'Pedi que não atirassem', diz pai de garoto autista morto em perseguição da PRF em Pirajá 

Garoto era autista e estava a caminho da escola; família acusa Polícia Rodoviária Federal

  • Foto do(a) author(a) Tailane Muniz
  • Tailane Muniz

Publicado em 15 de novembro de 2019 às 12:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Natanael de Araújo Conceição tinha 17 anos e torcia para o Bahia. Gostava de jogar bola e passear com a família. Filho único da autônoma Gisele Araújo, 45, estava acompanhado do pai, o tesoureiro Juarez Conceição, 46, quando foi morto por um tiro na cabeça. 

Pai e filho estavam a caminho de uma consulta do garoto, na região da Avenida Gal Costa, na tarde desta quinta-feira (14), quando foram interceptados por um bandido em fuga. Juarez conta que não teve saída e se rendeu. 

O suspeito entrou e ordenou que ele acelerasse. A poucos metros, já no bairro de Pirajá, se deparou com uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que estava em busca do suspeito armado - este havia matado um motorista de carro por aplicativo durante uma tentativa de assalto momentos antes. O corpo de Neidson Brandão da Silva, 41, foi enterrado na tarde de ontem.

Mesmo após implorar que os agentes federais não atirassem, avisou que Natanael estava no carro - pôde ver os tiros atravessarem os vidros do carro e atingirem o caçula, que estava no banco traseiro. O bandido, ainda não identificado pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT), também foi morto na ação.  Pai afirma que pediu que a polícia não atirasse Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO "Por favor, não atirem, meu filho está aqui dentro. A gente não é bandido", lembra o breve diálogo que ensaiou com os policiais. "Mas eu vi que meu filho já estava morto", relatou, na manhã desta sexta-feira (15), pouco antes de enterrar o adolescente, no Cemitério Bosque da Paz.

Questionada pelo CORREIO sobre a acusação da família, a PRF enviou à reportagem, hoje, a mesma declaração publicada na quinta-feira (14) [veja íntegra abaixo].

'Profissionais que não sabem agir' Tudo começou quando o motorista por aplicativo Neidson Brandão conduzia uma mulher em um Cobalt branco pela Rua da Indonésia. Ele foi abordado por um homem armado e acabou assassinado ali mesmo. Um vídeo mostra o momento do assassinato. A passageira conseguiu fugir. 

O suspeito, então, saiu em fuga. De acordo informações no local, os policiais rodoviários perceberam a tentativa de assalto e tentaram deter os criminosos. Na troca de tiros, o bandido bateu o carro do motorista em outros veículos. 

Foi quando encontrou Natanael e o pai, que seguiam para o Instituto Guanabara, em Brotas, onde o garoto realizava sessões com um fonoaudiólogo às terças e quintas."Quando ele apontou a arma para mim, eu levantei as duas mãos e falei que meu filho estava ali. Ele entendeu e apenas mandou eu acelerar. O mesmo fiz com a polícia, mas eles não sabem agir", lamentou Juarez, sob forte comoção.Natanael e o bandido foram socorridos para o Hospital Roberto Santos, onde não resistiram aos ferimentos. Para Juarez, o adolescente já estava morto.  Natanael estava a caminho de sessão com fonoaudiólogo (Foto: Reprodução/Tailane Muniz/CORREIO) 'Garoto alegre' O corpo do adolescente foi velado na casa da família, no bairro de Sussuarana, em Salvador, por quase 16 horas. Já no cemitério, familiares e amigos descreveram Natanael como um jovem alegre e sonhador. Era fanático pelo Bahia, lembra o tio, o motorista Antônio da Silva, 43."Por ironia, ele morreu num dia que tanto gostava, uma quinta-feira. Depois que ele voltava na consulta, a gente ia jogar bola. Gostava muito de futebol, do Bahia, e de jogar", afirma, com uma camisa do tricolor nas mãos.Antônio não se conforma, diz, quando pensa que havia possibilidade de Natanael estar vivo - caso a polícia não tivesse atirado, reforça Antônio. "Eu só questiono o porquê. Por que? Filho único de minha irmã, tão amado, tão querido e esperto". 

Alto, "grandão", mas um menino. A alegria contagiava, garante. "Ele era autista, mas nem sempre aparentava. Frenquentava a escola regular, estava no 9º ano". Neste feriado da Proclamação da República, Natanael viajaria com a mãe e o pai para Salinas da Margarida, onde a família tinha casa de praia.

Mesmo chorando muito, a mãe do jovem permaneceu no enterro até o último momento. Gisele descobriu o autismo do filho logo após o parto. Com três meses de vida, Natanael passou por três cirurgias, relata a avó materna, Heloísa Ferreira dos Santos, 74.

"Ele era um menino tão feliz. Agora, nossa família inteira está destruída. Até quando vão matar nossas crianças, nossos meninos e meninas?", indagou a dona de casa. Em lágrimas, a avó de Natanael disse ainda que a viagem que toda a família faria em abril, para Fortaleza, no Ceará, "não faz mais sentido".

Confira, na íntegra, a nota enviada pela PRF "Por volta das 7h10 [de quinta-feira, 14], quando equipe de policiais rodoviários federais deslocavam da Sede da PRF em Pirajá para iniciar o serviço, se depararam com barulho de tiros nas proximidades, e imediatamente os policiais se deslocaram para verificar a ocorrência.

Ao chegar no local, os policiais viram um homem com uma arma na mão tentando tomar um veículo de um cidadão. Houve troca de tiros com os policiais.

Após o confronto, os policias acionaram a SAMU e fizeram o socorro imediato de uma pessoa que foi atingida e do assaltante, que foram levados para o hospital.

Posteriormente, a equipe de policiais rodoviários federais tomou ciência de que os estampidos ouvidos inicialmente se tratava de uma situação anterior, na qual um homem foi morto a tiros nas proximidades do local onde flagraram a tentativa de assalto".