Plataforma de turismo faz passeios em Salvador com histórias de protagonismo preto

Visitantes passam por 13 pontos da capital baiana conhecendo lugares a partir de uma narrativa não colonizada

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  • Wendel de Novais

Publicado em 3 de março de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Visitar o Museu Afro, parar - e não só passar - na Estátua de Zumbi dos Palmares, matar a fome no restaurante Alaíde do Feijão e conhecer a Casa do Benin. Essa é apenas uma entre as diversas opções de passeios turísticos em Salvador que são promovidos pela plataforma Guia Negro e têm uma característica em comum: o protagonismo preto no roteiro.

Uma proposta diferente que, desde 2020, fez mais de mil pessoas desbravarem a capital baiana e seus pontos turísticos a partir de uma perspectiva descolonizada, dando destaque a personagens muitas vezes apagados pela história. Além de colocar no mapa turístico pontos pouco explorados como os bairros do Curuzu, Pirajá, Nordeste de Amaralina e a região do Subúrbio Ferroviário.

Ao todo, são 13 lugares na rota do Guia Negro que, para Guilherme Dias, fundador do projeto, precisavam ser mostrados de um outro olhar. "A gente percebia que as histórias eram contadas do ponto de vista do colonizador. Criamos o nosso para fazer de um olhar não colonial, tivemos uma grande aderência e percebemos que, mesmo quem é daqui, passou a conhecer histórias novas e ver os pontos já conhecidos de outra forma", conta ele.

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Salvador Negra

Quem é prova dessa experiência é a soteropolitana Yeda Souza, 35 anos, que, depois dos passeios que fez pelo Subúrbio e pelo Pelourinho com o Guia Negro, mudou o seu olhar para estes espaços e também a forma como interage com eles.

"Conhecer a história negra daqui, além do que a gente aprende na escola, com protagonismo e histórias positivas me conectou muito mais com a cidade. E modificou meu hábito de consumo também. Agora, sempre que faço um passeio, oriento meu consumo para empreendedores negros", conta ela, que é funcionária pública federal. Yeda em um dos passeios ao lado do mural do artista 'Cabuloso' (Foto: Acervo Pessoal) As pessoas que estão fora daqui também compartilham um depoimento semelhante em relação a essa experiência. Carlos Silva, 32, é nascido e criado em Valéria, na capital baiana, mas mora em São Paulo há cinco anos. Só depois de deixar a cidade natal ele começou a ver a cidade de outra forma.Depois de conhecer o Guia Negro em terras paulistas, ele viveu essa experiência também em Salvador. 

“Me fez ampliar os horizontes, explorar novos espaços e mesmo espaços antigos com novos olhares. Fui no Pelourinho, revisitei a Lagoa do Abaeté, o bairro da Liberdade. [...] Falando da minha relação com Salvador, existe um antes e depois do Guia Negro. Era bélica, mas hoje passou a ser de orgulho, pertencimento”, explica ele, que é analista jurídico. Carlos em um passeio no Subúrbio Ferroviário (Foto: Acervo Pessoal) Dentro dos passeios promovidos pelo projeto, os lugares por onde passam têm suas histórias contadas com destaque devido a pessoas como Alaíde do Feijão, Luiz Gama e Zumbi. Porém, além de dar visibilidade aos pretos do passado, as atividades colocam em relevância o trabalho de pessoas negras do presente, como explica Heitor Salatiel, um dos guias do projeto.

"Nosso propósito é resgatar as histórias dos séculos passados, a construção real de como tudo aconteceu. Mas a gente também ressalta iniciativas que estão acontecendo agora. É utilizar a reflexão das histórias de dor do passado e trazer a visão de projetos de potencial contemporâneos", afirma Heitor.

Diversidade no turismo

O Guia Negro é um projeto que começou em São Paulo, ainda em 2018. Depois de ter impacto fazendo city tours pela capital paulista e destacando personagens pretos importantes na constituição da cidade, Guilherme percebeu que dava para levar o afroturismo para outros locais.

“Percebemos que não tínhamos passeios turísticos contando a história negra que é muito apagada e invisibilizada. As pessoas gostaram da experiência, queriam mais e, por isso, fomos ampliando isso para outros lugares além de São Paulo”, afirma o fundador.

Hoje, o Guia Negro está presente em seis cidades: Rio de Janeiro, Olinda, São Luís, Boipeba, São Paulo e Salvador. Para o presidente da Federação Baiana de Turismo e Hospitalidade do Estado da Bahia (FeTur), Sílvio Pessoa, ter esse tipo de iniciativa aqui é uma ótima notícia.“Tudo que é inovador, que traz um novo ponto de vista e que vivencia a forma e onde frequentamos, sempre é bem-vindo. Salvador tem muitos nichos inexplorados”, diz o presidente.Procurada para comentar e avaliar o impacto que o Guia Negro e outras atividades sobre diversidade no turismo têm para o setor, a Secretaria de Turismo do Estado da Bahia (Setur) não respondeu até o fechamento desta reportagem. 

Veja quais são os 13 pontos explorados no Guia Negro:

1. Elevador Lacerda (parte alta) 2. Memorial das Baianas de Acarajé/Katuka Africanidades 3. Estátua Zumbi dos Palmares 4. Praça Terreiro de Jesus/Museu Afro/Cravinho/Cantina da Lua 5. SPD/Roma Negra 6. Restaurante Alaíde do Feijão/ CEN 7. Botica Rhol/Praça Rosa de Osalá 8. Casa Olodum/Negra Jhô/Regina Bella Oyá 9. Atelier Cabuloso 10. Largo do Pelourinho/Igreja Rosário dos Pretos 11. Casa do Benin 12. Centro Cultural do Reggae 13. Acervo Zumvi/Malembe

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo