Os errantes navegantes

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  • Paulo Sales

Publicado em 26 de julho de 2021 às 10:07

- Atualizado há um ano

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Li outro dia uma reportagem sobre o projeto da Nasa de levar uma missão tripulada a Marte. A viagem duraria em torno de cinco meses e a volta seria, a princípio, impossível. Os astronautas se tornariam, portanto, os primeiros colonizadores de Marte e ficariam lá para sempre. Passariam o resto de suas vidas naquele ambiente ameaçador de ar irrespirável, com a paisagem monótona de pedras e céu avermelhado.

Não veriam mais o lugar onde nasceram: o bairro, a cidade, o país, o continente e, por fim, o planeta. Não veriam mais os oceanos, o céu azul, o verde, os animais, a família, os amigos. Dariam as costas a tudo isso para cravarem seus nomes no célebre panteão dos grandes desbravadores.

Guardadas as proporções, seria como na época dos navegantes do passado, talvez o principal precedente dos exploradores marcianos na história da civilização. Numa época em que acessamos qualquer lugar do mundo com o Google Earth, não é fácil imaginar o que representaram para a humanidade as grandes navegações. Muitos homens se lançaram no oceano numa época em que, para eles, existia apenas a Europa e uma parte da Ásia e da África.

Do lado de lá do ponto mais avançado do continente – o Cabo da Roca, em Portugal – enxergava-se apenas o infinito. E ele era apavorante. Américo Vespúcio chegou à América e seu nome batizou o novo mundo, mas ele supôs que se tratava do continente asiático. Ou seja: ignorava a existência de toda aquela extensão que vai da Groelândia à Terra do Fogo e, por trás dela, o maior dos oceanos.

Quando criança, li um livrinho que contava a saga do navegador Fernão de Magalhães, cuja esquadra foi a primeira a dar a volta ao mundo. Partiram mais de 500 homens em cinco naus. Voltaram pouco mais de 30, amontoados, doentes e famintos na menor das caravelas. Magalhães morreu pelo caminho, ao tentar subjugar povos indígenas em algum canto do globo.

Descobrir mundos desconhecidos, lá pelos idos de 1400 ou 1500, era quase tão assustador e irreal quanto uma viagem a Marte, com a diferença de que hoje sabemos a distância exata, o trajeto a ser percorrido e até a paisagem que será encontrada quando desembarcarmos por lá.

O objetivo, segundo os cientistas, é estabelecer uma colônia de humanos em Marte: eles criariam hortas, extrairiam a água do subsolo e, caso tudo desse certo, procriariam. Teríamos, assim, os primeiros bebês nascidos em solo marciano – em que condições, é impossível dizer. Com a passagem das décadas ou dos séculos e com a Terra exaurida, poderíamos – os mais afortunados – até nos mudar para lá, deixando para trás o caos generalizado.

Nessa história toda, o que mais me intriga é a ideia do exílio eterno. Como tomar uma decisão como essa? Como lidar com a saudade? É distância demais para um coração, por mais duro e impenetrável que seja. Aos terráqueos solitários restaria mirar o céu. Ali, de onde nem tempo nem espaço, viajaria no nada uma estrela quase igual às outras, carregando o nome da sua carne. Então eles cantariam, conferindo um sentido ainda mais exato aos versos de Caetano: “Por mais distante o errante navegante, quem jamais te esqueceria?”.