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Publicado em 16 de agosto de 2021 às 05:39
- Atualizado há um ano
“Você vê um prato de um classe média europeu (sic), são pratos relativamente pequenos. Nós fazemos almoço onde há uma sobra enorme e isso vai até o final que é a refeição da classe média alta, até lá há excessos. Então como utilizar esses excessos que estão nos restaurantes no dia a dia e esse encaminhamento com as políticas sociais tem que ser feito... Toda a alimentação que não for utilizada naquele dia no restaurante, aquilo dá pra alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, desamparados, é muito melhor do que deixar estragar essa comida toda...”
Se pensa que o autor dessa confusa declaração foi o fictício Caco Antíbes, saia de baixo. Na verdade, foi o Ministro da Fazenda, posto Ipiranga do governo Bolsonaro. Em 17 de junho, ele apontou certa gulodice da classe média brasileira como uma causa da fome. Revelou o espírito de vira-latas com que sempre classifica o nosso povo como menos educado ou civilizado que os europeus, norte-americanos e asiáticos (que os africanos nunca, pois o racismo não deixa). Mas, esse não é nem de longe o maior problema.
Paulo Guedes propôs a institucionalização de uma das cenas mais tristes que podemos ver. Sugeriu transformar em política de estado a prática comum nos restaurantes que despejam os restos do consumo diário, a comida fria que esteve no prato ou mesmo na boca de outros em local conhecido por indigentes. Dezenas de pessoas famintas aguardam ansiosamente e avançam assim que podem. O ministro não pretende enfrentar a desigualdade extrema que provoca essa barbárie. Para ele, a barbárie é solução. Minha sobra, minha vida.
O ex –assessor de Pinochet estabeleceu um limite para a dignidade. Para ele, a fronteira do respeito está na refeição da classe média alta. Após essa linha, qualquer coisa serve, pois quem vai comer não é “tão gente assim”. São subcidadãos, que podem ser submetidos a qualquer humilhação ou sofrimento, afinal são inferiores. Guedes legitimou a existência de pessoas no fundo do poço do assustador filme de Urrutia.
A insensatez demonstrada pelo presidente da República, que atacou todos os meios disponíveis de enfrentamento à covid-19 é apenas a ponta do iceberg. O desprezo pela vida e pela dignidade da maior parte da população é o centro ideológico do governo, especialmente da sua política econômica. É o que torna aceitável destruir os serviços públicos (PEC 32), acabar com a Previdência, precarizar o trabalho ou simplesmente não comprar vacinas. A maioria dos brasileiros vive em uma música de Chico Buarque. Pode agradecer se tiver chão para dormir e lhes deixarem existir.
Deus lhe pague.
Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia