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Por que ameaçam o Nordeste assim?

  • D
  • Da Redação

Publicado em 19 de setembro de 2022 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Eleição sim, outra também, a gafe se repete. Sempre se diz bobagens sobre o Nordeste. Desta vez, foi a senadora Simone Tebet. A candidata prometeu transformar a região em um Sudeste  se vencesse. Parecia convicta de que receberia aplausos e agradecimentos, pois estaria oferecendo a chance das nossas vidas. Deu muito errado. Muitos reagiram perguntando “por que essa ameaça?” Ela não sabia que na Paraíba um cara chamado Chico César ensina a pedir proteção divina contra a bondade da pessoa ruim ou a maldade da gente boa. Quem falou que o Nordeste deseja ser o sudeste?

O discurso salvacionista ofende povos há muito tempo. Vem desde os portugueses, que sentiam-se generosos por aculturar e exterminar povos indígenas afirmando que estavam fazendo o favor de “civilizá-los”. A “bondade” condescendente é fruto da consciência pesada, mas também da construção de uma estereótipo de inferioridade. O fato de o nordeste ser uma região bastante explorada e empobrecida economicamente faz algumas pessoas de outros locais imaginarem que as invejamos, queremos ser “iguais” e clamamos pela aprovação delas. Pensam nos afagar ao chamar nossa terra de “ Meu Nordeste” ( seu?). Também acreditam fazer crítica social ao nos tratar  por “Brasil Profundo”, como se fossemos uma espécie de criaturas ignorantes, primitivas e misteriosas. Não somos bobos. 

A história do Brasil tem sido contada a partir do sudeste e a omissão pode levar alguém de fora a pensar que o Nordesta é região exótica, atrasada e caricata. A verdade é que a Revolta dos Búzios e a Balaiada foram muito mais intensas e revolucionárias que a Inconfidência Mineira. O Dragão do Mar, um líder jangadeiro, conseguiu a abolição da escravidão no Ceará antes da Princesa Isabel. João Mulungu, o “Zumbi Sergipano”, fundou quilombos até em Santos ( lembrando que Zumbi e Palmares também são nordestinos). Esperança Garcia, escravizada no Piauí, foi a primeira mulher a protocolar um habeas corpus, no século XVI. O processo de esquecimento provocado faz com que a independência do Brasil seja comemorada no 7 de setembro, quando por essas bandas lutávamos pela independência até o 2 de Julho seguinte. Ainda assim, temos heróis e heroínas suficientes para não querermos ser os outros. 

Se entrarmos no campo da maior manifestação da inteligência humana, a arte, chega a ser covardia o que o Nordeste apresenta, apesar de os mercados darem mais atenção ao que acontece no Rio de Janeiro e São Paulo. Vem daqui o Cinema Novo, assim como Bacurau. Na literatura, brilhamos desde Gregório de Matos, Castro Alves e José de Alencar até o Torto Arado de Itamar Vieira Junior. O que dizer do teatro de Márcio Meireles, Valdineia Soriano e Lázaro Ramos?  E Mário Cravo, Aldemir Martins e João Martins. Na música então nem se fala: Manguebeat, Olodum ( que também tem seu Bando de Teatro) e os Blocos Afro, Frevo, Forró, Tropicalismo, o Pessoal do Ceará. Isso é uma pequena amostra... 

Mas, como diz o cordel Nordeste Independente “eu não quero com isso que vocês imaginem que eu tento ser grosseiro”. “Lembrem que o povo brasileiro é amigo do povo português”. Sabemos que o Nordeste já foi o centro econômico e político do país e tem muitos pecados e infâmias. O sudeste, por sua vez, também tem diversos méritos, belezas, história e lideranças populares. Para resumir em uma pessoa, é a terra de um Chico Buarque, o que não é pouca coisa. Não é que nos achemos melhores. Porém, precisamos sempre lembrar que, se de lá saiu Pelé, o rei do futebol, daqui saiu Martha, a rainha.

Os preconceitos se revelam de várias formas, inclusive nas tentativas de agradar, porque elas envolvem uma presunção do que os outros desejam, sonham e admiram. Não queremos ser o sudeste. Da Bahia ao Maranhão, queremos respeito, reparação e, claro, a valorização da nossa história e da nossa cultura. Quando um grupo social discriminado ressalta o seu valor e o seu orgulho não se trata de arrogância ou beligerância. Muito menos é “tentativa de dividir o país”. É defesa. É reação. O movimento negro faz isso há séculos porque precisa, não porque quer. Os nordestinos também.