Polícia Militar abre cerca de dez processos contra PMs por mês

Número é uma média desde 2017 e foi divulgado pela PM após solicitação do CORREIO

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  • Gil Santos

Publicado em 27 de julho de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

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Dez policiais militares, em média, são alvo de processos administrativos por mês na Bahia por suspeitas de envolvimento com o crime. Segundo a corporação, em 2017, foram abertos 121 processos e, até junho deste ano, outras 54 investigações foram iniciadas. O dado foi divulgado após uma solicitação do CORREIO.

A Polícia Militar não especificou os motivos dos processos. A assessoria de comunicação informou apenas que “as situações são variadas e não há como indicar uma única conduta como prevalente”.

Nessa quarta-feira (25), três soldados foram indiciados pela Polícia Militar da Bahia por envolvimento na morte do artista plástico Manoel Arnaldo dos Santos Filho, o Nadinho, em Candeias, Região Metropolitana de Salvador (RMS). O Inquérito Policial Militar (IPM) terminou com o indiciamento dos PMs Edvaldo Nunes de Almeida, Leandro Santos Xavier e Dinalvo dos Santos Paixão por homicídio doloso (quando há intenção de matar).

Arnaldo Filho, 61 anos, morreu após ter sido baleado nas costas durante uma operação policial. O crime aconteceu dentro da casa que funcionava como ateliê do artista plástico, no dia 21 de abril. Família de Nadinho foi ao Quarte Geral da PM nessa quarta-feira, quando foi divulgado o resultado da apuração (Foto: Júlia Vigné) Sobre o resultado dos processos, a assessoria da PM informou que “colhe os indícios (dos casos) e os remete à Justiça. Cabe ao MP oferecer ou não a denúncia e ao Poder Judiciário promover o julgamento”.

Para especialistas, o número de processos instaurados contra PMs poderia ser maior. O presidente da Comissão de Direito Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), Jerônimo Mesquita, acredita que as vítimas têm medo de denunciar. “Esse número (média de dez por mês em todo o estado) é ínfimo se comparado com a dinâmica da nossa segurança pública. Na semana passada, recebemos moradores do Nordeste de Amaralina e em uma hora de reunião foram listados mais de dez casos de abuso da força policial. Isso em apenas um bairro de Salvador, imagine na Bahia inteira. O que acontece é que as vítimas têm medo de denunciar”, disse Jerônimo.[[galeria]]

Corporativismo O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB acredita que o corporativismo corrobora para o baixo número de denúncias e defende a reformulação do atual sistema de segurança pública. “Os órgãos de fiscalização da PM são compostos por quadros da própria polícia, ou seja, eles são julgados por iguais. Hoje, os casos com punição são aqueles que têm repercussão, que a sociedade acompanha”, acredita.

O presidente da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, defende a implantação de outro modelo de segurança pública. “Esse número de inquéritos surpreende porque está longe da realidade. Ele é pouco expressivo frente ao número de abusos que acontecem na Bahia em 30 dias. No Brasil, temos um sério problema com as estatísticas por conta da falta de precisão e subnotificação nos registros dos casos em diversas áreas”, afirma Ribeiro.

Ele apontou também a necessidade de reforma no sistema judiciário para evitar omissões e a sensação de impunidade, além da necessidade da sociedade discutir o assunto nos conselhos comunitários e em outras organizações civis.

No dia 7 de agosto, a OAB fará uma audiência pública para debater a Violação dos Direitos Humanos no Nordeste de Amaralina. O encontro será às 14h, na sede da instituição, na Piedade, e contará com a participação do MP-BA, Defensoria Pública, Ouvidoria, lideranças do Nordeste e de representantes do Comando Geral da Polícia Militar.

Em junho, uma abordagem policial gerou polêmica e ganhou o noticiário nacional depois que um grupo de policiais militares foi flagrado no Santo Antônio Além do Carmo agredindo um homem e uma mulher grávida. O homem, que estava com um cigarro de maconha, recebeu socos e tapas, enquanto a mulher, que observava e criticava as agressões, foi puxada pelos cabelos.

A PM afastou um dos militares envolvidos na confusão e disse que ele poderá ser expulso da corporação. Em média, nos dois últimos anos, houve uma demissão de policiais militares ou civis a cada semana.

Demissões Segundo a Corregedoria Geral da Secretaria da Segurança Pública (SSP), que acompanha as denúncias contra esses servidores, a maioria das demissões é de PMs. Enquanto em 2016 foram 26 casos, o número saltou para 47 no ano passado. Já com relação aos policiais civis, foram 13 expulsos em 2016 e mais 21 em 2017. Ao todo, em 104 semanas, nos dois anos do levantamento, foram 107 demissões.

Na época do caso no Santo Antônio, a PM disse que os motivos para as expulsões são variados, mas que os desvios de condutas, que resultam no cometimento de crimes, foram os principais motivadores dessas demissões.

Para o presidente da Associação dos Policiais e Bombeiros do Estado da Bahia (Aspra), Marcos Prisco, há muito rigor na instauração de procedimentos e inquéritos contra os policiais. “Estão tratando os policiais, na maioria das vezes, como bandido e os bandidos são tratados como heróis”, falou. Para ele, os policiais têm que provar o que não fizeram. “Eles são presos, denunciados e, muitas vezes, nem fizeram nada”, disse ele.

O CORREIO procurou o MP-BA sobre o acompanhamento dos casos, mas não obteve retorno.

Casos envolvendo violência policial

Santo Antônio Além do Carmo - No dia 3 de junho deste ano, uma turista filmou a abordagem truculenta de PMs, agredindo um jovem com um cigarro de maconha e uma mulher grávida (foto). A corporação afastou um militar.

Candeias - Em 21 de abril deste ano, o artista plástico Arnaldo dos Santos Filho teve a casa invadida e foi morto. Os três PMs envolvidos estão afastados e foram indiciados por homicídio doloso. Um processo administrativo também foi aberto.

Cabula - Em 2015, uma ação policial na Vila Moisés terminou com a morte de 12 jovens, entre 16 e 27 anos. Todos os policiais envolvidos na ocorrência foram absolvidos pela Justiça. Em 2016, foi pedida a federalização do caso.

Lobato - Em 2014, Geovane Mascarenhas de Santana, 22 anos, foi morto dentro das dependências  da Rondesp (Rondas Especiais). Onze PMs que participaram do crime foram denunciados. Seis deles ainda irão a júri popular. O cabo Jesimiel da Silva Resende, 42, envolvido no caso Geovane, foi preso no último dia 6 roubando pedestres no Imbuí. Com o militar, a PM apreendeu três aparelhos celulares pertencentes às vítimas; um revólver calibre 38, além de uma motocicleta com placa clonada e R$ 300.

Onde denunciar

Corregedoria da PM - Quem se sentir coagido ou ameaçado por policiais militares pode procurar a Corregedoria da PM, na Rua Amazonas, nº 13, no bairro da Pituba, para registrar a ocorrência.

OAB -  A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) também oferece auxílio através da Comissão de Direitos Humanos. Quem estiver precisando de ajuda pode entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou ir pessoalmente no 1º andar do Fórum Ruy Barbosa, em Nazaré, ou na sede da instituição, na Piedade.

MP-BA -  O Ministério Público do Estado (MP-BA) também atende casos através do Grupo Especial de Atuação para o Controle Externo da Atividade Policial (Gacep). O telefone é 3103-6805.