Perda com ‘gatos’ e vazamentos abasteceria Salvador por até 15 meses

Entre o volume de água produzido pela Embasa e a quantidade que passa pelas torneiras, 249,4 milhões de m³ se perdem.

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  • Alexandro Mota

Publicado em 22 de março de 2015 às 08:20

- Atualizado há um ano

A conta não fecha: entre o volume de água produzido pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) e a quantidade que passa pelas torneiras das casas baianas  que têm autorização para utilizar o serviço da companhia existem, em um ano,  249,4 milhões de m³ de água que se perdem. Com esse volume, seria possível abastecer Salvador e Região Metropolitana por  cerca de 15 meses, seguindo o padrão de consumo de 2014, quando foram faturados 196,8 milhões de m³. O valor é uma média do percentual perdido pela empresa entre os anos de 2009 e 2013. Nessa conta estão incluídas perdas com vazamentos e com os chamados ‘gatos’ (ligações clandestinas).A companhia ainda está processando os dados do ano passado, mas antecipou que, embora tenha ocorrido no ano anterior a primeira redução em três anos  no índice que chama de “perda por ligação”, o volume de água desperdiçado ainda é grande: no ano passado, para cada uma das mais de 3 milhões de ligações que a Embasa mantém no estado, se perderam, em média, 275,1 litros de água por dia. A Embasa é a empresa responsável pelo abastecimento de 364 dos 417 municípios baianos. São consideradas perdidas as águas que a companhia tratou, disponibilizou para o fornecimento do consumidor final, mas que não gerou receita (não foi cobrada pela companhia) porque acabou se perdendo em vazamentos, foi usada para limpeza de equipamentos do sistema, ligações clandestinas, ou que não foi cobrada por algum erro ou manipulação da medição.Foto: Editoria de Arte/Correio Você pode pensar: mas se alguém usou essa água irregularmente, mesmo que não tenha pago, ela não foi desperdiçada. Para o superintendente de abastecimento de água de Salvador e RMS da Embasa, José Moreira, não é bem assim. “A média de consumo das residências de Salvador é de 13,6 mil litros. A média dos locais com fraude é de 36 mil, a estimativa. Quem pensa que está tendo vantagem não tem um consumo consciente, gasta além do que precisa”, diz.RANKING Para o Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) de proteção dos recursos hídricos e saneamento, a redução nos índices de perdas é  considerada pequena nas principais cidades brasileiras. A entidade criou um ranking com base nos últimos indicadores (2011 e 2012) divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. Segundo a lista, que incluí as 100 maiores cidades brasileiras (com mais de 250 mil habitantes), Salvador se encontra na posição 34 (considerando índices de abastecimento e de saneamento, além dos de perda).A posição da capital baiana especificamente em relação às perdas na distribuição teve indicador de 48,70% de perda - o que deixa a cidade na segunda faixa de classificação entre as que mais perdem (o ideal, para o instituto, seria de 15%).  Esse indicador mede o nível de perdas no município, em porcentagem da água produzida. Apesar da situação da capital, está na Bahia a cidade brasileira com  menor perda na distribuição: -1,35% foi o índice de Vitória da Conquista.Relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Água e Saneamento, Leo Heller, que esteve em Salvador esta semana para uma palestra organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água (Sindae), defende que não só o consumidor tem que ser punido com multas, mas que as companhias também precisam se readequar para reduzir as perdas. “O que se ganha crescendo o sistema e indo buscar uma barragem mais longe é algo que poderia ser feito com a redução das perdas”, aponta ele.Especialista no assunto,  o professor das faculdades de Engenharia e Medicina da Universidade Federal da Bahia Luiz Roberto Moraes defende  mudar a lógica de ampliação do sistema pela de melhoria da eficiência do que já temos.  “Esses indicadores mostram que a redução das perdas não é uma prioridade. Se Salvador reduzisse esses indicadores, não precisaríamos, por muito tempo, buscar outro manancial, fazer outras barragens. Acontece que a lógica capitalista dos fabricantes de tubos, das empreiteiras, querem e pressionam por novas construções”, critica Moraes. Ele cita que países como o Japão e a Holanda têm perdas menores do que 10% do volume de água captada. A Austrália também é uma referência em baixo desperdício, com 16% de perda. Moraes reforça a necessidade das companhias serem aliadas do Ministério Público e da polícia para garantir a fiscalização e o cumprimento das leis. O pesquisador defende a ampliação da atuação do poder público. “Quando se fala em economia de água, a cobrança logo recai sobre o consumidor. Claro que isso é importante, mas é bom destacar que apenas 9% de toda a água doce é utilizada para o consumo humano. Ou seja, é preciso políticas públicas para se cobrar melhorias em outros setores como a agricultura e a indústria”, comenta.  MOTIVOS  As empresas classificam as perdas como “aparentes”, como as de consumo clandestino, e “reais” ou “físicas”, grupo em que se encontram os vazamentos das tubulações e adutoras. Segundo Moreira, a estimativa na Bahia é que os gatos correspondam a 70% desse prejuízo. Em 2014, foram estimados prejuízos de R$ 121,7 milhões. O representante da Embasa  reconhece que há dificuldade na troca de tubulações antigas, que por causa do desgaste do tempo facilitam a perda de água. Essa complicação é basicamente por serem obras com intervenções longas e impactos principalmente no trânsito. “Temos tubulações antigas, novas e de meia-idade. A Avenida Sete e a Rua Chile, por exemplo, são antigas, têm cerca de 50 anos as tubulações. É difícil fazer uma obra naquela região, por isso aguardamos a oportunidade de outras obras para fazer a substituição, como na Barra. Aproveitamos a requalificação e hoje a tubulação lá é a mais moderna”, explica.Moreira, no entanto, atribui à topografia da cidade os principais problemas de vazamento de água, que se agravam com o crescimento desordenado e sem planejamento da cidade.