Outros modos de árvore

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  • Kátia Borges

Publicado em 18 de dezembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Quem fala a verdade não precisa de perdão. Melhor então garantir o presente do bom velhinho e fechar este ano sem mentir (muito). A verdade é que essa crônica nasceu a partir de um poema de Natal. Se ela existe e está agora em suas mãos, isto se deve a um convite de Silvana Guimarães, maravilhosa poeta mineira do Brasil.

Foi assim. Primeiro escrevi o poema, que tem o mesmo título, para a edição especial de final de ano da Germina, revista literária independente que Silvana Guimarães criou e edita. Só depois veio essa crônica. Mas, afinal, qual é a ponte entre uma coisa e outra, e onde é que ela vai dar? Tentarei me explicar antes da travessia.

O primeiro passo foi o exercício de pensar a festa natalina, o que me levou a um turbilhão de sentimentos e lembranças, como sói acontecer nesse espaço onde nos encontramos toda semana. A simbologia envolvida no Natal é europeia e comercial, todos sabem. Santa Claus, neve, chaminé, pinheiro, nozes.

Nada a ver com o charque de cada dia, com o calor escaldante, os violeiros de Olinda, nossas mangueiras frondosas ou nossos coqueiros que dão coco. Mas eis que crescemos à sombra de árvores nórdicas, na América do Sul, repletas de penduricalhos, com galhos de arame iluminados por feéricos piscas-piscas coloridos.

Eram esses bizarros artefatos do afeto que nós armávamos com nossos pais, a cada fim de ano, que nós armamos agora com os filhos e netos, que usamos como uma espécie de memória-abrigo da infância idealizada, que erguemos sob as asas duma melancolia indefinida. Mas quero falar mesmo é de outros modos de árvore.

Ao longo do ano, para desespero de nossos pais, íamos retirando das caixas cada um dos itens que enfeitavam o pinheiro e emprestávamos a esses elementos “enfeitatórios” utilidades outras de brinquedo. Porque, para crianças pobres, brinquedo é toda e qualquer coisa capaz de movimentar a imaginação.

Só quem nunca brincou com tampinhas de refrigerante, restos de papelão, e até com perigosas gotas de mercúrio, estranha essa estranheza. Pois bem, cada peça da árvore de Natal se espalhava solta na infância. O corpo de madeira onde se encaixavam os penduricalhos virava o pedestal de imaginário microfone.

Os galhos de arame forjavam árvores, quando não sustentavam de pé improvisadas casinhas de bonecas. Anjos de enfeite as visitavam, trazendo notícias de um longe iluminado por lâmpadas coloridas. E eis aqui a razão escondida de tantas aparecerem queimadas no pisca-pisca, a cada dezembro, misteriosamente.