de Coimbra”, afirma Lula. Fica no Terreiro de Jesus e está aberta à visitação segunda-feira, de 10h às 17h, de terça a sábado, de 9h às 17h e domingo, de 12h às 17h. O ingresso custa R$ 5.

A Conceição da Praia (Rua da Conceição da Praia, s/nº, Comércio), mais recente, data de meados do século 18. “Também é uma igreja com influências nitidamente portuguesas, concebida com materiais de lá”, diz Lula. A igreja fica aberta à visitação (gratuita) de segunda a sexta-feira de 7h30 às 17h e aos sábados e domingos de 7h30 às 12h. Festa na Igreja da Conceição da Praia: 'preparada' em Portugal (Foto: Almiro Lopes/ARQUIVO CORREIO Ordem Terceira de São Francisco “A linguagem arquitetônica, tanto interna quanto externa, é nitidamente portuguesa. Algumas pessoas enxergam semelhanças entre ela e a igreja de São Francisco do Porto (segunda maior cidade de Portugal), principalmente no interior”, aponta Lula.

Mas a Ordem Terceira de São Francisco merece destaque por outro motivo, que fica mais especificamente no pátio interno: “Há azulejos com vistas de Lisboa antes do terremoto que destruiu a cidade em 1755 que são únicos no mundo. Não há no mundo nenhuma outra representação pictórica de como era a cidade antes da catástrofe além dos azulejos da Ordem Terceira”, diz Francisco.

Lula concorda. “Eles têm um valor iconográfico da maior importância para a historiografia urbana de Lisboa. O convento de São Francisco é, como um todo, o repositório do maior conjunto de azulejaria portuguesa além-mar”, afirma ele. É possível visitar todos os dias, de 8h às 12h e de 13h às 17h, com ingresso a R$ 5.

Festas juninas Santo Antônio, São João e São Pedro e as respectivas festas são mais um ponto em comum. Sabe as bandeirolas e os altares? Lá também tem. “Eles festejam Santo Antônio até com bem mais intensidade do que a gente. Decoram tudo com bandeirolas, flores e flâmulas, fazem quermesses... Os festejos lá são tão grandes que chegam a ter procissão. Acontece o desfile dos bairros, com marchinhas, roupas, coreografias, carros alegóricos... Lembra o nosso terno de reis”, comenta Francisco. Dá pra ter um gostinho por aqui, com a tradicional trezena de Santo Antônio, realizada pela Paróquia do Santo Antônio Além do Carmo. Acontece entre os dias 1 e 13 de junho. Este ano teve culto ecumênico, procissão, lavagem e missas. Mas claro que não pode faltar um toque nosso: na igreja dedicada ao santo na Barra, celebração tem até atabaques,

Elevadores e planos inclinados “A maior semelhança visual entre as duas cidades, para mim, são as ladeiras, que são muitas. E tanto Lisboa quanto Salvador estão divididas entre cidade alta e baixa", diz o cantor português Paulo Paradela, 48. Natural de Lamego, no norte do país europeu, e casado há16 anos com uma baiana, ele mora aqui desde 2017. (Foto: Betto Jr/CORREIO) Da divisão entre cidades Alta e Baixa, decorrem mais pontos de similaridade. “Não são poucos os pontos turísticos soteropolitanos que remetem a Lisboa.  Considerando o relevo acidentado, comum entre as cidades, é famosa a simbologia entre o Elevador Lacerda, baiano, e o Elevador de Santa Justa, português, conectando os bairros baixos e altos e recebendo milhares de turistas”, afirma Iuri Barreto, gerente de Marketing da GROU, agência de turismo que tem unidades na Bahia, em Sergipe e Portugal. Primos, elevadores de Santa Justa e o Lacerda já foram ainda mais semelhantes (Foto: Reprodução/Diário de Salvador/Instagram) Segundo Francisco, a semelhança entre os elevadores já foi maior. “O de Santa Justa é todo em estrutura de ferro. O Lacerda já foi assim, mas passou por uma renovação na década de 1930 e passou a ter aquela estrutura de concreto armado em estilo art decor”, explica o historiador e arquiteto.

Para Lula, parecido mesmo com o elevador de Santa Justa, por aqui, é o do Taboão. “Em termos de estrutura, sem dúvida é o mais parecido, pois ambos são de ferro”, pontua o arquiteto. Fechado há 54 anos, o equipamento está em reformas e deve ser reinaugurado até o ano que vem. Com 123 anos, Elevador do Taboão é um dos mais antigos equipamentos da cidade e está em reforma (Foto: Marina Silva/ARQUIVO CORREIO) Gabinete Português de Leitura O prédio, que desde 1918 está na Praça da Piedade, tem fachada toda trabalhada no estilo neomanuelino, que remonta à época da chegada dos portugueses por aqui.

“O Gabinete foi inspirado na arquitetura portuguesa da época dos descobrimentos, quando reinava Dom Manuel I, ‘o venturoso’. O período é considerado ‘o gótico português’ e deixou, lá em Lisboa, o Mosteiro dos Jerônimos e a Torre de Belém. Os de lá são todos em cantaria, o daqui é em tijolo e argamassa”, comenta Francisco. Ainda no estilo neomanuelino, ele cita que há, na capital portuguesa, a estação de Santa Apolônia e a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda.

Na fachada há referências a ícones da cultura portuguesa. “Tem as figuras do Infante D. Henrique, de Pedro Álvares Cabral, de Vasco da Gama e do ilustre (poeta) Luiz de Camões, além de escudos e brasões. Igual ao nosso prédio só tem outros dois no Brasil: um no Rio de Janeiro e outro em Recife”, diz Abel Travassos, presidente do Gabinete Português de Leitura da Bahia (Praça da Piedade, s/n). Funciona de segunda a sexta – das 8h às 12h e das 13h às 17h – com entrada gratuita.

Forte de São Marcelo Um forte redondo cercado de água por todos os lados. A mesma definição pode ser aplicada tanto ao Forte de São Marcelo, na Baía de Todos os Santos, quanto ao Forte de São Lourenço do Bugio, no encontro do Rio Tejo com o Oceano Atlântico, em Oeiras, região metropolitana de Lisboa.

“É a única fortaleza portuguesa em Portugal que fica inteiramente dentro do mar. E o de lá foi construído quase que na mesma época do nosso aqui”, diz Francisco. De fato, São Marcelo foi inaugurado em 1623, enquanto o Bugio foi concluído em 1657. O de cá também ganha na proximidade com o centro da cidade. (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) “O Forte de São Marcelo tem grande presença cênica, um protagonismo por conta dessa relação de proximidade e integração com Salvador. O do Bugio fica mais distante do centro de Lisboa, ficando numa cidade da região metropolitana”, aponta Lula. No entanto, desde 2011, só dá pra ver o forte de São Marcelo de longe: ele está fechado à visitação.

Gastronomia para se deliciar

Portogaia Entrar no Portogaia e se deparar com a copa das árvores pela parede de vidro é uma primeira impressão ótima, que continua na entrada: os saborosos bolinhos de bacalhau (R$ 48) são crocantes por fora, macios por dentro. O Polvo à Lagareiro (R$ 110), grande e macio, também encanta. Arte do chef Vitor Bastos, natural de Porto, em Portugal, onde trabalhou no Casa da Calçada, que ostenta uma estrela no prestigioso Guia Michelin. A casa abriu em novembro do ano passado e tem 45 vinhos portugueses e brasileiros. O Polvo a Lagareiro do Portogaia: suculento, macio, saboroso (Foto: Reprodução/Instagram) Eventualmente, o cantor português radicado em Salvador Paulo Paradela (@paulo.paradela.oficial) faz apresentações de música lusitana no local. No repertório, fado, música pop portuguesa e repertório autoral. 

De quarta a sábado de meio-dia à meia noite. Domingo de 11h às 23h e terça de 12h às 23h. R. Novo Horizonte, 39, Acupe de Brotas. Tels.: 71 99941-4445 e 99396-2525. Instagram: @restauranteportogaia.

De Além Mar Aquele dizer dos melhores perfumes nos menores frascos combina com a De Além Mar. Nos menos de 10 m² da loja do Rio Vermelho, saem preciosidades da confeitaria portuguesa como o pastel de nata (R$ 7) e a torta de laranja (R$ 12). O café, o também portuga Delta, com ou sem nata, leite ou doce de leite sai a R$ 5 (pequeno) ou R$ 6 (grande). Pastel de nata da De Além Mar: massa deliciosamente folhada e crocante (Foto: Angeluci Figueiredo/ARQUIVO CORREIO) Além dos doces, as irmãs Maria João e Mónica Morais, que nasceram em Angola quando ela ainda era colônia portuguesa, fazem outras iguarias lusitanas. É o caso da Francesinha (R$ 30), sanduíche-ícone da cidade de Porto, que leva carne, queijo, linguiça, ovo e um molho de 28 ingredientes. O Caldo Verde, sopa de couve com batata e chouriço artesanal, com broa portuguesa de fermentação natural, sai todo sábado por R$ 20. Várias coisas são receita de família. Imperdível. A Francesinha da De Além Mar: viagem sensorial (Foto: Renato Santana/Arquivo CORREIO) De terça a sexta 13h-19h; sábado 10h-18h; domingo 13h-18h. R. Odilon Santos, Galeria Vila 14, Rio Vermelho. Tel.: 71 99984-9048. Instagram: @dealemmar.

Portuguesa Maluca O restaurante é pequeno, mas os pratos são grandes, para compartilhar. É o caso do sensacional Gambas à la Guilho (R$ 98), que vem com 10 camarões-tigre, enormes, macios e com molho sem miséria. Peça pão da casa extra (R$ 16): você vai precisar dele para limpar o prato. O Arroz de Bacalhau (R$ 139) do chef Luís Barromeu, que serve até 4 pessoas, também vale a pena. A tasca, que fez um ano, tem 50 vinhos portugueses: o mais barato, o tinto Esporão Pé, custa R$ 60. O bacalhau da Portuguesa Maluca (Foto: Reprodução/Instagram) Segunda 15h-22h30; terça a sábado 12h-22h30; domingo 12h-16h. R. da Fonte do Boi, 26, Rio Vermelho. Tel.: 71 3055-1515. Insta: @portuguesamaluca.