Os livros que eu levaria para uma ilha lotada

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  • Paulo Sales

Publicado em 15 de junho de 2020 às 05:00

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Em sua coluna na Folha de S.Paulo, Ruy Castro listou os discos, filmes e livros que levaria para uma ilha deserta. É um velho clichê do jornalismo e também uma forma eficaz de explicitar nossas predileções. Não possuo, evidentemente, a estatura intelectual do autor de O Anjo Pornográfico, mas ainda assim pensei em expor por aqui alguns dos objetos de adoração que levaria comigo não para uma ilha deserta (morreria de tédio por lá), mas para uma densamente povoada: a Île de la Cité, em Paris, de preferência num apartamento com vista para o Sena.

Seria um desconsolo abandonar os volumes adquiridos e guardados com carinho e abnegação ao longo de décadas, que contribuíram para forjar a matéria-prima imperfeita de que sou feito. Num exercício de desprendimento, escolheria então apenas dez: aqueles que se sedimentaram como os grandes monumentos de papel que tive o prazer de visitar. Começaria por dois russos: Vida e Destino, de Vassili Grosman, e Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski. Vastos e abissais, ambos abarcam toda dor e delícia de nossa trajetória errática e fascinante pela Terra.

Levaria também A Idade da Razão, de Sartre, que reli outro dia e que voltaria a reler infinitas vezes com igual deslumbramento. Neste caso, com o encanto adicional de ser ambientado na cidade em que iria morar. Que mais? Bem, na sequência colocaria na mala O Sol Também se Levanta. Porque não dá para viver em Paris sem ter um Ernest Hemingway a tiracolo para qualquer necessidade. Ainda mais essa história de hedonismo, desnorteio e bebedeiras, ambientada na capital francesa e depois na meca das touradas, Pamplona.

Ainda na seara da geração perdida, levaria o meu preferido de F. Scott Fitzgerald. Não, não seria O Grande Gatsby, mas, sim, os 24 Contos Traduzidos por Ruy Castro (olha ele aí de novo). É desses livros que nos levam ao delírio silencioso: contos arrebatadores, como O Amor à Noite, O Menino Rico, A Estrada de Jacob e Babilônia Revisitada. Passaria então para outro norte-americano: Philip Roth. No caso, Patrimônio, um pequeno e corajoso romance confessional sobre os dias derradeiros do próprio pai.

Voltaria então as atenções ao meu próprio continente, com suas contradições e seu destino malogrado. Aqui não poderia faltar Conversa na Catedral, o caudaloso romance faulkneriano de Mario Vargas Llosa, saga peruana que é também uma saga universal. Não poderia faltar também qualquer coisa de Jorge Luis Borges. Curiosamente, não escolheria Ficções ou O Aleph, e, sim, a sua Antologia Pessoal. Como o nome sugere, uma reunião de contos, poemas e divagações selecionados pelo próprio Borges, incluindo suas maiores realizações: Funes, o Memorioso e O Milagre Secreto, cujas leituras me revelaram um mundo. Ou melhor: vários.

Obrigatoriamente, incluiria o livro que, quando era um garoto de 15 anos, me descortinou a beleza suprema da literatura com uma única frase: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. Gabriel García Márquez, o Gabo, e seus Cem Anos de Solidão. Fechando a lista e a mala, teria que carregar o meu país comigo. Levaria, portanto, nossa obra maior, a tragédia dos confins das Gerais, do amor não consumado de Riobaldo e Diadorim. Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa.

Só assim estaria pronto para o exílio.