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Mario Bitencourt
Publicado em 8 de outubro de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A cidade de Canavieiras, no litoral sul da Bahia, terá mais uma moeda circulando no comércio local, além do real, a partir de 2020: é a moex, uma moeda criada por pescadores e marisqueiros que vivem na Reserva Extrativista (Resex) de Canavieiras - uma unidade de conservação federal - e que promete gerar mais renda.>
A moex segue o modelo de moedas sociais que existem no Brasil desde a criação do Banco Palmas (no Ceará, em 1998), pioneiro no sistema de bancos comunitários no país e autorizado pelo Banco Central do Brasil (BC). Em Canavieiras, a instituição financeira responsável pela moex, cujo valor é equiparado ao do real, é o Bamex, que também tem autorização do BC.>
O banco comunitário foi criado pela Associação Mãe da Reserva Extrativista de Canavieiras (Amex), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (Ufba), responsável pelo treinamento de pessoal e impressão de 40 mil cédulas, com os valores de 50 centavos, 5 moex e 10 moex.>
A moex será a moeda principal de um empório do pescado e de produtos utilizados na atividade pesqueira, a ser gerido pela Rede de Mulheres (pescadoras e marisqueiras), criada em 2009 para levar mais informações sobre saúde e direitos das mulheres àquelas que sobrevivem da atividade na reserva extrativista.>
A ideia é que as mulheres comprem com a moex os pescados e mariscos a preços melhores, para depois serem revendidos em real. Ao mesmo tempo, elas poderão adquirir os produtos da pesca por valores mais em conta e, a partir disso, ter mais renda.>
Auxílio A moeda chega ao mesmo tempo em que os cerca de 2 mil moradores da unidade de conservação colocarão em prática três projetos voltados para comercialização do pescado, ampliação de mercados e estruturação de um empório a ser gerido por mulheres e que servirá para vender pescado e marisco e comprar apetrechos da pesca.>
Os projetos, de iniciativa da Amex, foram aprovados em setembro deste ano pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), ligada à Secretaria de Desenvolvimento Rural, do governo da Bahia.>
Outros dois projetos, voltados para o beneficiamento e melhoria do pescado e dos mariscos para as cidades de Una e Belmonte (abrangidas pela Amex), também foram aprovados no mesmo pacote – no total, eles receberão investimentos de R$ 1,5 milhão, durante os dois anos do prazo de execução.>
Os pescadores de Una e Belmonte também fazem parte da Amex, mas a moeda por enquanto está restrita a Canavieiras. Durante dois anos, a moex circulou no comércio local de forma experimental, até ser retirada de circulação ano passado para melhor estruturação.>
Com a moex, os pescadores e marisqueiros de Canavieiras faziam compras em locais credenciados com descontos de até 5% nos produtos, como em farmácias, armazéns, mercearias, dentre outros. E os comerciantes poderiam trocar a moex pelo real ou fazer uso em outro estabelecimento.>
Para garantir essa troca, a Amex tem de ter em real no Bamex valor igual ao que está circulando no mercado em moex – na fase inicial, foram R$ 40 mil e hoje a associação está com R$ 12 mil em depósito no banco comunitário.>
Na fase inicial, conta o pescador e marisqueiro Carlos Alberto Pinto dos Santos, 47, secretário da Associação e mais conhecido como Carlinhos, ficou demonstrada a inviabilidade para a operacionalização junto ao Bamex, devido aos juros baixos e também pouca quantidade de clientes no banco. O pescador e marisqueiro Carlos Alberto Pinto dos Santos (Foto: Mário Bittencourt/ CORREIO) Segundo a Amex, o banco comunitário oferecia empréstimos em moex sem cobrar juros, para fins de compras de alimentos (feijão, açúcar, café), remédio, material escolar e apetrechos de pesca.>
Também realizava empréstimos em real, mas com juros baixos, de até 2%, aplicados em bens de produção e material de trabalho. Com isso, o banco ficou sem condições de custear sua própria operacionalização. Por isso, houve a ideia do empório.>
Estudo De acordo com a Amex, um estudo com vistas à estruturação do funcionamento do empório está sendo feito em parceria com a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), localizada entre Itabuna e Ilhéus. O estudo inclui a busca por mais mercados e agregação de valor aos produtos da pesca.>
Na Resex de Canavieiras, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e com área equivalente a mais de 100 mil campos de futebol, as atividades principais são a mariscagem, com a captura de aratu, ostra, sururu e camarão; a coleta de caranguejo, a pesca artesanal, a agricultura familiar e o extrativismo terrestre de cipó e frutas.>
Segundo dados da Amex, apenas na comunidade de Campinhos, a maior da resex, são coletados por ano 90 toneladas de catado de aratu e 620 toneladas de camarão. Primeira a usar a moex, a marisqueira Maria da Conceição Cardoso, 65, conhecida como Maria do Caranguejo, espera que a moeda volte logo a circular. Casal de marisqueiros durante atividade pesqueira em Canavieiras (Foto: Marco Antonio Teixeira/ Conexão Abrolhos) “Pelo menos para mim, era muito bom quando estava tendo. Tinha dia que chovia e não dava para a gente sair para pescar, então a gente pegava uma quantia emprestada de moex para fazer nossas compras, como café, açúcar, produtos de higiene, dentre outras coisas que a gente também precisa”, afirmou dona Maria, que faz parte da Comunidade de Campinhos.>
Presidente da Associação de Pescadores e Agricultores Familiares de Campinhos, o pescador Jailton Santos Santana, 42, espera que a moeda sirva para demonstrar que os marisqueiros e pescadores que atuam na resex são organizados e buscam o desenvolvimento regional.>
“A moeda é uma das ferramentas que estamos buscando para fazer com que possamos ter melhores condições de vida na comunidade. Precisamos muito aqui é de atingir mercados para comercializar nossa produção. Temos muita capacidade para vender camarões pistola (vg), por exemplo, além de peixes diversos”, comentou, enquanto segurava um peixe cavala.>
Na região do sul da Bahia, diversas ONGs em parceria com comunidades tradicionais, como de pescadores e marisqueiros. Uma delas, a internacional WWF, cuja gerente do programa marinho na Mata Atlântica, Ana Caroline Lobo, informou que a entidade articula uma parceria com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) para compra do pescado e mariscos dos extrativistas da região.>
“Já estamos com a conversa bem adiantada com a Abrasel e a receptividade está sendo muito boa. Já levamos os produtos daqui para grandes chefes e a ideia é não só ampliar mercado, mas principalmente favorecer a um consumo de produtos com valor mais agregado, de maneira a preservar a resex, sem que haja tanto o aumento da produção, ao ponto de prejudicar a sobrevivência da reserva”, declarou.>
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