Perdidos no espaço ou no túnel do tempo da bola feiticeira

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  • Paulo Leandro

Publicado em 10 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Entrar num túnel do tempo e descer na estação 1970 deste metrô pra lá de imaginário poderia levar o torcedor a um campeonato plural, disputado ponto a ponto, e capaz de produzir misturas culturais hoje impossíveis de recuperar seu gostoso tempero.

Na falta do princípio de atualidade e, portanto, sem parte da essência, necessariamente constituinte, da substância chamada crônica esportiva, vamos saltar neste ano de competição tão saudável e capaz de gerar milhares de vagas no mercado de trabalho da bola e lucros proporcionais para 16 agremiações, sete delas localizadas em cidades prósperas do nosso interior.

Nesta marca da cal da vida onde estamos hoje, aguardamos o momento sublime do apito final, mas antes, verificamos como uma coleção de revistas velhas e confiáveis pode nos ajudar a enfrentar tantas dúvidas e fontes de angústia: a Placar, sem dúvida, depois de Esporte Ilustrado, é esta publicação preciosa, um patrimônio cultural e desportivo.

Comecemos nosso itinerário por esta publicação da editora Abril pelo grande Galícia do goleiro Paredão, dos laterais Roberto e Quinha; na zaga, Nelinho, um jogador tão habilidoso quanto incapaz de cometer uma falta, mesmo atuando ali na última linha de defesa.

Foi este demolidor o revelador do atacante André, logo contratado pelo Vitória para o campeonato seguinte numa época de pirâmide. Funcionava assim: os bons calouros começavam nos times de base e eram contratados pelos grandes do topo ao exibirem seu talento.

Os times pequenos eram duros de vencer, como o Monte Líbano, provável representante da comunidade de origem síria e libanesa de Salvador – informação a ser confirmada.

O Ypiranga, do meio-campo formado por Catu e Pepeta, tinha outros bons de bola como Belo e Esquerdinha: fazia bons duelos com clubes de menor projeção, mas igualmente aguerridos, como o São Cristóvão de doutor Zezinho, médico, dono e presidente do clube branco.

E o Conquista? Quem se diz amante do nosso fútil-ball não pode ignorar nomes como o meia Agra, conhecedor de tudo e mais um pouco das mumunhas e macetes do balão de couro.

Não tinha vida fácil o Vitória do goleiro Nadinho, dos laterais Gato Preto e França. O artilheiro, Ventilador, seguiu fiel às cores do Decano, ao trabalhar no clube, depois de pendurar as chuteiras, mas como terá conseguido este apelido de eletrodoméstico?

O Fluminense de Feira, cognominado Santos da Bahia, campeão do ano anterior, botava merecida banca, com o timaço de Mário Braga e o recém-finado Sapatão; tendo na linha de frente Pinheirinho, João Daniel e Freitas, apoiados pelos meias Merrinho e Delorme.

O ecológico Redenção, suspeitamente fundado embaixo de uma amendoeira, em Brotas, ousava arrancar ponto até do Bahia... do Bahia, vejam, em um campeonato medido em pontos perdidos cuja distância do primeiro para o sétimo lugar podia ser tirada em duas ou três rodadas.

O Moleque Leônico do doutor Pitada (médico) e do 9 Alencar não se deixava vencer facilmente, enquanto o Feira – outro representante da Princesa do Sertão – levava a campo a família Porto, com os irmãos Edison, Mané e Júlio. E ainda tinha Gilson Porto jogando no Internacional!

Nossa querida Santo Amaro da "Pura Ficção" tinha seu Ideal, cujo goleiro, Bagaçada, costumava fechar, quando estava no dia. O Ilhéus vinha de Malagute, Padre e Manequinha, mantendo-se em posições intermediárias com total dignidade.

Para dizer-se Campeonato Baiano, não se podia esquecer o Jequié, revelação da disputa, com a dupla de ataque Dilermano e Tanajura (pai de Flávio, ex-zagueiro e hoje funcionário do Vitória). O Itabuna, o melhor time, tinha Santa Cruz e muitos mais, como Reizinho e Caxinguelê, na retaguarda.

O Bahia formou um belíssimo quadro, basta citar Baiaco e Eliseu no meio-campo, com o super-Zé Eduardo e Carlinhos Gonçalves, da família de Romenil, Kléber Bubu, Ricardo e Itamar. Ficou para a decisão Bahia versus Itabuna: nem precisava do golpe de misericórdia sobre a excelente representação itabunense, mas tradição é tradição.

O maior craque fora do campo da história do nosso fútil-ball, Osório, não conseguia controlar sua natureza, e teve mais uma de suas brilhantes ideias: o Bahia disputaria a Taça de Prata, equivalente ao campeonato brasileiro de hoje, entre agosto e dezembro, enquanto o Itabuna ficaria esperando a decisão, sem jogar partidas oficiais, naquela de come-e-dorme. O danado do ex-polícia não teve a menor dificuldade em convencer os papa-jaca adeptos da boa curtição, como seres humanos de boa cepa.

Os grapiúnas, com moral de finalistas do dificílimo campeonato, a-ma-ram a ideia de curtir as gabrielas e mais delícias, todas elas, da culinária ao bataclan. Já os tricolores, jogando contra os grandes times do país (e naquele tempo só tinha grande time!) chegaram afiados, em boa forma e com dinheiro no bolso, para decidir o título contra aqueles felizes gorduchos.

Os resultados dos dois jogos da final foram 3x0 e 6x0, num esquisito total agregado de Bahia 9x0 Itabuna, raríssima ocorrência em alcance mundial, pode buscar no google e nas coleções de Fred do Chame-Chame.

Nostalgia é lembrar daquilo que nos alegra e, noves fora estas estratégias, tidas como suplemento inseparável do fútil-ball, torna-se difícil, hoje, acreditar termos perdido tanto, todos os times, com o fim da pluralidade, da inclusão, da participação maior de interior e capital, das revelações de craques e até de seus nomes engraçados.

Não vamos chorar, agora, pois o fim está próximo e lágrima não cura, pois a covid até Sapatão, que era um zagueirão, já levou, imagine a gente...

Mas antes do juizão deus ou diabo apontar para o meio e dar por encerrado este prélio perdido, podemos escrever, sem medo de errar: 

UM DIA JÁ TIVEMOS UM GRANDE FÚTIL-BALL! 

Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.