'Pandemia foi a prova de fogo como gestor', diz Neto

Em entrevista ao programa Política & Economia, prefeito avalia os oito anos de gestão e projeta seu futuro e o de Salvador

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 25 de setembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A proposta era falar do futuro. Uma rápida retrospectiva sobre os últimos oito anos, os seis meses de pandemia. Mas, sobretudo olhar para a frente. Os próximos três meses como prefeito, a eleição que se aproxima e outras disputas que viram. “Não foi o último ano dos meus sonhos”, reconhece. Os planos eram  totalmente diferentes para fechar com chaves de ouro este período. Este ano deveria marcar a entrega dos principais projetos realizados ao longo de sete anos. Mas de repente vem uma pandemia e muda tudo. “Foi o meu grande teste como gestor”, reconheceu para mim o prefeito ACM Neto na conversa de ontem no programa Política & Economia, transmitido pelo Instagram do CORREIO. A pandemia provocou uma queda de R$ 300 milhões na arrecadação de Salvador, no momento em que a população mais precisou dos serviços públicos. “Com a organização da Prefeitura, conseguimos manter boa parte dos projetos e continuamos a entregar as obras e ações planejadas, mesmo passando seis meses focados na covid-19”. Confira os principais pontos da entrevista.   

Você falou sobre dois objetivos como prefeito. No primeiro mandato, a ideia era 'arrumar a casa' e no segundo, 'fazer Salvador mudar de nível'. Você conseguiu cumprir esses objetivos?

Eu dizia na convenção do Democratas que as expectativas da cidade em 2012, quando eu era candidato, eram outras porque a realidade era diferente. Nós tínhamos uma cidade desarrumada, uma Prefeitura totalmente endividada e incapaz de cumprir suas obrigações básicas. A cidade estava mal iluminada, esburacada, suja... Tinha perdido o respeito no Brasil e o próprio soteropolitano estava com autoestima comprometida. O primeiro desafio foi arrumar a casa, ajeitar as finanças e este é um dos grandes legados que a gente vai deixar, uma Prefeitura com uma administração organizada e uma cidade que pode andar com suas próprias pernas, pagar todas as suas obrigações e que pode liderar novos e ambiciosos projetos. À medida que o tempo passou, as expectativas mudaram. Hoje ter lixo coletado, ruas asfaltadas e iluminação pública de qualidade se tornou uma conquista, as pessoas não acham mais este um objetivo a ser perseguido. Por isso o desafio do segundo mandato era mais grandioso.

O que foi que deu mais trabalho?

São dificuldades de natureza bem distintas. Quando a casa está desarrumada, qualquer coisa que você faça, imediatamente vai aparecer. A possibilidade de fazer um trabalho de destaque é grande. Até 2013, o sentimento era de falta de liderança. De lá até 2016, a gente mudou isso e as pessoas se acostumaram a ter um prefeito presente, preocupado com os principais problemas. Aí vem o segundo mandato e mudaram as expectativas e as possibilidades de realizações. A Prefeitura passou a ter possibilidade de ser mais ambiciosa, no bom sentido. Era possível almejar coisas muito maiores e grandiosas. Construímos um hospital municipal, um centro de convenções, ter um programa como o Morar Melhor, que já construiu milhares de casas. Nos tornamos a capital que mais avançou em atenção básica, a que mais matriculou crianças na educação básica. Vamos chegar ao final do ano com 80% da iluminação modernizada pelo programa Iluminando o Nosso Bairro. Tocamos diversas obras de infraestrutura e agora lideramos o projeto do BRT. Isso tudo no passado era impensável. Pensamos e fizemos coisas muito maiores, então meu sentimento é do dever cumprido. Se perguntar se está tudo feito, resolvido, vou te dizer que não. Mas quando você olha o filme, a cidade mudou e salta os olhos mesmo dos nossos adversários. 

Tem alguma coisa que você gostaria de ter feito e que destacaria como prioridade para a próxima gestão?

Vou focar essa resposta no tema educação. Fiz muito mais do que esperava mesmo nessa área. Salvador foi uma das capitais que mais avançou no Ideb (índice nacional que mede a aprendizagem no ensino básico). Praticamente reformou ou reconstruiu mais da metade de nossa rede e eu ainda tenho dezenas de escolas para inaugurar até o final do ano. A gente conseguiu mexer muito na base da educação, mas uma das coisas que eu acho que deve ser prioridade para a próxima gestão, para o próximo prefeito, é, já que arrumamos a casa, que a rede está estruturada, agora é preciso pensar ainda mais em termos de qualidade de ensino. Melhoramos, mas acho que é um tema que vai demandar muita atenção do próximo prefeito. Aí vem a lição da pandemia, está claro que a tecnologia precisa ser usada para oferta de serviço público de maneira mais ampla. 

Existe a previsão de algum novo concurso ou convocação de aprovados até o final deste ano?

No ano passado, fizemos um concurso público para 17 carreiras. Era uma outra realidade, anterior à pandemia. Ninguém esperava viver uma crise, ter uma queda de arrecadação tão grande. Já vamos completar R$ 300 milhões de perdas. Se eu não tivesse chegado a essa crise com dinheiro no caixa, com a Prefeitura organizada, poderia ter sido um caos. Fico imaginando se essa situação tivesse acontecido oito anos atrás com a cidade quebrada. Teria sido um desastre. Com a pandemia, aprovou-se no Congresso Nacional que estabeleceu como regra para estados e municípios receberem o apoio para diminuir um pouco as perdas uma limitação na convocação de concursados e contratação de pessoal. Nesta semana, com base em um parecer da Procuradoria Geral do Município (PGM), anunciei a convocação de 98 concursados fora da área da Saúde, porque já tínhamos chamado médicos. No caso da Guarda Municipal, fizemos concurso para 50 vagas e eu chamei os 50. Ainda temos um cadastro de reserva que poderá ser preenchido com o tempo, desde que haja respaldo jurídico. No primeiro momento, tivemos segurança jurídica para chamar 98 profissionais. O meu desejo é que a Prefeitura continue chamando os servidores. Quem fez o concurso, tenha paciência. Na Guarda Civil, 50 guardas não vão resolver o problema. Eu estava disposto a convocar 100 de uma vez só, mas só tive respaldo jurídico para 50. Se houver segurança, eu irei continuar chamado e não tenho dúvidas de que o próximo prefeito aproveitará todos os concursados. 

[Audiência pergunta sobre contratação dos professores]

Nós chamaremos os professores, mas antes disso eu terei um programa de retomada das aulas. Assim que tivermos isso, vamos chamar todas as vagas do concurso para professores. Podem ficar tranquilos, espero não encerrar o ano sem preencher todas as vagas que foram disponibilizadas. Fiquem tranquilo, só não chamei porque aulas estão suspensas. 

Muita gente quer saber sobre os próximos passos da flexibilização. 

(Hoje) Nós vamos falar sobre mais atividades que serão permitidas. Virão notícias sobre atividades mais específicas e notícias gerais de espaços públicos que nós vamos retomar. Tudo está sendo feito com muito cuidado. Vamos ter também um anúncio importante com a Fiocruz, que vai fazer uma grande investigação epidemiológica, que vai nos dar uma noção de quantas pessoas aproximadamente já foi contaminada pelo coronavírus. Muita gente pergunta sobre a volta da educação. Eu estou muito preocupado com isso, mas não dá para darmos um passo em falso. Outros lugares abriram antes da hora e estão pagando um preço muito alto. Quando tivermos segurança, vamos fazer, como fizemos com shoppings, igrejas e praia. Um cuidado que estamos tendo desde o primeiro mês e que vai se repetir enquanto as aulas estiverem suspensas é que estamos dando uma cesta básica por aluno, para compensar a falta da alimentação nas escolas neste período. 

É fundamental para o seu futuro político fazer o seu sucessor?

Eu não acho que a escolha de um prefeito seja vista por uma dimensão pessoal. Se eu te dissesse que é muito importante para o meu futuro político, eu estaria respondendo isso numa dimensão pessoal. Muito mais importante é para o futuro da cidade. Teve uma coisa que eu aprendi nesses oito anos. Construir dá um trabalho enorme, mas para destruir basta estalar o dedo. Salvador viveu há algum tempo uma realidade que ela não quer voltar a viver. Mudamos, mas podemos mudar ainda mais. Quando eu escolhi Bruno Reis (atual vice-prefeito) para ser o meu candidato, fiz isso porque sei que conhece como poucos essa cidade.  A eleição é fundamental para o futuro de Salvador, muito mais do que para o meu futuro político. Eleição municipal é diferente, o eleitor está focado no problema da cidade, da rua onde ele mora, limpeza, saúde, educação, transporte... Essa é a lógica da eleição municipal. Não tem um ente público tão próximo do cidadão quanto a Prefeitura. Qualquer decisão que a gente toma, impacta instantaneamente na vida das pessoas.  

Como foi essa aproximação sua com o governador Rui Costa?

Todo o nosso entendimento foi construído em torno de uma boa relação institucional que precisava existir entre Prefeitura e Governo do Estado neste período. Logo que surgiu esse problema do coronavírus eu procurei o governador e nós convergimos para o entendimento de que era preciso deixar todas as diferenças de lado, baixar as bandeiras políticas e pensar num trabalho conjunto. Isso foi decisivo para o bom desempenho de Salvador e da Bahia, porque recebemos muita gente do interior. Se não tivéssemos nos entendido, teríamos vivido um problema muito mais sério do que vivemos. 

Existe possibilidade disso evoluir para a área política?

É claro que essa boa relação gerou uma convivência maior entre nós. A gente não tinha uma convivência mais próxima. Por força do trabalho, tivemos que fazer reuniões, trocar telefonemas e o relacionamento melhorou muito. Já discutimos questões políticas, mas sem uma agenda. É natural que dois políticos que se respeitam saibam separar o papel político de cada um da relação pessoal. É natural conversar. Fui deputado por 10 anos e até hoje converso com gente de qualquer partido. Eu não barreira com ninguém por ser de direita ou de esquerda. Não existe nenhuma agenda política entre eu e o governador. Agora se num momento futuro houver uma pauta de interesse de ambos no campo político, eu me fecharia? De maneira nenhuma. Isso não quer dizer aliança, não quer dizer que vamos dividir o mesmo palanque. Quer dizer que somos maduros. 

Talvez o problema é que esse movimento de vocês dois ainda seja uma exceção.

Como a gente vive um momento de extremos, dois homens públicos que exercem funções de alta importância, um do PT e outro do Democratas, o fato deles conversarem vira algo de outro mundo. Mas na verdade, isso deveria ser natural. Eu fui eleito para governar para todos. Eu espero que a política brasileira evolua para isso. Se tivéssemos mais gente conversando, buscando com equilíbrio os interesses comuns, as coisas estariam bem melhores. 

Como vai ser o seu 2021?

Eu tinha planos que mudaram inteiramente.  Continuarei como presidente do Democratas, devo ficar na ponte aérea Salvador-Brasília, devo passar pelo menos um dia por semana em Brasília. Vou aproveitar para bater na porta do governo, buscando investimento para as cidades baianas. Aqui, vou ter uma salinha na sede do Democratas na Bahia, onde manterei as minhas conversas com a classe política e o cidadão em geral. Caso a pandemia permita, vou fazer uma agenda de visitas ao interior, procurar reciclar meus conhecimentos sobre o estado da Bahia como um todo. Como deputado, sempre tive bastante relação com o interior, mas nestes últimos anos me concentrei bastante na capital. Quero viajar muito o interior. Vou continuar trabalhando muito. Não sei enxergar minha vida sem trabalhar pelo menos 10 horas por dia. Vai ser um trabalho diferente, vou usar mais as redes sociais para conversar com as pessoas. Vou dedicar muito tempo para minha família. Quero discutir o futuro da Bahia, reunir cabeças para discutir o futuro do estado. É uma caminhada para ser candidato a governador? Não. 

Presidência?

Olha, eu posso ser candidato a governador em 2022? Poderei. Existe a possibilidade. É muito provável que eu dispute algum cargo. Quero trabalhar nos próximos dois anos pensando a Bahia e o Brasil. Qual vai ser a posição no time, o tempo vai se incumbir de nos dizer.