Plantas da caatinga viram esperança na luta contra a covid-19

Moléculas de espécies do Nordeste serão estudadas na criação de medicamentos

  • D
  • Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (foto: Divulgação)

Já imaginou que a cura ou tratamento da covid-19 pode estar plantado no seu quintal ou no vaso da sala? O cordelista Carlos Aires mostrou, em versos e prosas, a riqueza e diversidade das plantas da caatinga: “Eu por ser um catingueiro, vou falar do seu bioma. E pra isso me transformo, num biólogo sem diploma...”. Os cientistas, estes devidamente diplomados, levaram a sério o cordel e descobriram algo que pode ajudar no combate ao vírus que parou o mundo. Plantas da caatinga, encontradas nos jardins sertanejos, se tornaram objetos de pesquisa para a criação de novos medicamentos no combate ao coronavírus.

A largada foi dada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas de Plantas Medicinais (Neplame) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Além da instituição genuinamente nordestina, a Universidade de Bergen, da Noruega, também entrou no projeto. Pesquisadores das duas instituições  encontraram moléculas em algumas plantas nativas do Nordeste com potenciais suficientes para inibir o vírus causador da pandemia.

A Univasf chamou atenção da Europa após uma pesquisa da universidade ser publicada na revista científica Heliyon, da Holanda, em 2019. O artigo apresentava uma nova molécula encontrada na espécie nativa coroá, com atividade anti-inflamatória, fotoprotetora (proteção solar), antioxidante, gastroprotetora e antibacteriana. O estudo atual quer saber se as plantas catingueiras também podem ser antivirais. 

Entre as espécies, duas famílias de plantas chamam atenção. Uma delas, inclusive, foi coletada em solo baiano, na cidade de Jaguarari, a 400 km de Salvador: a  Annonaceae (da mesma família da pinha e da graviola). As plantas da família  Passifloraceae, como o maracujá, também são analisadas no estudo. 

“Quando alguém fala em caatinga, as pessoas enxergam um lugar de chão rachado e árvores secas.  A biodiversidade do bioma  é muito rica. Nossas plantas possuem diversas moléculas com atividades farmacológicas.  A Annonaceae, por exemplo, possui uma substância da classe dos alcaloides, com importante atividade biológica antiviral”, esclarece o coordenador do Neplame, Jackson Guedes.

“A biodiversidade da Caatinga nos fornece várias moléculas que podem ser alternativas para o desenvolvimento de novos tratamentos contra a covid-19. Antes, porém, é preciso provar cientificamente, justamente com estes estudos. A substância servirá como síntese para o desenvolvimento do medicamento”, complementa.

Insumo A pesquisa  tem ainda outra importância. “Um estudo como este  serve como pilar na criação de insumos farmacêuticos para medicamentos e vacinas. Investindo na ciência, nosso país tem potencial para exportar insumos, reduzindo a dependência externa, como tivemos com os chineses e indianos na produção de vacinas contra o coronavírus. Sem ciência, não existe futuro”, ressalta o coordenador.

Para o botânico Ricardo Cardim, o Brasil tem potencial para ser o número 1 na fabricação natural de insumos, medicamentos e vacinas para diversas doenças, não apenas contra o coronavírus. O problema é que nós mesmos estamos destruindo esta capacidade.“Temos o privilégio de morarmos no país com a maior biodiversidade do planeta. Temos 50 mil espécies de plantas conhecidas e, certamente, temos aqui a cura de várias doenças que existem e podem existir", argumenta."O problema é que o Brasil destrói o que tem. A caatinga é fantástica e genuinamente brasileira. Não me surpreende terem encontrado plantas com potencial de cura para a covid. É apenas uma ponta do iceberg que não exploramos, pois não investimos em ciência. Imagino como seria se a Alemanha, que investe na sua educação e pesquisa, tivesse  o que temos. Existe aqui uma prateleira infinita de curas, falta saber usá-las”, conclui. 

As fases da pesquisaFase 1 - Espécies do bioma da caatinga foram colhidas. Serão selecionadas as moléculas e estrutura química dos compostos presentes nas plantas Fase 2 - Avaliação das moléculas para provar se, de fato, existe o potencial de inibir enzimas responsáveis pela replicação do vírus Fase 3 - Estudos in vitro, fazendo testes com cepas do vírus Fase 4 - Estudos in vivo, utilizando animais Fase 5 - Caso alguma molécula presente nas plantas da caatinga passe por todas as fases, começam os testes em humanos.