Paulo Leandro: Bitonha, o mártir do Bahia

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  • Paulo Leandro

Publicado em 3 de julho de 2017 às 05:00

- Atualizado há um ano

São 11h10 desta segunda-feira, 3 de julho: 83 anos do suicídio de um dos fundadores do Bahia, Antonio Fernandes da Costa, conhecido por Bitonha. Misturou cianureto de potássio a um copo d’água e bebeu.Morreu Bitonha antes de ver seu Bahia tantas vezes campeão. Embora nascendo vencedor, o clube tinha três anos quando Bitonha tomou veneno. O tricolor deprimiu-se ao ler, no jornal O Imparcial, a notícia de sua prisão por agredir o árbitro Vivaldo Tavares.O jornalista, ao escrever, parece produzir realidade tanto quanto a que tenta revelar. A tragédia de Bitonha coincidiu com os festejos do hoje ignorado Dia do Sportman. O desporto era mais forte que o mercado. Lealdade, aprender com a derrota, não trapacear...O martírio do jogador e sócio de 23 anos ganha em dramaticidade por ocorrer no momento em que os valores do desporto eram reforçados na nossa Data Magna. A coincidência pode ter intensificado a vergonha que sentiu o tricolor. Desportista não podia ser violento.Foi um pênalti para o Vitória que o árbitro mandou repetir por ter visto o goleiro do Bahia saltar à frente da linha de gol. Na segunda vez, a bola vazou a meta tricolor. Na saída de campo, no intervalo para o segundo tempo, Bitonha deu um murro no queixo do juiz.Era um tempo de monstros, destes que o Brasil enfrenta de vez em quando. O golpe de Estado de 1930 havia deposto o presidente eleito e o autoritarismo inundava espaços sociais: vejam como a tirania circula de alto a baixo quando se envenenam as instituições.A voz de prisão a Bitonha, após o jogo, não partiu de autoridade policial: os ânimos haviam serenado. Efeito de prisão ilegal, o suicídio de Bitonha revela que bruscas alterações no jogo do poder atingem não apenas o palácio, mas toda a sociedade embaixo.Por outro viés, suicídios, como o de Bitonha, reativam nos seres pensantes reflexão similar à de Sócrates, ao aceitar tomar cicuta, condenado aos 70 anos, por motivo fútil. Sócrates podia escapar, tinha uma fuga planejada, mas preferiu deixar-se morrer.Preferiu morrer porque acreditava na libertação da alma. Esta decisão de Sócrates de permitir-se abandonar o corpo, imitada por Bitonha em 1934, assinala a capacidade humana de decidir fazer o que quiser da própria vida, até mesmo encerrá-la.Há quem tenha considerado a morte o único tema que importa. Em vez da busca idiotizante de uma felicidade farsesca e provisória, é o aprender a morrer que resta aos vivos. É livre quem decide viver ou não e de que forma vai fazer valer a pena viver.Tão intrigante é a morte que jamais a encontraremos. Quando a morte é, nós não somos; e quando nós somos, a morte não é. A certeza da finitude é condição para a existência humana, mediada por uma sucessão de instantes à qual chamamos ‘tempo’.A restrição do debate sobre suicídio vem de 1744 desde a publicação da história do jovem Werther, por Goethe. Na Bahia, este tabu é do jovem Bitonha. A cada aurora, decidimos, como Bitonha, se queremos viver ou se, enfim, encheu e chegou o dia de dar uma parada.Paulo Leandro é jornalista e prof. Dr. em Cultura e Sociedade.