Pirão, cadeira e Wi-fi: ambulantes aproveitam a fila da biometria para vender

Eleitores disseram ter esperado até seis horas

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  • Thais Borges

Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 15:48

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

No segundo sábado de atendimento para o recadastramento biométrico na sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA), no Centro Administrativo da Bahia, eleitores tiveram que esperar até seis horas na fila. Diante disso, ambulantes aproveitavam para vender – ou alugar – de tudo: de cadeiras até internet Wi-fi por 15 minutos, passando por todos os tipos de comida. 

“Parece uma feira. A gente trouxe uns lanches, mas comprou outros aqui. Opção não falta”, dizia o vigilante Marcelo dos Santos, 45 anos, que chegou no CAB às 5h30. Às 11h50, quando conversava com o CORREIO, tinha cerca de 100 pessoas em sua frente. Preparado para a espera, ele também trouxe um banco de casa. 

Quem não trouxe seu banquinho podia alugar uma cadeira por R$ 5 – sem tempo limite, o equipamento ficaria disponível até a hora que a pessoa fosse atendida. Um dos empreendedores era Charles Santos, 35, que, há quatro dias, viu nas filas no TRE-BA uma oportunidade de negócio. 

“Um amigo me falou e cheguei aqui com 10 cadeiras. É melhor vir para cá do que ficar em casa, sem fazer nada, com a mente vazia. As únicas coisas que caem do céu são chuva e benção”, brincou ele, que, nos restante dos dias, trabalha vendendo capazes de sofá. 

Em 40 minutos, a vendedora Leidijane dos Santos, 33, tinha conseguido que 40 das 50 marmitas que trouxe, com o marido, fossem compradas. Ela recebeu a dica de um colega que vende escondidinho lá mesmo – neste sábado, antes de meio-dia, o rapaz já tinha vendido 75 pratos e ido embora. 

Leidijane, por sua vez, acordou às 5h para preparar as marmitas: pirão de aipim com carne do sol. Havia duas opções: com arroz e sem arroz, tudo por R$ 5. “Tá vendo a pena, viu? Segunda vou trazer mocotó e vender a R$ 15”, adiantou ela, que tem uma banca de acarajé em Paripe. Quando sai do CAB, vai direto para lá. 

A auxiliar administrativa Vanda Ferreira, 59, foi uma das que não resistiu ao pirão de aipim. Ela decidiu almoçar por lá mesmo quando viu que, duas horas depois de ter chegado, não tinha mudado muita coisa na fila. Era a primeira vez que ela tentava fazer a biometria. “Está gostoso. Achei que ia conseguir almoçar em casa, mas ainda faltam quatro voltas para dar. Pelo menos não marquei nenhum compromisso hoje”.  

Mas os amigos Luis Argolo, 24, e Adson Carvalho, 21, orgulhavam-se da ideia que tiveram. Por R$ 2, tinham dois tipos de mercadoria: uma ligação ou acesso à internet Wi-fi por 15 minutos. Criaram até slogan. “Quer falar com mozão? Só R$ 2 a ligação”, dizia Luis. Os dois, na verdade, foram vender lanche. 

Ao chegar lá, perceberam que o sinal de celular de muita gente não funcionava. “Todo mundo já conhece a gente aqui. A gente roteia a internet do nosso celular pessoal para o da pessoa, porque sempre tem alguém precisando de Whatsapp, precisando chamar um Uber”. 

Segundo a assessoria do TRE-BA, a média de espera neste sábado era de quatro horas na fila, uma vez que os atendimentos começaram às 8h. Por dia, cerca de cinco mil pessoas são atendidas. A partir de segunda-feira (15) e até o dia 31, o atendimento será feito ininterruptamente, inclusive aos domingos. 

Espera chegou a 12h na quinta-feira Não é novidade que as filas para recadastramento da biometria têm reunido milhares de pessoas, de segunda-feira a sábado, na sede do TRE Para tentar escapar da espera de horas, alguns eleitores conseguiram comprar um lugar na fila de prioridade para realizar o procedimento. O valor? R$ 10.

A denúncia foi feita ao CORREIO pelo estudante Vitor Ribeiro, 21 anos, que passou 12 horas aguardando, nesta quinta-feira (11) - quando mais de três mil pessoas formaram uma fila quilométrica que por pouco não chegou à Avenida Paralela. De acordo com o estudante, um segurança do TRE negociou um lugar na fila de prioridade. O prazo para a biometria termina dia 31 de janeiro e, conforme o TRE, cerca de 60% dos eleitores estão biometrizados."Era mais ou menos 14h quando o rapaz que estava atrás de mim disse que sairia para pegar uma informação. Do nada, duas horas depois, ele voltou com o título pronto, indicando o segurança que poderia ajudar a gente. Ele disse: 'é aquele ali, eu paguei R$ 10 para ele fazer um lanche'", relatou Vitor, afirmando que o funcionário estava fardado.Àquela altura, há sete horas na fila, o estudante confessou que ficou tentado a ir atrás do homem e pagar para ser atendido. "Eu já estava cansado, pensei mesmo. Mas acho que não fui porque tento ser certinho com as coisas. Muita gente acabou indo e, em dado momento, ele [o segurança] percebeu que aquilo já estava sendo muito comentado, então parou", pontuou Vitor, que recadastrou a biometria por volta de 19h.

Procurado pelo CORREIO, o TRE informou que não tem conhecimento de nenhuma denúncia acerca da conduta de servidores e colaboradores ligados ao órgão. De acordo com a pasta, todas as denúncias que chegarem, por meios legais e disponibilizados à população, serão devidamente apuradas. 

Ainda conforme o TRE, a Seção de Segurança Institucional do órgão, em Salvador, é formada por 12 agentes de segurança [servidores federais concursados] e 41 vigilantes terceirizados, que desempenham suas funções sob a supervisão dos agentes concursados. "Em caso de observância de práticas de atos ilícitos por parte de qualquer servidor, deverá ser aberto processo administrativo disciplinar, nos termos da Lei 8.112/90", completa a nota.

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Revolta "É uma coisa muito absurda. Uma falta de respeito enorme com todos os eleitores que passaram horas ali esperando. Muita gente chegava, olhava o tamanho da fila e desistia de cara. Eu tive até sorte, quando cheguei tinha mais de mil pessoas na minha frente, mas eu tinha que ficar, não podia correr o risco de não fazer", salientou Vitor, que vai precisar estar com o título regularizado para fazer um intercâmbio. 

Trabalhando no local todos os dias há pelo menos uma semana, o ambulante Edeilton Souza Santos, 30, afirmou ter presenciado negociação entre um segurança e um eleitor no final da tarde de terça-feira (9). "Vi quando um dos seguranças pegou R$ 50 na mão de uma pessoa que estava na fila, mas aí muita gente acabou vendo. Todo mundo começou a vaiar e foi o maior tumulto. Ele acabou devolvendo [o dinheiro]", disse à reportagem.

O CORREIO esteve na sede no TRE, na manhã desta sexta-feira (12). No local, filas e eleitores resignados.  (Foto: Marina Silva/ARQUIVO CORREIO) Tem de tudo Para atender aos milhares de eleitores que deixaram a biometria para os últimos dias, há um comércio disposto a agradar a todos os gostos - e bolsos. Há quem desiste no meio do caminho e vende o próprio lugar na fila. Há oferta de água, jaca e até purê de aipim com carne de sol. E há, ainda, o aluguel das cadeiras-salvadoras-da-pátria.

Promoção de água é o que não falta. Tem de R$ 1, R$ 2 e três por R$ 5. A jaca fica por R$ 3. A cadeira, o eleitor aluga por R$ 5 - e pode aproveitar pelo tempo que permanecer no TRE. Já o lugar na fila, esse depende muito da distância das seções de atendimento - o que alguns dos eleitores não veem com maus olhos.

A estudante Priscila Azevedo, por exemplo, acha legítimo o direito de vender o próprio lugar - desde que você o tenha garantido, literalmente, com o próprio suor. "Uma coisa é segurança vender prioridade, outra coisa é a pessoa dormir na fila, passar sol e chuva. Se ela acha por bem desistir e vender, tudo bem. Se achar quem compre, ótimo. Se eu tivesse, super pagaria", afirmou ela, aos risos.

Pela segunda vez, em duas semana, tentando realizar o procedimento, a estudante disse que viu muita gente comprar lugar na fila. "Já vi o povo comprar por R$ 20, R$ 30 e até R$ 50. Senti foi muita inveja. Trouxe o dinheiro do aluguel da cadeira e da água, porque a minha sempre acaba", contou ela, que chegou à sede do TRE às 7h, nesta sexta-feira. Otimista, ela esperava sair de lá até 13h, mas só conseguiu o atendimento 14h30. 

O pedreiro José Carlos Miranda, 45, também ficou em alerta com o anúncio de lugares na fila. "O cara estava lá em cima, pedindo R$ 50. Mas eu prefiro esperar de graça mesmo, é muito dinheiro. Trouxe meu banquinho já pra não gastar com aluguel de cadeira, nem nada", contou ele, que chegou ao local por volta de 5h.

Felizardos José Carlos foi atendido por volta de meio-dia. "Tô muito feliz. De repente a fila começou a andar rápido e deu tudo certo. Posso me considerar um felizardo, né?", indagou ao CORREIO, por telefone. Se for considerar as 12 horas de espera do estudante Vitor Ribeiro, nesta quinta-feira, José pode, sim, se considerar um felizardo.

Assim como a técnica em enfermagem Givanilda Machado, 37, que chegou por volta de 5h10, nesta sexta-feira, e passou sete horas na fila. "Tive sorte, graças a Deus. Achei que fosse esperar até umas 13h30. Quando cheguei, tinha muito mais de mil pessoas na minha frente. É assustador", disse, aliviada.

Ela não viu e nem ouviu falar do comércio de lugares na fila. Segundo Givanilda, a incidência de gente poderia ter sido evitada com planejamento por parte do TRE. "Eles poderiam ter disponibilizados colégios estaduais, isso facilitaria para todo mundo", disse.

Em nota enviada ao CORREIO, o Superior Tribunal Eleitoral (TSE) informou que com o grande número de pessoas nos locais de atendimento, o sistema de biometria apresentou algumas falhas no funcionamento, que, de acordo com o órgão, já foram resolvidas. 

"Desde o início desta semana, uma força tarefa formada por 15 técnicos da área de Tecnologia da Informação da Corte trabalharam de forma ininterrupta para sanar as eventuais falhas. Com isso, desde a tarde de quarta-feira (10), o sistema voltou a funcionar normalmente, permitindo maior rapidez no atendimento aos eleitores", diz a nota. 

O TSE afirmou que a expectativa é de que 75 milhões de brasileiros sejam identificados por meio das impressões digitais em todo o país nas eleições deste ano. O eleitorado atual é de 146.512.279 no total.