'Pensei que seria meu fim', diz motorista de app confundido por traficantes

Condutores sofrem com abordagens de bandidos e policiais; são 50 por dia

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  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de janeiro de 2018 às 17:07

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Motorista de Uber abordado por bandidos durante uma corrida no Subúrbio (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ele nunca viu tanta arma. “Vieram para cima de mim com pistolas e revólveres como se eu fosse um policial ou bandido rival. Pensei que ali seria o meu fim”, contou um motorista do Uber, depois de ter sido abordado por mais de cinco homens que apontaram armas em direção ao seu carro ao chegar para buscar uma passageira na Prainha do Lobato, no Subúrbio. A região é uma das mais perigosas de Salvador, segundo os condutores. 

E a situação não foi fato isolado. Por dia, 50 motoristas de aplicativos são abordados ao serem confundidos ou por policiais em carros descaracterizados ou por traficantes, que supõem que eles são membros de quadrilhas rivais.

O número é do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), divulgado após a morte do motorista de Uber José Henrique Pedreira Alves, 24 anos, baleado no bairro de Ilha Amarela, no Subúrbio Ferroviário, na noite de sábado (6). O crime aconteceu depois que Henrique saiu da casa da sogra, em Itapuã, para ir trabalhar.

O relato do fato acima é de um motorista de Uber que atualmente pensa em abandonar o trabalho. E não é para menos. Há uma semana, mesmo sabendo de todos os riscos que a categoria está sujeita, e com os alertas de outros motoristas de aplicativos em relação aos locais considerados inseguros na capital, ele aceitou uma corrida e foi buscar uma passageira na Prainha do Lobato, um dos locais considerados de alto risco pelos motoristas de aplicativos.

Ao chegar no local, por volta das 21h, a surpresa. “Disseram: ‘Bora, desce! Desce senão vai morrer’”, contou o motorista. Ele não sabia, mas o endereço da passageira era próximo a uma boca de fumo. Para sua sorte, a moradora que pediu o aplicativo saiu de casa gritando: “É Uber, é Uber!”. Foi quando os traficantes da área baixaram as armas e um deles disse.“Da próxima vez que entrar aqui, 'transforme' três vezes e acenda a luz interna, caso contrário você vai morrer. (...) Eles me confundiram com a polícia ou pensaram que era bandido de outra área”, lembrou.Situação semelhante aconteceu com outro motorista do Uber, desta vez no bairro de Fazenda Coutos, outra área tida como perigosa para quem faz transporte de passageiros por app. Ele relatou que na quinta-feira passada, por volta das 20h, chegou ao local indicado pelo aplicativo com os vidros abaixados. 

“Nunca fui assaltado, mas devido ao relato de colegas, adotei medidas de segurança”, disse ele, que colocou na área externa do teto do carro duas lâmpadas de led. “Isso para clarear melhor e para que quem estiver do lado de fora tenha uma visão com mais nitidez da parte interna do carro”, contou. 

Mas esses cuidados não o livraram de uma abordagem assustadora. “De repente meu carro foi cercado por uns quatro homens. Entrei em pânico. Mas um deles, não sei como me identificou, e um gritou: ‘É Uber, é Uber! Deixa ele’. Ainda assim, eles vistoriaram o meu carro, olhando tudo por dentro. Depois ordenaram que manobrasse e voltasse numa rua muito apertada e voltei com medo”, relatou.

Placa diferenciada e câmeras Segundo o Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), a entidade recebe por dia uma média de 70 reclamações da categoria – das quais 50 estão relacionadas ao fato de serem confundidos por policiais descaracterizadas ou bandidos rivais, 15 referentes a assaltos e 5 associadas a desentendimento com passageiros.“A categoria não aguenta mais essa situação. Para evitar que esse problema minimize, precisamos uma sinalização no veículo indicando que o condutor do veículo é um motorista de aplicativo, que está ali trabalhando para garantir o sustento de uma família. Isso vai evitar, e muito, que o veículo não seja confundido com carros despadronizados da polícia, já que circulam em várias áreas dominadas pelo tráfico, e também de grupos rivais do tráfico”, declarou Átila Santana, presidente do Simactter.Ele apontou outros pontos em relação à insegurança da categoria, sugerindo a instalação de câmeras nos carros. “O sindicato consultou uma empresa especializada em vídeo monitoramento e cobrou R$ 150 para instalação de câmera de áudio e vídeo em cada carro. A nossa proposta é que parte desse custo seja subsidiado pelas empresas e a outra parte a categoria arcaria”, afirmou Átila. A ideia incluiu uma central de monitoramento, “que seria custeada e mantida pelas empresas do setor”.

O sindicato quer que as empresas sejam mais transparentes em relação à identificação dos passageiros. “Queremos ser informados não só do primeiro nome do passageiro, mas também foto, comprovante de residência, antecedentes criminais de quem pede o serviço. É uma segurança a mais para uma atividade de tanto risco”, declarou o sindicalista.

Átila pontuou ainda o fato da penalidade de motoristas que se recusam a ir para locais tidos pela categoria como de alto risco. “Se a gente recusar, sofremos o risco de sermos penalizados com a exclusão da plataforma”, declarou.

Outro lado Em conversa como o CORREIO, o gerente de segurança da Uber, Márcio De Meo, falou sobre as reivindicações do Simactter. O primeiro ponto abordado foi o fato da sinalização dos veículos identificando que o condutor é um motorista de aplicativo.  “As camadas de segurança são as informações do aplicativo: modelo, placa do veículo, foto do motorista. A questão de identificação pode gerar outros problemas. Logo na implementação do aplicativo no país, houve uma série de conflitos com taxistas no Brasil, inclusive em Salvador. Não tem pouco tempo que a prefeitura de Curitiba (PR) determinou a identificação dos motoristas de aplicativos e agora a maioria teme sair com medo de represálias”, declarou.

Em relação à instalação de câmeras, Márcio De Meo disse que há um impedimento legal. “Por uma questão de privacidade, no Brasil, não podemos filmar as pessoas sem o consentimento delas. É uma questão de legislação do Marco Civil da Internet [lei que regula o uso da Internet no país]. Além disso, tem o ponto de vista de que é inviável monitorar 500 mil carros no país. É de volume de dados que não se consegue gerar”, pontuou o gerente de segurança da Uber.

Sobre o fato das empresas serem mais transparentes para informar aos motoristas de aplicativos dados dos clientes, como foto, endereço e até antecedentes criminais, Márcio De Meo afirma que “todas as informações necessárias do passageiro estão na plataforma”. “O fato de não informar endereço e foto do usuário, por exemplo, é uma forma de garantir a segurança do próprio usuário”, complementou.

Já sobre o fato de os motoristas serem penalizados por recusar viagens em locais perigosos, o gerente de segurança da Uber negou. “Ninguém é excluído do aplicativo por recusar corrida. São desligados por outros motivos, como agressão, por exemplo. Qualquer situação de risco, basta o motorista sinalizar e ele não será penalizado se cancelar uma corrida”, concluiu De Meo.