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Pelos olhos do vampiro: doze anos após Crepúsculo, novo livro movimenta fãs


 

Narrado pelo vampiro Edward, Sol da Meia-Noite, em pré-venda, já está entre os mais vendidos do Brasil

  • Thais Borges

Publicado em 25/07/2020 às 13:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 10:15:04
. Crédito: divulgação

Bella, Edward, Jacob. Alice, Carlisle, Renesmee. Jasper, Rosalie, Emmett, Esme. Se nenhum desses nomes faz sentido para você, provavelmente é um sinal de que passou incólume pelo fim da primeira década dos anos 2000. Mas, se essa leitura lhe trouxe memórias de imediato, é porque, seja por amor, seja por ódio, você deve ter sido “mordido” por um dos maiores fenômenos literários e cinematográficos dos últimos anos. 

Agora, 12 anos após a publicação do primeiro livro no Brasil, os vampiros da Saga Crepúsculo estão de volta. Se a chegada de Amanhecer - Parte 2 aos cinemas, em 2012, parecia ser o fim do frisson causado pela trama de Stephenie Meyer, a autora surpreendeu fãs em maio, ao anunciar mais um livro da saga: Sol da Meia-Noite (Intrínseca, R$ 59,90), que será lançado mundialmente no próximo dia 4. 

Dessa vez, a protagonista Bella Swan - a humana da história - sairá de cena, ao  menos enquanto narradora oficial dos acontecimentos da série. Em seu lugar, virá o vampiro: o livro é a versão do romance pelos olhos do outro lado do casal, Edward Cullen. A poucos dias do lançamento oficial, a nova publicação já deu alguns indícios de que a saga que vendeu 160 milhões de cópias no mundo - seis milhões no Brasil - ainda tem força. Mesmo na pré-venda, Sol da Meia-Noite já é o quinto livro mais vendido no Brasil na Amazon, entre todos os gêneros. 

As buscas pelo livro cresceram. De acordo com dados do Google Trends, foram 500% maiores em 2020 do que no ano passado. O pico das consultas foi em maio, mês do anúncio, quando houve um aumento de procura de 1.600%, em comparação a 2019. 

A demanda tem uma explicação: Sol da Meia-Noite é mais do que um novo livro da Saga Crepúsculo. Talvez seja o mais esperado de todos eles. Isso se deve não apenas ao fato de que contaria mais da história do vampiro Edward e da família Cullen mas também porque, em 2008, rascunhos de alguns capítulos do chamado Midnight Sun - nome original - caíram ilegalmente na internet.  Com 736 páginas, lançamento mundial de Sol da Meia-Noite será no próximo dia 4 (Foto: Reprodução) Quarentena Na época, Stephenie Meyer chegou a pedir que os fãs não lessem uma versão “incompleta e cheia de erros” e abortou o projeto por tempo indeterminado. Por isso, quando anunciou o lançamento em março, disse que trabalhar em um livro por tanto tempo foi uma experiência estranha. “Não sou a mesma pessoa que eu era. Meus filhos cresceram. Minhas costas ficaram estranhas. O mundo é um lugar diferente”, refletiu. 

De certa forma, foi a quarentena fez com que ela decidisse lançar o livro agora. Em seu site oficial, Meyer escreveu uma carta aos fãs em que dizia que inicialmente pretendia esperar que o mundo voltasse ao normal para o lançamento - que normalmente envolve turnês de autógrafos e encontros com fãs. No entanto, desistiu quando percebeu que não havia nenhuma previsão de quando isso deveria acontecer. E, segundo ela, os fãs já esperaram “demais”. "Não sei como todos estão lidando, mas, atualmente, os livros são meu consolo e minha válvula de escape. Pessoalmente, ficaria satisfeita se um de meus escritores favoritos anunciasse algo novo. Por isso, espero que esse anúncio dê a vocês algum prazer e alguma diversão para esperar", explicou Meyer. Na quarentena, de fato, o interesse dos brasileiros pelos personagens dela parece ter aumentado. Segundo o Google Trends, as consultas por ‘A Saga Crepúsculo’, que vinham em queda nos dois primeiros meses do ano, começaram a crescer justamente na segunda quinzena de março, quando a maioria das cidades brasileiras implantou medidas de distanciamento social. De lá para cá, em média, a procura tem sido 71% maior do que em 2019.  No livro, o vampiro Edward passará a ser o narrador, ao invés da humana Bella (Foto: Divulgação) Mas Stephenie Meyer não foi a única que decidiu lançar um livro quando mais pessoas estavam em casa. A pandemia provocou um movimento semelhante em outras sagas de sucesso. A autora de Jogos Vorazes, outro sucesso literário que foi para os cinemas, fez a mesma coisa. 

Em maio, Suzanne Collins lançou mais um livro da série, dez anos depois de A Esperança, o último da então trilogia, ter sido publicado. No entanto, ao contrário de Sol da Meia Noite, A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, que chegou ao Brasil em junho, se passa décadas antes da história original. 

Simultâneo A Intrínseca, que publica os livros de Meyer no Brasil, reconhece que a saga Crepúsculo marcou muitos jovens brasileiros, que estabeleceram uma relação afetiva com os personagens. “Imaginávamos que Sol da Meia-Noite teria grande repercussão, por ser um livro aguardado há mais de uma década, mas mesmo assim foi bem além da esperada. Esse fandom, que foi um dos primeiros, segue firme e forte”, diz a editora do departamento focado nos públicos infantil e jovem da Intrínseca, Suelen Lopes. Por ser um lançamento simultâneo, o processo foi diferente. Como tudo que envolve Sol da Meia-Noite é sigiloso, a editora nem mesmo recebeu o manuscrito com antecedência, segundo Suelen. “Na Intrínseca, costumamos produzir alguns títulos para lançamentos mundiais, mas Sol da Meia-Noite foi bastante singular, por conta do tamanho do livro, do tempo de produção (cerca de 45 dias) e por estarmos vivendo uma pandemia”, explica. 

Só para dar uma ideia, o novo livro virá com 736 páginas. O primeiro Crepúsculo, em sua terceira edição, tinha 290. Agora, haverá uma campanha de marketing que inclui o relançamento do box com os quatro primeiros livros e suas capas originais, além de um brinde para quem comprou Sol da Meia-Noite na pré-venda (pôster e postal com mensagem da autora para o público brasileiro). A editora também organiza um sorteio para um fã participar de uma videochamada com Stephenie Meyer. “Temos uma expectativa bem positiva para Sol da Meia-Noite. A tiragem inicial foi acima da média dos lançamentos em geral e nosso desejo é que o novo livro agrade os fãs, claro, mas também possa ser uma porta de entrada para novos leitores, que ainda não conhecem a saga”, adianta Suelen.No fim dos anos 2010, Crepúsculo provocou outro movimento curioso: a explosão de livros de vampiros. Cada editora buscava um sucesso para chamar de seu - foi quando foram lançados alguns como Academia de Vampiros (Agir), de Richelle Mead, e House of Night (Novo Século). Outras, como a Record, buscaram relançamentos, como Diários do Vampiro, de L. J. Smith, publicada originalmente em 1991. 

Mesmo os clássicos (não necessariamente vampirescos), de alguma maneira, conseguiam abocanhar parte desses novos leitores. Escrito em 1837 pela inglesa Emily Brontë, O Morro dos Ventos Uivantes chegou a ganhar uma edição especial, pela editora Lua de Papel, que vinha com uma chamada peculiar na capa: “O livro favorito de Bella e Edward da série Crepúsculo”.  No auge de Crepúsculo, edição de O Morro dos Ventos Uivantes vinha com chamada sobre a saga de vampiros (Foto: Reprodução) “A saga fez com que muitos jovens desenvolvessem o hábito da leitura, mostrou que essa atividade podia ser prazerosa. Por isso, séries como Crepúsculo, Harry Potter, Percy Jackson e tantas outras impactaram positivamente a vida de muitas pessoas e foram responsáveis pela formação desse público leitor, que agora já é adulto”, completa Suelen. 

Literatura Uma dessas fãs foi justamente a pesquisadora Gisele Moreira, 27 anos. Hoje mestre em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), ela acredita que ter lido os livros de Meyer na adolescência fez com que voltasse às leituras por prazer. 

“Crepúsculo me trouxe de volta para a literatura. Eu estava vivendo uma época muito complicada na vida, com uns 15, 16 anos, e aquela preocupação de vestibular, lendo apenas os livros do vestibular. A gente sabe que é uma literatura mais popular, mas estava levando as pessoas também a lerem outras coisas, inclusive, li O Morro dos Ventos Uivantes ali”, conta. 

Para ela, muito do engajamento gerado pela saga vem justamente da mitologia do vampiro, que inclui desde a sedução até a ameaça.“Crepúsculo é um romance. E o gênero romance, como um todo, desde os séculos 18 e 19, enfrenta preconceitos. Foi um gênero criado para que a nova burguesia da época tivesse instrução. O acesso à literatura que esse pessoal tinha era pelos romances. Esse preconceito que a gente vê ainda hoje com os romances é resquício disso”, explica Gisele. Já a estudante de psicologia Franciele Luz, 21, se apaixonou pela história depois de ter visto os filmes. Tinha 10 anos quando assistiu ao primeiro e começou a ler os livros com 13. “Foi paixão à primeira vista. Pode falar que é ruim, porque eu sou apaixonada. Até hoje, todo ano, eu faço maratona de Crepúsculo. Nessa quarentena, fiz umas duas ou três vezes”, conta. 

Na escola, discutia com as amigas não apenas sobre os livros, mas as notícias sobre os atores que interpretavam os personagens no cinema - Robert Pattinson e Kristen Stewart, que davam vida a Edward e Bella, respectivamente, e chegaram a ser um casal. Em casa, fazia postagens no Tumblr, rede social que estava no auge no mesmo período.  Livros e filmes mostraram triângulo amoroso entre vampiro, lobisomem e humana (Foto: Divulgação) Ainda que seu personagem preferido seja o lobo Jacob, rival do narrador da vez, Franciele diz estar ansiosa pelo novo livro.“Vai ser muito interessante saber o ponto de vista de uma pessoa que é muito misteriosa. Ele (Edward) não fala muito. Ele só faz”. A nostalgia, acredita, tem trazido uma sensação confortável diante das angústias da pandemia. “Ter um ponto de vista novo de uma história que todo mundo ama dá um quentinho no coração”, afirma. 

Para a fisioterapeuta Layla Cupertino, 28, Sol da Meia-Noite é muito esperado justamente porque os  capítulos que caíram na internet tiveram uma boa repercussão. Foi uma pequena mostra do que estaria por vir. 

"E acho que também por ser na visão de Edward, que era a paixão adolescente de praticamente toda leitora da saga. Até então, tudo era sobre a visão de Bella, enquanto Edward sempre foi muito discreto e misterioso. Estou bem saudosa com essa leitura que a quarentena irá me proporcionar", diz.

Ela era o que se chamava de 'twi-hard' - os fãs mais apaixonados pelos livros. Lia os livros em inglês, antes de serem lançados no Brasil; acompanhava fanfics; comprava edições de colecionador, bottons e posters e foi a todas as pré-estreias, desde Lua Nova, sempre à meia-noite.  Tido como 'misterioso' por alguns fãs, o vampiro Edward (Robert Pattinson) foi transformado durante a epidemia da gripe espanhola (Foto: Divulgação) Dessa vez, porém, embora pretenda comprar o novo livro, ela ainda  não se rendeu à pré-venda."Não sou a mesma de 12 anos atrás, então não tenho tanta pressa porque sei que lerei em tempo. Também achei o valor salgado, porque sou uma jovem adulta que paga contas e tem que ir com calma. Mas, assim que estiver disponível, comprarei", explica. A nostalgia também é um dos principais motivos para que ela continue tendo interesse nas aventuras escritas por Meyer. "É um sentimento gostoso de se ter e, só de estar falando sobre, meu coração aquece, por tanto que essa saga me proporcionou. Não por ela em si, mas pelos sentimentos de leveza e amizade que ganhei com ela. Mas acho que vai ser uma coisa de nicho, porque não sei se os adolescentes de hoje se interessariam pela história de Crepúsculo".

 Segmento A expectativa da pesquisadora Cleusa Almeida, doutora em Ciências da Comunicação e professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), também é de que o movimento agora seja de retorno dos fãs da época, mas, ainda assim, de forma segmentada.  Livro deve explorar histórias do clã Cullen (Foto: Reprodução) "Hoje, eles estão crescidos, mas intensificaram muito a questão de grupos e de identidade com alguns personagens", explica ela, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o processo de reconstrução de sentidos na saga. Ao longo do mestrado, ela acompanhou dois grupos focais - um em escola pública, outro em escola particular - chegando até a ir em pré-estreias com os adolescentes. 

"Percebemos que existia essa volta à leitura e também a questão do idioma, porque despertava sobretudo a adesão ao inglês. No site oficial, você poderia ser um reescritor de cenas, mas teria que ser em inglês. E a terceira coisa que identifiquei foi que eles começaram a escrever, mudar partes da história e reescrever", afirma. 

Para a professora, Crepúsculo, assim como sagas como Harry Potter e Jogos Vorazes, continuam tendo apelo. "Acredito que esses fenômenos, de alguma forma, continuam marcando nosso tempo, nossas buscas e leituras", argumenta.