Por uma vida menos ordinária

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  • Kátia Borges

Publicado em 17 de novembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Durante longo tempo, a terapia fez com que eu percebesse todas as fragilidades da minha força aparente. Perder couraças, deixar a nu. Sem pai ou mãe para culpar por tudo. O mundo segue no entorno das perdas, suspenso em ódio e atavismo. Seguimos juntos no contrafluxo. “Uns dias chove, noutros dias bate sol”.

Era uma vez um capricórnio aprendendo a viver cada momento. Não dá spoiler desse On the Road. Algo como Neal Cassady dizendo: “agora é absolutamente imprescindível dar um tempo em todos as coisas pendentes do nosso caso e sem demora começar a pensar em planos específicos de vida profissional...”.

Alcançar o chão, sustentar o peso, de cabeça para baixo. Tentar mover um monolito depositado no conforto do solo, a grande pedra incomodando, acomodada. Melhor deixar quieto, a estrutura, antes que o prédio inteiro venha abaixo. A Montanha dos Sete Abutres por dentro e, lá fora, circo de mídia.

“Um homem com uma dor é muito mais elegante”. Há quem pense Leminski desse modo. Não há elegância possível no sofrimento. Máscara de oxigênio em meio à poeira que sobe quando, Lacan-MacGyver, tentamos improvisar alavancas sob o incômodo. Geringonça terapêutica, quando estanca a análise clínica.

Nem digo organizar os livros pelos títulos, quando se tem mais de dois mil e oitocentos. Nem digo ser capaz de escrever um romance. Sísifo contemporâneo no divã do consultório, parece inútil todo esforço, pesada rocha rolando de volta ao antigo recôndito. Mover há de ser lento. É bom, se você quer consolo.

Eu não tenho pressa. “Avia” é verbo antigo que ninguém mais usa. Lembra a infância na Cidade Baixa, a enceradeira ligada sovando o chão vermelho de pasta com cheiro de tinta. Morávamos em Marte, e eu nem sabia. Minha mãe no comando da limpeza semanal da casa. “Avia”, gritava para a filha caçula, sempre dispersa.

Suspensa, a análise segue em seus esboços de modo independente, redesenhando as possibilidades de uma vida menos ordinária. Ah, é para isso que serve. Nunca pressione o botão de ejeção sob a cadeira, sem antes testar os efeitos de um outro. Fica logo ao lado, identificado por um F. Não me pergunte sobre a escolha dessa letra.