Pesquisadores apontam Península de Itapagipe como foco de aglomerações

Os dados de isolamento chegam a 53%, número abaixo do recomendado pela OMS

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  • Wendel de Novais

Publicado em 23 de julho de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/ CORREIO

A Península de Itapagipe, onde se situam os bairros Boa Viagem, Bonfim, Monte Serrat, Ribeira, Uruguai, Mares, Roma, Caminho de Areia, Vila Ruy Barbosa e Massaranduba, já soma 2.535 casos confirmados do novo coronavírus, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Uma nota técnica do GeoCombate, grupo de pesquisadores atuantes em instituições públicas e que auxiliam no combate à doença, mostra que o isolamento social nesses bairros esteve em 53,66% no mês de abril, número muito inferior à taxa de 70% recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os números analisados pelo grupo foram obtidos através da InLoco, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Marcella Sgura Viana, professora da Escola Politécnica da Ufba e uma das responsáveis pela nota técnica, afirma que os números analisados pelo GeoCombate são preocupantes“São lugares que estão tendo aglomerações e que podem contribuir para a proliferação do coronavírus aqui”, diz ela, que faz parte do Departamento de Engenharia de Transportes e Geodésia.O fluxo de pessoas na Península é ativo. As áreas de comércio, pontos de ônibus, estação de trem e praças concentram mais gente. “Aqui continua cheio, a mesma coisa de antes. Estou vendendo até mais nessa época”, conta Marcos Santos, ambulante que vende capas de celular em frente à estação de trem da Calçada.

Para os pesquisadores do GeoCombate, a afirmação de Marcos faz todo sentido. Marcella entende que o comércio informal contribui para a aglomeração nos lugares apontados como os mais preocupantes. “Nesses bairros, as pessoas saem diariamente para fazer compras em lugares de comercialização informal. Na região com isolamento mais baixo, tem muitas feiras livres como a do Jardim Cruzeiro e do Uruguai, que facilitam a reunião de uma quantidade inadequada de pessoas”, informa.

Os moradores afirmam ainda que as pessoas estão ali para trabalhar e que não é mais possível ficar em casa sem passar por sérias dificuldades financeiras. É o que pensa Wellington Silva, 23, comerciante de frutas que trabalha informalmente na região da Calçada.“As pessoas estão aqui, em sua maioria, para trabalhar e superar essa crise que tem afetado muita gente. Temos medo, mas é difícil ficar em casa sem perspectiva de retorno e sem fonte de renda”, argumenta.Há ainda os que desrespeitam as regras e saem a toda hora, por qualquer motivo. Daiane Lopes, 25, mora no Caminho de Areia e sabe: “Na frente do meu trabalho, tem um campinho que está sempre cheio”.

Para evitar que as pessoas se aglomerem à espera de ônibus, por exemplo, os pesquisadores do GeoCombate pedem que o fluxo de veículos seja maior. “A gente fica aqui e dá pra ver. Todo ônibus que passa em horário de pico só sai do ponto com muita gente”, disse Jorge Ferreira, 49, que vende frutas há 16 anos na Calçada.

Em nota, a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob) informou que, devido à pandemia, a frota de ônibus está operando de forma reduzida. “Porém, a Semob esclarece que a operação de transporte vem sendo  acompanhada diariamente e, caso identificada demanda maior em alguma linha, a frota é reforçada imediatamente  para melhor atender a população”.

Outro problema são as filas nas agências bancárias, principalmente nas da Caixa Econômica Federal. Jorge Ferreira, que também é morador da Calçada, afirma que as agências continuam com fluxo intenso. “Ainda mais na Caixa porque o povo vai atrás desse auxílio emergencial [pago pelo governo federal]”. Esse problema também foi apontado na nota técnica do GeoCombate: “Antes mesmo da abertura dos bancos, já tem fila formada e esses ambientes são propícios para aglomeração e propagação da covid-19”, afirma Marcella.

A Caixa Econômica Federal informou que “antes da abertura e durante o funcionamento, todas as agências são higienizadas. Todos os funcionários usam material de proteção individual recomendado pelo Ministério da Saúde e vem reforçando diariamente os cuidados preventivos”.

Ações da Prefeitura A prefeitura de Salvador avalia os bairros e desenvolve medidas necessárias para cada uma das localidades que apresentam baixos índices de isolamento social e, com a região da Península, não é diferente. É o que afirma Helena Lima, sanitarista e membro do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE).

“Itapagipe entrou no radar de observação da gente como um dos ambientes mais propícios à aglomerações e estamos atuando ativamente na região com a aplicação de medidas necessárias”, explica.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) instalou pontos de testagem rápida em algumas localidades da Península. Os locais foram escolhidos justamente por se tratar de ambientes em que o fluxo de pessoas e a tendência de aglomeração são maiores.

Helena também salientou que não é só a SMS que está atuando no combate à disseminação do coronavírus na região. Existem atividades sendo realizadas pelas outras secretarias que cooperam nas ações que tentam frear o avanço do coronavírus na região. “A Limpurb é responsável pela higienização das áreas públicas da Península. Já a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) é responsável pela orientação e conscientização dos moradores sobre os riscos inerentes às aglomerações.”

No momento, Salvador tem sete postos de testagem rápida funcionando, que ficam nos seguintes bairros: Liberdade (parte superior do plano inclinado), Itapuã (na prefeitura-bairro), Fazenda Coutos (Escola Municipal Fazenda Coutos), Nordeste de Amaralina (Escola Municipal Zulmira Torres), Lobato (Escola Infantil Mário Altenfelder), Águas Claras (Escola Eduardo Campos) e Castelo Branco (Escola Municipal Arlete Magalhães).

Além da solicitação de um aumento no número de ônibus circulando na região e da realização de campanhas para conscientização dos cidadãos quanto aos cuidados e os procedimentos necessários na luta contra a covid-19, o GeoCombate fez outras recomendações aos órgãos públicos, entre elas o pedido de instalação de pias e lavatórios públicos em lugares estratégicos das comunidades e também a realização de uma testagem em maior volume e direcionada a trabalhadores essenciais.

Os pesquisadores solicitam ainda um estudo que poderia checar a existência de uma correlação entre algum evento da localidade e a baixa taxa de isolamento social na região. O objetivo é que sejam feitas ações de sensibilização, orientação, higienização e desinfecção.

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro