Pais esperam até 11 anos para conseguir guarda legal de filhos adotados

Justiça promoveu mutirão para dar celeridade aos casos

  • Foto do(a) author(a) Nilson Marinho
  • Nilson Marinho

Publicado em 18 de setembro de 2018 às 17:46

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva

Existia algo dentro da servidora Saraí dos Santos Souza, 52 anos, que lhe dizia que era preciso ter alguém do seu lado. Uma pessoa para que pudesse cultivar um amor incondicional que só as mães conseguem sentir pelos seus filhos. A vontade crescia ao passo que a idade avançava e não restou outra solução a não ser entrar com o processo de adoção que, no caso dela, se arrastou por três anos, até que uma ligação aproximou a servidora da pequena Júlia, à época, com dois anos. 

Na manhã desta terça-feira (18), Saraí estava na sala de espera do 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, na companhia de mais 21 famílias. Todas estavam ali, ao lado de testemunhas e advogados, para pôr um ponto final no processo de adoção e, enfim, ser reconhecidos pela Justiça como verdadeiros pais das crianças que eles se propuseram a educar. 

A servidora chegou à 1° Vara por volta das 8h, para às 9h, participar de um mutirão onde estavam reunidos um juiz, um promotor e uma equipe técnica da Justiça que carregava em mãos documentos que comprovariam que Saraí poderia deixar de ter a guarda provisória de Júlia, hoje com 10 anos, para, enfim, ter o direito pleno sobre ela com a guarda legal assinada pelo magistrado.

Espera  Desde que manifestou interesse em adotar uma criança, dando entrada no processo na 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, até ver pela primeira vez a filha, se passaram três anos. A notícia que seria mãe chegou em uma manhã de 2012, por meio de um telefonema de um servidor da Justiça que, do outro lado da linha, informou a Saraí que uma criança com as mesmas características que ela tinha idealizado como filha, no momento em que preencheu um formulário na 1° Vara, estava disponível para adoção. 

Depois do primeiro contato, bastaram alguns dias para a servidora passar a fazer visitas frequentes à instituição que acolheu a pequena. Também foram necessários poucos meses para Saraí ter a guarda provisória da filha.  Saraí dos Santos Souza, 52 anos, conseguiu a guarda legal de Júlia na manhã desta terça-feira (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Foi uma paixão à primeira vista. Embora estivesse muito tímida, eu senti que ela também havia gostado de mim. Júlia sofreu maus tratos da mãe biológica e teve que ser interna em uma unidade de saúde. De lá, foi encaminhada para o abrigo, onde permaneceu até me encontrar”, conta. 

A servidora demorou três anos na fila de espera até encontrar uma criança, e mais oito anos para regularizar a adoção. Mas, de acordo com o juiz da 1° Vara Walter Ribeiro Costa Júnior, o processo de adoção, diferente do que se imagina, costuma ser rápido, demorando cerca de 30 dias, desde o momento que o solicitante dá entrada com o pedido de adoção até a assinatura do documento pelo magistrado que permite a adoção legal. 

Perfil dos adotados O problema que faz esse processo ser lento, explica o juiz, é que as famílias procuram um perfil de adoção difícil de encontrar na maioria das instituições que acolhem as crianças. 

Quem procura a 1° Vara demonstrando interesse na adoção tem preferência, na maioria dos casos, por uma menina de no máximo três anos, sem doenças crônicas e limitações físicas e mais ainda: sem histórico de parentes que sejam usuários de drogas. 

Todas as características citadas acima estaõ presentes na maioria dos pequenos que são acolhidos pelos abrigos e instituições de Salvador e que chegam por lá depois de serem abandonados nas ruas ou depois que a justiça interfere na guarda, após denúncias de agressões e maus tratos.

Alguns deles, inclusive, são acolhidos junto com irmãos, o que contribui mais ainda para que eles permaneçam lá. Foi assim com a servidora, que tinha preferência por uma menina de no máximo 3 anos e de cor negra, com fenótipos que fossem parecidos com os seus. O juiz da 1° Vara Walter Ribeiro Costa Júnior julgou os processos (Foto: Marina Silva/ CORREIO) “Existe um mito relativo à demora processual, mas o que há, na verdade, é uma mentalidade preconceituosa da sociedade, que quer que a criança tenha um perfil que eles traçam com sendo o ideal. O perfil que nós temos em Salvador é de meninos de cinco a 17 anos, negros, e grupos de irmãos. São, na maioria dos casos, filhos de uma população vítima do crack, quando não, são portadores do vírus HIV e de doenças crônicas”, descreve o magistrado.

Em Salvador, para ser ter uma ideia, existem 26 crianças disponíveis para adoção com necessidades especiais ou portadoras do HIV. Em contrapartida, na fila de espera da 1° Vara, existem 460 famílias habilitados para receber uma criança, mas que preferem ter ao seu lado filhos sem nenhuma dessas condições. 

De acordo com informações do Relatório de Dados Estatístico do Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça, na Bahia, o número de pretendentes é mais de sete vezes maior (1.354) do que o registro de crianças disponíveis para adoção (190). Ou seja, se não fossem as exigências, o cenário da Bahia seria de sete pretendentes para cada criança disponível para ganhar um lar.

Mutirão Todas as 22 famílias que estiveram participando do mutirão já tinham em mãos a guarda provisória dos seus filhos. Muitos, diante da afirmativa do juiz que favorecia os processos, saiam do encontro emocionados. Alguns deles por acabar com uma espera de cerca de 10 anos. 

A professora Sandra Regina Lima, 47 anos, esperou todo esse tempo para que o seu filho, Daniel, 17 anos, tivesse a oportunidade de ter em sua identidade o sobrenome Lima Tavares – o jovem tirará em breve, o sobrenome Castro da sua mãe biológica. 

Ele chegou ao seio da família, ainda recém-nascido, depois de ser abandonado. A princípio, Sandra, que não planejava ser mãe novamente, já que naquela época sua filha tinha 14 anos, logo desenvolveu um carinho pelo pequeno, decidindo acolhê-lo como filho.   A professora Sandra Regina Lima, 47 anos, esperou 10 anos para ter a guarda legal do filho, hoje com 17 anos (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Quando eu peguei ele, pela primeira vez, tinha apenas cinco meses. Hoje, ele completa 17. Eu não planejei nada disso, foi destino, coisa de Deus”, comemora a mãe. A professora demorou um pouco mais até dar entrada no caso porque precisava de uma assinatura da mãe biológica de Daniel manifestando seu desejo de doar o filho. 

A balconista Jaciara Prudência, 49, demorou um ano a mais para formalizar sua adoção. Foram 11 anos até ter em mãos a guarda plena do filho concedida na manhã desta terça. Até então, ela tinha um termo de responsabilidade conseguido na Justiça depois que a mãe biológica decidiu doar a criança, após o parto. Assim como a professora, nada foi planejado. “Esperei muito até chegar esse dia, mas consegui vencer essa barreira. Ele até ficou doente hoje, de nervosismo, por querer ter o nosso nome na sua identidade”, comemora. A balconista Jaciara Prudência, 49, comemorou, ao lado do marido, depois de 11 anos de espera (Foto: Marina Silva/CORREIO) De acordo com a advogada Lize Borges, especialista nesses casos, a demora se dá, muita vezes, porque muitas crianças, antes de estar disponíveis para adoação legal, precisam estar desvinculada da família biológica. O que não aconteceu na maioria dos casos das famílias que participaram do mutirão. Muitas fizeram a adoção informal antes de entrar com o processo na Justiça. 

A advogada aponta ainda que não tem como precisar um tempo médio desde do momento em que os pais dão início no processo legal até a resposta favorável do juíz. 

"Costumo dizer que há casos e casos. Cada um tem suas particularidades e precisa ser analisado de forma particular. Existem alguns prazos legais e  um princípio da duração regular do processo. Estima-se que o caso tenha uma duração regular, mas isso é uma lacuna, um caso subjetivo", explica. 

Passo-a-passo  Para adoção, o interessado deve procurar a 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador e manifestar o interesse no ato, levando consigo os documentos básicos de identificação. 

Os pretendentes passam por um curso preparatório que acontece uma vez por mês, antes de ser feita, no seio familiar, uma avaliação psicológica e social. Depois disso, o caso vai para o Ministério Público, onde o juiz avalia o caso antes do nome entrar na lista de espera de adoção. Já os mutirões acontecem há cada três meses. 

*Sob a supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier