Parque Pedra de Xangô ficará pronto em seis meses

Local de adoração do povo de santo será ampliado e receberá urbanização em forma de parque

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  • Eduardo Dias

Publicado em 7 de fevereiro de 2020 às 14:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Eduardo Dias/CORREIO

Uma mobilização de estudiosos e adeptos das religiões de matriz africana, visando a preservação do patrimônio cultural e simbolismo religioso, fez com que a prefeitura desenvolvesse, em parceria com a Fundação Mário Leal Ferreira, o projeto de construção do primeiro parque de Salvador a levar o nome de um orixá: o Parque em Rede Pedra de Xangô.

Situado na Avenida Assis Valente, no bairro de Fazenda Grande II, o local teve ordem de serviço assinada nesta sexta-feira (6) e já começou a ser construído. A cerimônia foi comandada pelo prefeito ACM Neto, ao lado do vice-prefeito e secretário de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), Bruno Reis, e lideranças de diversos terreiros de religiões de matriz africana de Salvador.

A Pedra de Xangô é protegida pela Lei de Preservação do Patrimônio Cultural do Município (8.550/2014). Ela foi tombada pela prefeitura em maio de 2017, através da Fundação Cultural Gregório de Matos (FGM), que oficializou o tombamento da pedra em si e da área considerada sítio histórico do antigo Quilombo Buraco do Tatu. Com isso, a Pedra de Xangô se tornou o terceiro monumento protegido pela lei.

Com uma intervenção urbanística numa área de 67.163,06m², o projeto, que tem investimento de R$ 8 milhões e previsão de conclusão em seis meses, prevê a criação da via de monitoramento e o desvio da Avenida Assis Valente, além da implantação de uma zona de amortecimento paisagístico no entorno da pedra.

Dentre os serviços previstos, estão também a execução de obras para urbanização, de terraplanagem, drenagem, pavimentação do sistema viário e implantação de praça, paisagismo, construção de arquibancadas, escadas, pontilhões e vertedouro, além da instalação de equipamentos e mobiliários urbanos. (Foto: Divulgação/Secom) No projeto, a manutenção da vegetação remanescente de Mata Atlântica é prioridade, para reforçar o caráter sagrado do local. Neto fez questão de destacar que, com a construção do parque, a população de Cajazeiras terá à disposição uma nova alternativa de lazer e convivência, que irá aproximar as pessoas da história cultural de Salvador e conscientizar a preservação da natureza.

“A prefeitura se comprometeu a dar todo um tratamento a essa área. E com o parque e o conjunto de intervenções que vamos fazer, traremos a garantia definitiva da preservação desse patrimônio imaterial da cidade. Também vamos oferecer à região de Cajazeiras uma nova alternativa de lazer e de convivência. Esse parque vai aproximar a população do patrimônio natural dessa região”, explicou o prefeito, que fez questão de afirmar que a prefeitura é contra qualquer tipo de preconceito religioso. (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) “É da nossa natureza, da nossa índole combater o preconceito religioso. Salvador é a capital do sincretismo, da mistura das fés, das religiões, da convivência com as diferenças. Temos um governo plural, que dialoga com todas as religiões”, completou Neto.Já Bruno Reis frisou a importância do espaço para o povo de santo. Segundo ele, o parque, que já é reconhecido como patrimônio cultural da cidade, se tornará mais um ponto turístico que transcenderá a questão religiosa e atrairá visitantes e turistas para o local.

"O Parque Pedra de Xangô vai ser mais um patrimônio cultural da cidade. São 70 mil metros quadrados de Mata Atlântica, que servirão também para preservar um dos principais símbolos de religiões de matrizes africanas da nossa cidade. Agora, todo o povo de santo vai ter um local belíssimo para cultuar a sua fé e pedir suas proteções. Será mais um ponto turístico que transcende a questão religiosa e vai atrair milhares de visitantes”, pontuou o secretário.

Uma das lideranças de terreiros que estavam presentes na solenidade era o Ogan Barosi, que destacou que a implantação do Parque Pedra de Xangô trará benefícios incontáveis para a região de Cajazeiras.  

“Hoje demos um pontapé inicial em um sonho que estávamos há um tempo querendo que se realizasse. Graças ao esforço do povo de santo e toda a nossa luta, com apoio da prefeitura, conseguimos concretizar esse sonho, que é a construção do Parque Pedra de Xangô. Ele terá uma grande dimensão para o bairro de Cajazeiras e trará mais visibilidade, emprego, renda, e segurança para a Pedra de Xangô, além de reforçar o turismo na localidade”, contou.   Ogan Barosi participou da cerimônia de assinatura da ordem de serviço para construção do Parque de Xangô (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) Já Maria Alice Silva, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), ficou feliz por ter contribuído para que o parque fosse construído. Segundo ela, seu projeto de pesquisa para o doutorado, serviu como dossiê para o processo de tombamento da Pedra de Xangô e da elaboração do projeto de construção do parque.

“É um dia de muita alegria para mim. Meu projeto de pesquisa saiu da academia e contribuiu para a cidade, não só com o tombamento, que foi o subsidio do dossiê, mas também para a implantação do parque, que levará o nome de um orixá, e será um espaço de lazer, fé, convergência comunitária, política e religiosa para o povo de santo dessa cidade”, disse. Maria Alice cedeu projeto de pesquisa para tombamento e construção do Parque Pedra de Xangô (Foto: Eduardo Dias/CORREIO) Outras intervenções O projeto possui também outros detalhes, como a criação de um espaço destinado para exposições com elementos simbólicos das religiões de matrizes africana e indígena, trilhas a céu aberto e anfiteatro, tudo com o uso de materiais de baixo impacto ambiental e de alto valor ecológico. Também estão previstos auditório, área administrativa, sanitários e estabelecimentos comerciais voltados para o parque. Além disso, o projeto propõe trazer de volta o espelho d’água que circundava a pedra.

As edificações ocuparão uma área de 546,30m², oferecendo espaços para exposições, auditório, área administrativa, sanitários, lanchonete e loja.

Caminhada No domingo (9), a Associação Pássaro das Águas, sob a direção de Mãe Iara de Oxum, realiza a XI Caminhada da Pedra de Xangô, com tema “Intolerância Não, Respeito Sim!”. O evento, que tem o apoio da prefeitura, terá concentração a partir das 7h30, no Campo da Pronaica, em Cajazeiras X. 

A Pedra de Xangô é símbolo de resistência. O monumento era usado por escravos que fugiam das fazendas localizadas na região como esconderijo durante o século XIX.  Antes conhecida como Pedra do Buraco da Onça, ela ficava escondida por um matagal, que favorecia os escravos em sua fuga. Hoje, é considerada sagrada pelos religiosos de matriz africana.

Xangô, um dos principais orixás no panteão africano, é o patrono da justiça. Kaô kabiesilê, sua saudação, em tradução aproximada para o português, significa “o rei quis assim”. Tem como parceira mais constante a orixá Iansã, embora se relacione também com Obá e Oxum. A rocha é sua força da natureza e o machado, seu símbolo.

* Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier