Pituba ganha projeto de 'trânsito calmo': ao menos 10 ruas terão velocidade de 40 km/h

Conceito usa intervenções de sinalização e engenharia para reduzir velocidade

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  • Thais Borges

Publicado em 3 de outubro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

Rotatórias ampliadas, ruas abertas, passeios estendidos e mais de 10 ruas com velocidade de até 40 km/h. Essas são apenas algumas das medidas de um novo conceito para o trânsito de Salvador – o chamado Trânsito Calmo, que começará a ser implementado na Pituba como uma espécie de projeto piloto antes de seguir para o resto da cidade. 

O conceito, segundo o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller, é amplamente difundido no mundo – é o ‘traffic calming’, no inglês –, e foi criado originalmente no Reino Unido, mas é utilizado também por países como Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Bélgica e Holanda. “É um conjunto de ações de planejamento urbano que podem ser intervenções de engenharia, sinalização, alargamento de passeios para facilitar a travessia. É uma série de intervenções para dar mais segurança ao pedestre, ao ciclista e a todos que trafegam, e dar mais fluidez”, explicou, em entrevista ao CORREIO.   A ideia é que, através de todas essas intervenções viárias, os carros reduzam a velocidade – mas sem um radar no local. O programa será lançado pela prefeitura nesta quinta-feira (3) e as primeiras obras devem começar no bairro a partir desta sexta-feira (4). 

A Pituba foi escolhida para ser a primeira justamente por ser um local de grande circulação. O grande fluxo de pessoas também está diretamente ligado a uma estatística indesejável: nos últimos dois anos, foram registrados 93 acidentes de trânsito com vítimas no bairro. Desse total, duas pessoas morreram. 

“Ter 93 acidentes com vítima é um número alto para um local como a Pituba”, pondera Muller. 

Em até quatro meses, todas intervenções devem ter sido concluídas. A Transalvador deve investir, apenas nas obras, cerca de R$ 5 milhões. Já para modificar e implementar a nova sinalização, o investimento total é de R$ 1 milhão. 

Diagnóstico Só que o conceito não deve ficar apenas na Pituba: ele deve ser replicado em outros bairros que tenham o mesmo perfil – especialmente, com ruas planas e grande quantidade de pedestres. É o caso de locais como Itapuã, do Subúrbio Ferroviário e da Península de Itapagipe, na Cidade Baixa. Por enquanto, porém, ainda não há prazo para essa mudança. 

Isso porque, ainda que a implementação seja rápida, os estudos demandam tempo. No caso da Pituba, foram praticamente dois anos fazendo diagnósticos que iam desde o mapeamento de áreas de perfis comercial, residencial e mista até a identificação de todos os polos geradores de trânsito da região. “Não foi uma definição nossa sem nenhum estudo prévio. Nós começamos a pensar na circulação da Pituba pra eliminar alguns pontos de congestionamento e isso acabou evoluindo para ir além da fluidez, para a segurança”, explica o superintendente. Para o programa piloto, a Transalvador definiu uma poligonal que começa na Orla e vai até as imediações do Parque da Cidade, sem avançar até o Itaigara. Ao todo, devem ser mais de 30 intervenções entre novas sinalizações e obras viárias. As principais ruas e avenidas não terão velocidade modificada.  Todas as áreas terão sinalização de velocidade (Imagem: Transalvador/Divulgação) No entanto, todo o restante deve ter uma velocidade máxima de 40 km/h. Eram ruas que, historicamente, não tinham nenhuma indicação oficial de velocidade máxima permitida – assim como dificilmente haveria alguma notificação de infração, já que não há radares.  As áreas quadriculas terão velocidade máxima de 40 km/h (Imagem: Transalvador/Divulgação) “Antigamente, a preocupação era regulamentar a velocidade das vias principais apenas, mas é isso que a gente está tentando mudar. Ao entrar numa área de trânsito calmo, as pessoas já vão ver no chão, já vão ver a indicação de velocidade muito clara, muito forte. Isso sem radar, só com esses elementos”, diz. Travessia A Rua Minas Gerais é uma das que terá mudanças emblemáticas ao longo de toda a sua extensão. Hoje, é uma rua com fluxo grande de pedestres e veículos por ter um perfil muito comercial e ainda servir de acesso à Pituba pela Orla. 

No caso dela, uma das medidas que será adotada é a eliminação das rotatórias nos cruzamentos. Na avaliação da Transalvador, elas não suportam mais o trânsito hoje. Além disso, os pontos de cruzamento serão estreitados com dois objetivos: alargar os passeios nas esquinas para diminuir o espaço de travessia e torná-la mais segura.  Os cruzamentos na Rua Minas Gerais serão modificados (Imagem: Transalvador/Divulgação) No local das faixas de pedestre, haverá elevados para que que os carros reduzam a velocidade. Assim, haverá cruzamentos sem semáforos mas que, ao mesmo tempo, sejam considerados de maior proteção. 

Na Rua Amazonas, todos os cruzamentos também serão reprojetados. As rotatórias serão mantidas mas com novas dimensões e sinalização. Em algumas esquinas, os passeios devem passar por alargamento assim como na Rua Minas Gerais.  Na Rua Amazonas, as rotatórias serão adaptadas (Imagem: Transalvador/Divulgação) Já na Rua Ceará, onde fica a Escola Nossa Senhora da Luz, o tráfego costuma ser muito afetado nos horários de chegada e saída dos alunos. “Vamos ampliar a via para que a gente tenha mais uma faixa. Vamos ter a operação da escola, que é inevitável, mas também teremos mais faixas para os veículos circularem”, explica. 

Entre a Rua Ceará e a Rua Goiás, a rotatória que fica em frente ao shopping Ponto 7 também será remodelada. As mudanças incluem a melhor definição dos locais onde os pedestres podem atravessar, além da ampliação dela.

Enquanto isso, o congestionamento no fim da Avenida Paulo VI, nas imediações do Colégio Anchieta, deve ser amenizado com a ampliação de uma faixa na Rua Fernando Menezes de Gois. “Vamos fazer relocação de semáforo, levar o semáforo para a frente do colégio, liberando o acesso à Rua São Paulo sem a necessidade de parar”. 

Abertura

Pelo menos cinco ruas que, hoje, têm cruzamentos fechados serão abertos: Rua Rio de Janeiro x Território do Amapá; Rua Território do Rio Branco x Rua Pernambuco; Rua Rio de Janeiro x Ceará; Rua Mato Grosso x Rua São Paulo e Rua Mato Grosso x Rua Território Guaporé. 

De acordo com Muller, a abertura das ruas é pela necessidade de circulação.“As ruas que permanecerem fechadas a gente vai melhorar, criando uma ‘mini’ área de convivência. Hoje, é com gelo baiano, um negócio feio. A gente vai fazer algo mais adequado”, adianta. O projeto prevê, ainda, o aumento da rede cicloviária. Hoje, a Pituba tem 6,7 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas. Ao longo de toda a poligonal, serão implementados outros 14,5 quilômetros – chegando, assim, a 21,2 quilômetros no bairro. 

“Todo o projeto de trânsito calmo é muito difundido no mundo. Aqui em Salvador, já aplicamos na Barra e no Rio Vermelho, nas áreas de piso compartilhado. A diferença é que, na Pituba, não se restringe a um único trecho”, completa Fabrizzio Muller. 

Morador da Pituba há quase 30 anos, o comerciário José Landeiro, 64 anos, vê com bons olhos medidas como a redução de velocidade. Há três anos, deixou de usar carro. “Faço tudo a pé. Vou ao mercado, à feira, sempre a pé. O Brasil, como um todo, tem que voltar a olhar para o pedestre e não para o carro. Vejo muita gente bem mais velha que eu andando na Pituba e sinto uma ausência de proteção”, diz. 

Países que adotaram conceito de traffic calming reduziram acidentes, diz especialista Os países que adotam o traffic calming tiveram uma experiência positiva. De acordo com o educador de trânsito Rodrigo Ramalho, especialista em comportamento humano, houve uma mudança de mentalidade no início do século 21. 

Antes, principalmente entre os anos de 1970 até o início dos anos 2000, o trânsito era pensado para privilegiar o espaço dos veículos. “Agora, há um movimento de mudança de paradigma em que as ações são voltadas para a segurança dos pedestres e ciclistas. Isso vem contrariando o princípio de alargamento de vias para veículos”, explica. O resultado, de forma geral, levou à diminuição de acidentes com pedestres e à própria redução da letalidade. Isso porque, em certas situações, o acidente é inevitável – mas a gravidade (e, por consequência, a mortalidade) pode ser reduzida. 

Ao contrário dos radares de velocidade, esse tipo de intervenção costuma ser mais bem aceito pela população. “Quando fica muito na punição, na aplicação de multas, há uma reação de agressividade na sociedade. As pessoas tendem a se contrapor ao Código de Trânsito Brasileiro. Já quando você tem um argumento que envolve mais a vida, as pessoas tendem a apoiar mais”, analisa Ramalho. Ele defende, ainda, um projeto de conscientização dos condutores. Para o educador de trânsito, há uma dificuldade geral, entre os motoristas de se ver como pedestres. “É importante que haja um esforço de comunicação mostrando todos os benefícios não só para o pedestre, mas também para o próprio motorista”, diz.