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Jolivaldo Freitas
Publicado em 8 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
No tempo da peste de 1855, quando Salvador virou um grande hospital e imenso cemitério, foram a igrejas que deram adjutório para a população. Os santuários mantinham suas portas abertas e nenhuma autoridade teve coragem de mandar fechar. Bem diferente da situação de hoje, em que estão proibidas a aglomeração de pessoas seja em que sítio for. Ninguém tinha a noção da necessidade de se isolar, embora nenhum parente quisesse encostar em doente ou estar próximo dos seus mortos. Eram muitas as missas e procissões, como no mês e setembro quando foram quase uma centena. A multidão tomava aos adros e o interior das igrejas. Muitos, praticamente, passaram a morar nos templos por entender que assim estaria a salvo.>
O então arcebispo da Bahia e primaz do Brasil Romualdo Seixas conclamava o povo a rezar e aos padres a se esforçarem para atenuar o que classificou de “Cólera Divina”. Estou citando o fato histórico, por coadunar com um posicionamento do secretário do Papa Francisco, o padre Yoannis Gadi, que dias passados mandou uma carta para os párocos de todo o mundo, que é um documento sintomático e que ganha os mesmos contornos das preocupações sacerdotais do século XIX.>
Ele faz um apelo para que todos os sacerdotes abandonem o que classifica como “epidemia do medo” e comecem a agir segundo a lógica de Deus e não segundo a lógica dos homens, chegando a citar episódio atribuído ao apóstolo Pedro que, ao fugir de Roma para escapar dos soldados, teria encontrado Jesus carregando uma cruz nos ombros na direção de Roma, e teria perguntado a Cristo para onde estava indo e este respondeu que voltava a Roma para ser de novo crucificado. Pedro entendeu que tinha de voltar a Roma e enfrentar seu martírio.>
Pois, o secretário pegou a Igreja Católica brasileira de surpresa ao observar que Cristo não apenas cuidou dos seus rebanhos, mas deu a vida por elas. Diz um treco da carta: “Na epidemia do medo que todos estamos enfrentando, por causa da pandemia de corona vírus, todos corremos o risco de nos comportarmos como mercenários e não como pastores”. Ele observa que os sacerdotes têm seguido as instruções civis – o que considera correto e certamente necessário neste momento para evitar o contágio”, mas que se corre o risco de deixar de lado as instruções divinas “o que é um pecado” por terem abandonado as almas amedrontadas pela pandemia.>
O padre Yoannis diz que os pastores estão pensando como homens e não segundo Deus, colocando-se “entre os assustados e não entre os médicos, enfermeiros, voluntários, trabalhadores e pais da família que estão na linha de frente”. Em sua observação é pouco a missa em streaming, vez que as pessoas precisam de conforto espiritual e de se confessar. Ele vaticina que as pessoas irão, por causa da ausência dos pastores no momento crítico, abandonar a Igreja quando a crise passar “porque a Igreja os abandonou quando precisavam”; e que os fiéis devem saber que, a qualquer momento, podem correr e refugiar-se nas igrejas e paróquias e encontrá-las abertas e prontas para os acolher. Ele chega a pedir que os padres visitem as pessoas em casa – claro que usando todas as precauções para evitar o contágio, aplicar todas as medidas necessárias para evitar a doença -, mas que o religioso não se deixe condicionar pelo medo. Sua observação pragmática é de que a Igreja Católica será abandonada ao abandonar. E a carta é cruel quando afirma que pessoas estão entregando pizza em domicílio, mas o padre não leva a comunhão nas residências. Está certou ou errado? Fica a seu critério caro leitor (a). Lembrando que os líderes das maiores potências mundiais pedem o isolamento social.>
Mas, como sempre com coragem, Nosso Senhor do Bonfim, na semana passada, saiu por toda a cidade enfrentando a nova peste. Foram poucas a vezes que ele saiu da Colina Sagrada, e só saiu em épocas difíceis como em 1823 por conta da guerra de Independência da Bahia. Em 1842 quando a Bahia enfrentava seca. 1855 contra a epidemia do Cólera e em 1942 para o fim da 2ª Guerra Mundial.>
Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista. Autor de “Histórias da Bahia – Jeito Baiano” e “Baianidade”. >
Concietos e opiniões expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>