Perder o medo de perder

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Publicado em 16 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Estou indo embora de São Paulo para Salvador. Está decidido e com data marcada. Você que tem acompanhado a coluna PATERNIDADES já sabe da minha aventura de ir e vir semanalmente de lá para cá. Nos primeiros 4 textos, me deixei ser abraçado pelo tempo e busquei traduzir como ele afeta a mim, tudo e todos ao meu redor. Cada palavra que escrevi é o reflexo das minhas percepções em relação ao que vivo. Principalmente no contexto do pai que luta bravamente para ser uma boa referência para o filho ou tenta, pelo menos, não atrapalhar o processo evolutivo do pequeno.

Bento fez 3 anos há pouco e, destes, quase metade vivi em outra cidade, voltando pra casa só aos finais de semana. Ele morou em lugares diferentes nesse período. E foi em Florianópolis, quando ele tinha 1 ano, que tivemos que colocá-lo na escolinha pela primeira vez. Eu não queria que ele fosse pra escola antes dos 3 ou 4 anos. Mas não tínhamos opção. A esposa estava retomando a carreira executiva e minha rotina já estava dividida entre São Paulo e Floripa. Ele era tão pequenininho. Não falava quase nada ainda. Tão indefeso. A escola tinha uma estrutura dos sonhos. Mas meu coração estava na mão. Não era aquilo que eu havia sonhado pra ele. Sei que pode parecer muito dramático da minha parte. Afinal, nada mais normal do que iniciar a vida escolar cada vez mais cedo nesta vida corrida de hoje em dia, certo?

Mas meu sonho era poder deixar meu filho em casa por tempo suficiente até que todos os seus anticorpos estivessem maduros. Pai de primeira viagem, sabe como é. Mas a vida não é necessariamente como imaginamos. Eu estava encarando aquilo como uma derrota pessoal. Quando eu tinha meus vinte anos e a cabeça nas nuvens, imaginei que quando chegasse aos 30 e poucos já estaria com a  super vida estabilizada e cheia de tempo livre. “Aquele” sucesso do cinema e dos livros. Estabilizado do tipo: trabalhar menos pra poder dedicar tempo de qualidade à família. Mas não foi assim. Eu venci muitas lutas, mas minha imaginação juvenil foi além da realidade executada em minha "adultez" arrogante. Parecia que o tempo estava esfregando na minha cara que “não, eu não era o Senhor da minha própria existência”.

Lembro-me perfeitamente do sentimento que me sufocou no primeiro dia de aula do Bento em Florianópolis. Eu tinha acabado de pousar no aeroporto de Guarulhos. Era início do inverno de 2018 em São Paulo. Peguei minha mala, chamei o Uber e parti pro trabalho. Fazia muito frio. Trânsito todo engarrafado. Eu ia sonolento no carro e as primeiras fotos do meu pequeno na escola, todo uniformizado, começaram a chegar. Chorei dolorosamente em silêncio naquele instante. Foram alguns minutos de choro resignado. Eu não estava presente no primeiro dia de aula do meu 1º filho. Eu não conseguia acreditar. Eu estava frustrado comigo mesmo. Derrotado. Trabalhar naquele dia não foi fácil.

Você também é do tipo que sonha acordado desde sempre? Talvez você tenha um perfil mais cético e frio. Daqueles que vai vivendo sem muita expectativa de vencer ou perder. Só vai. Eu conheço pessoas assim. É um exemplar de ser humano interessante. Consigo admirar. Mas simplesmente não consigo ser da mesma forma. Tenho 37 anos. Os 40 estão batendo à porta e eu já estou preparando a festa para sua chegada. Sou uma pessoa extremamente competitiva. Vencer nunca foi uma segunda opção para mim. E por muitos imaturos anos acabei encarando as derrotas como algo quase maldito. Como se eu fosse um cara infalível. Meu Deus, quanto tempo eu perdi com esse pensamento. Mas agora tenho parado pra observar o fluir da vida até aqui e a verdade é que no fim, vencer ou perder não deveria ser algo que norteia os nossos sentimentos, e muito menos, a nossa visão de mundo.

Em nome da vitória, acabamos deixando de desfrutar de muitas oportunidades durante a trajetória. Tudo isso por um simples, mas jamais confessado sentimento: o medo. A verdade é que nossa obrigação de ser um vencedor nos torna medrosos, assombrados pelo fantasma da derrota e seus efeitos colaterais. E quando passamos por dentro dela, perdemos a oportunidade de absorver aprendizados capazes de nos tornar muito mais que meros vencedores superficiais. A escuridão do vale da derrota pode resultar em pessoas mais fortes, sensíveis, simpáticas e principalmente misericordiosas. Só quem bebe o cálice amargo de uma noite de choro por falhar, consegue abraçar com verdade e acolhimento aqueles que caem em si e descobrem não ser invencíveis.

Tenho certeza que perdi muito mais que ganhei ao longo da caminhada. E me arrependo profundamente pelo tempo que demorei para abraçar a derrota e perder o medo da tristeza que ela carrega entre as notas da sua melodia. Eu seria uma pessoa tão mais amorosa hoje em dia. Já teria abandonado preconceitos que mais me separam do que me conectam com as pessoas. Uma pessoa melhor: é isso que eu seria. O medo nos tira o gingado. A malemolência necessária para encarar a batalha que é viver todo dia tendo que “matar um leão para sobreviver”. Por sinal, eis aí um ditado infeliz que repetimos com o peito cheio, sem pensar nas consequências. Nem todo dia conseguiremos vencer. E tudo bem. Vencer não é sinônimo de alegria. Nem perder, de tristeza. E mesmo que ao perder a tristeza entre na sua casa, é preciso coragem e cabeça erguida, com os olhos firmes para enxergar a sabedoria escondida nos detalhes da névoa de melancolia.

Segunda-feira passada foi um dia especial. A vida completou mais um ciclo de oportunidades. Bento foi oficialmente para a escola. Sabe quem o acompanhou neste novo primeiro dia? Eu. A tristeza de 2018 cedeu lugar para a alegria de 2020. Naquele mesmo dia, no final da tarde, descemos para jogar bola na quadra do prédio. Ele estava com a bola no pé e tentou passar por mim, mas acabei roubando a bola de seus pés. Coisa de futebol. Um tira a bola do outro. Faz parte do jogo. Ele sentou no meio da quadra, abraçou os joelhinhos, abaixou a cabeça suada e as bochechas vermelhas de tanto jogar e disse:

- Eu tô chateado, não gosto de perder!

Me reconheci. Sentei do lado dele. Abracei meus joelhos e perguntei:

- Por que você não gosta de perder?

- Porque perder é triste papai. E ganhar é alegre!

Fiquei alguns segundos perdido entre seus olhos me perguntando como é que, aos 3 aninhos, ele já está pensando sobre sentimentos, vitórias e derrotas. Meu anseio neste momento é que tudo que eu vivi até aqui me ajude a inspirar o Bento a enxergar o que Vinícius de Moraes nos nos ensinou em seu Samba da Benção:

"É melhor ser alegre que ser triste Alegria é a melhor coisa que existe É assim como a luz no coração Mas pra fazer um samba com beleza É preciso um bocado de tristeza É preciso um bocado de tristeza Senão, não se faz um samba não.”