Papa autoriza renúncia e dom Murilo deixa de ser arcebispo de Salvador

Ele será substituído por atual responsável pela arquidiocese de Brasília

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  • Jorge Gauthier

Publicado em 11 de março de 2020 às 08:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO

O sotaque catarinense que desde março de 2011 foi o som do pastoreio da Igreja Católica de Salvador sairá de cena. Nesta quarta-feira (11), dom Murilo Sebastião Ramos Kriger, arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, teve seu pedido de renúncia do cargo aceito pelo papa Francisco e deixará o posto. O comunicado foi divulgado pela Arquidiocese de Salvador, às 8h, após autorização do Vaticano, e encerra o período de nove anos de dom Murilo  no comando da primeira arquidiocese do Brasil. Será o fim de um ciclo pacificador. 

Atualização: 'Saudades de um povo acolhedor', diz dom Murilo após

O religioso havia pedido sua renúncia, em outubro de 2018, quando completou 75 anos - idade estipulada pela igreja para que os arcebispos se aposentem. Hoje, com 76 anos, dom Murilo recebe a concessão da aposentadoria do cargo e passará nos próximos dias o comando da arquidocese para dom Sergio da Rocha,  60, que atualmente era arcebispo de Brasília.  A notícia foi divulgada em primeira mão pelo jornal CORREIO nesta reportagem no site. Pelo posto de cardeal, dom Sergio, fica credenciado a participar do conclave em uma possível sucessão do papa Francisco podendo, inclusive se tornar papa no futuro.

Sergio e Murilo trabalharam juntos na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre 2015 e 2019,  quando foram respectivamente presidente e vice-presidente da entidade.   Dom Murilo deixará o comando da arquidiocese; dom Sergio assumirá (Fotos: Divulgação)  A partir de hoje e até o dia da posse do novo arcebispo, dom Murilo passa a ser o administrador apostólico da Arquidiocese de Salvador.

Catarinense, nascido na cidade de Brusque, dom Murilo chegou em Salvador em 2011, já com 14 anos de experiência na função de arcebispo. Sua primeira Arquidiocese, em Maringá (PR), foi em 1997, aos 53 anos. Cinco anos depois, em 2002, foi transferido para Florianópolis e aos 67 dom Murilo assumiu a Arquidiocese de Salvador. Deixará como legado a empatia com os baianos aliada ao jeito acolhedor, mas também sistemático. Um destaque para sua pontualidade. "Sou um homem que acorda cedo, meu filho", costuma dizer. 

Em nota oficial, dom Murilo deixou mensagem para dom Sergio. "O Senhor Bom Jesus do Bonfim, que com seus braços abertos acolhe todos os que sobem a Colina Sagrada, acolha este irmão que vem para a Bahia! Nossa Senhora da Conceição da Praia, Padroeira deste Estado, interceda por este seu filho! E Santa Dulce dos Pobres seja para o cardeal Dom Sergio um exemplo de como 'amar e servir". Foto: Divulgação Ouça dom Murilo sobre o que representou para ele ter chefiado a primeira Arquidiocese do Brasil:  

Sexto filho de nove irmãos, fez o primeiro e segundo graus  no Seminário de Corupá (SC), na Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus. Em 1964, ingressou nessa congregação e iniciou o curso de Filosofia. Em 1970, foi ordenado padre e começou a trabalhar em Taubaté (SP). Em 1985, foi nomeado bispo auxiliar de Florianópolis, pelo papa João Paulo II e em 1991 assumiu sua primeira diocese, em Ponta Grossa (PR).

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Dados dos últimos levantamentos do IBGE mostram que o número de pessoas que se declaram católicos na Bahia reduziu. Em conversa com o CORREIO sobre o assunto, dom Murilo - sempre no estilo pacificador - fez questão de mostrar que a igreja está em transformação e que ele acompanha esse movimento.

"Na Igreja sempre tivemos consciência de que havia uma época em que qualquer pessoa se declarava católica, mesmo que não participasse de nada. Mais: normalmente, um terço dos que se dizem católicos são praticantes, fiéis; um terço participa ocasionalmente das celebrações, ritos e compromissos católicos; e um terço foi batizado, mas não tem prática religiosa nenhuma. Esse último grupo acaba sentindo atração para alguma outra religião e 'deixa' a Igreja Católica. Nossa resposta só pode ser uma: ajudar o católico a conhecer as riquezas de sua fé, mesmo porque, ninguém ama o que não conhece", destacou.

Dom Murilo assumiu o posto que foi ocupado por dom Geraldo Majella, que ficou no cargo desde 1999. O legado de dom Murilo é o da pacificação. No seu período à frente da arquidiocese coube a ele, por exemplo, a mediação pelo encerramento das greves dos policiais, dos professores, dos rodoviários, etc.

"Tudo o que diz respeito ao ser humano diz respeito à Igreja. Afinal, não fazemos parte de um grupo de anjos que não têm problemas, mas de uma comunidade humana, onde cada um tem suas necessidades e desafios. Acredito que os que me chamaram para ser mediador fizeram porque viram que eu estou acima de grupos e que quero é o bem da comunidade. Talvez, eu surpreenda muitos ao dizer que não é muito difícil o papel de mediador, desde que a gente seja aceito pelos dois lados e que procure unir os contrários. Ser mediador é mostrar que uma solução é boa quando é boa para todos; que não é possível que haja um só vencedor; e que, pelo diálogo, descobrimos que nossas diferenças não são tão grandes quanto pensávamos. Uso muito do meu bom humor, o bom humor que aprendi com meu pai. Nessas horas, precisa de alguém que descontraia", destacou dom Murilo, ao CORREIO, em 2018 quando pediu a renúncia. 

A Diocese de São Salvador da Bahia foi criada no dia  25 de fevereiro de 1551, pela Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, do Papa Júlio III. A 22 de novembro de 1676, pela Bula Inter Pastoralis Officii Curas, do Papa Inocêncio XI, a Diocese de São Salvador da Bahia foi elevada à Arquidiocese e Sede Metropolitana. Atualmente, a Arquidiocese de Salvador é formada por cinco municípios: Itaparica, Lauro de Freitas, Salinas da Margarida, Salvador e Vera Cruz.

Dom Murilo é o 27º arcebispo da arquidiocese e o único a ter no currículo a honraria de ter sido o chefe da igreja no momento mais importante para a história do catolicismo do Brasil: a canonização de Irmã Dulce, a Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa genuninamente brasileira. "Eu nunca imaginei que isso iria acontecer. Quando eu cheguei à Bahia eu tinha certeza que Deus havia reservado para mim uma missão. Me alegra o coração de poder ter estado aqui nesse momento tão importante para a história da nossa igreja", ressaltou dom Murilo, ao CORREIO, em outubro de 2019 quando esteve no Vaticano para a celebração da canonização de Dulce. À época, Maria Rita Lopes Pontes, superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), destacou a relevância de dom Murilo para o processo de canonização de Dulce. Ele, inclusive, é membro do conselho de administração das Osid. "Dom Murilo foi um grande amigo e nos auxiliou em todo processo desde que dom Geraldo (que abriu o processo) deixou o posto. Dom Murilo tem uma luz muito grande", ressaltou Maria Rita. 

Dom Murilo é autor de vários livros, escreve em revistas e jornais e tem programas na televisão e na Rádio Excelsior da Bahia, sempre com o intuito de evangelizar. Dentre as obras publicadas, destacam-se: Shalom: A Paz ao Alcance da Juventude (Loyola); O Primeiro, o Último, o Único Natal (Loyola); Com Maria, a Mãe de Jesus (Paulinas); Um Mês com Maria (Paulinas); Anunciai a Boa Nova (Canção Nova); Dai-lhes vós Mesmos de Comer (CNBB) e Se Eu Tivesse Uma Câmera Digital… (Paulinas).

Na edição do CORREIO de 14 de março de 2001, ao jornalista Jorge Gauthier,  dom Murilo concedeu a primeira entrevista sobre sua chegada à Bahia já dando as diretrizes do que faria. 

"É essencial o diálogo. Entendo o diálogo com uma estrada de duas vias: somos chamados a ouvir o outro, para conhecê-lo e compreendê-lo; e devemos ter oportunidade de apresentar ao outro nossos pontos de vista - naturalmente, esperando também sermos escutados. Poderemos terminar o diálogo sem um consenso; crescerá, porém, o respeito mútuo. Já São Pedro, em seu trabalho missionário, no início do cristianismo, entendeu essa necessidade, quando escreveu: 'Estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir'”. 

À época, além de falar da canonização de Dulce, também demonstrou sua preocupação com a violência. "Convenço-me cada vez mais que grande parte dos problemas que nossa sociedade enfrenta – e a violência é um deles – se deve à falta de algo primordial: a educação. Quando se trata de pessoas carentes, é essencial que tenham uma ajuda especial do Estado e das organizações não-governamentais, pois entendo que pobre é aquele que, sozinho, não consegue sair da situação em que se encontra e, por isso, precisa de mãos amigas", destacou. 

Um homem de fé  Dom Murilo sentiu o chamado à vocação sacerdotal ainda na infância quando, aos 6 anos, viu o irmão mais velho, Marco Aurélio, arrumando a mala para ir ao seminário. Curioso, o pequeno Murilo perguntou: "o que é seminário?". Após a resposta do irmão, ele pensou: "então, se eu for para o seminário, também ganharei uma mala". “Claro que não se tratava de vocação, mas de um sinal que Deus colocava em meu caminho, para despertar em meu coração o interesse pelo sacerdócio”, recorda dom Murilo.

Aos 8 anos passou a ser coroinha na Matriz da Paróquia São Luiz Gonzaga, em Brusque. Era neste templo que o menino ficava impressionado com os padres que celebravam as missas.

Aos 12 anos o jovem Murilo tomou a decisão de ingressar no seminário da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, fundada pelo padre João Dehon, por isso os religiosos são chamados de Dehonianos. Entre 1956 e 1962, Murilo continuou e concluiu os estudos; em 1963 fez o Noviciado no Convento Nossa Senhora de Fátima, em Jaraguá do Sul, Santa Catarina; e em 1964 retornou à cidade natal para iniciar o curso de Filosofia. Foi também neste ano, em 2 de fevereiro, que o então seminarista Murilo fez a primeira profissão religiosa.

Dois anos depois, em 1966, aconteceu a profissão perpétua e, neste mesmo ano, passou a cursar Teologia, em Taubaté, concluindo em 1969. Após este período de formação, aconteceu o momento mais especial: pelas mãos do então arcebispo de Florianópolis, dom Afonso Niehues, o seminarista Murilo recebeu a Ordenação Sacerdotal em 7 de dezembro de 1969, na sua paróquia de origem, São Luiz Gonzaga, em Brusque. Começava ali uma longa caminhada de missão na vida da Igreja.