Preservação produtiva

Etapa do Fisc em Barreiras demonstra equilíbrio possível entre produção e sustentabilidade

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  • Murilo Gitel

Publicado em 23 de novembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (foto: José Filho)

Como o setor produtivo agropecuário pode gerar novos negócios e estimular a competitividade sem deixar de lado a preocupação com o desenvolvimento sustentável? Na tentativa de responder a esta questão, empresários, produtores e especialistas no assunto estiveram reunidos ontem (22/11) no auditório da Câmara de Vereadores de Barreiras, no Oeste baiano, onde foi realizada a terceira edição do I Fórum de Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade (Fisc). 

Na abertura do encontro, o superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Alves, lembrou que a ideia de criação do evento, que passou por Salvador e Vitória da Conquista, nasceu em julho deste ano, mesmo mês em que assumiu o órgão ambiental. “Rodei seis mil quilômetros de carro pelo interior para conhecer as unidades técnicas. Ao retornar a Salvador me reuni com Eduardo Athayde [diretor do Worldwatch Institute] e com ACM Júnior [presidente do Conselho de Administração da Rede Bahia], o que culminou no projeto do Fisc”, recordou.

Para o superintendente do Ibama, o objetivo do evento é fazer com que a sociedade possa trocar ideias a respeito de temas como competitividade, sustentabilidade e inovação. “As boas práticas dos produtores precisam ser conhecidas. Muitas vezes eles entregam mais do que a legislação exige. Tivemos o convite da Abapa para trazer o evento ao Oeste e prontamente aceitamos porque fomentamos a abertura de diálogo”, reforçou Alves.O gerente de Otimização da John Deere, multinacional que oferece maquinários e soluções ligados ao uso da terra, Leandro Carrion, observou em sua apresentação que a tecnologia tem sido uma grande aliada da agricultura. “Hoje, um agricultor com celular na mão já consegue saber tudo o que está ocorrendo na operação dele. Nossa intenção não é mais vender apenas máquinas. Vendemos soluções com equipamentos, tecnologia e serviços aos concessionários”, falou. 

Demanda Carrion explicou como funciona a chamada pulverização inteligente. “As máquinas fazem a leitura do ambiente e determinam onde aplicar os produtos. Graças a essa tecnologia, o tempo de colheita está cada vez menor. Isso gera receita, reduz custos e aumenta a produtividade no campo”, acrescentou. O executivo também mostrou dados de um estudo da ONU que aponta que a população mundial atingirá a marca de 10 bilhões de pessoas em 2050, o que demandará um aumento na produção de alimentos de até 70% em relação a atual. O papel da agricultura para a sustentabilidade foi o tema da apresentação do chefe da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda. O especialista enfatizou que só a produção vegetal brasileira alimenta atualmente mais de 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo. Além disso, citou que, ao contrário do que muita gente costuma dizer, a área de pastagem para criação de gado no País tem diminuído todos os anos, ao invés de aumentado, e que o problema está centrado no crescente tamanho do rebanho, responsável pela intensificação da pecuária.

Miranda reforçou que preservar e produzir é possível. “O exemplo da região Oeste da Bahia demonstra isso. Não há nenhuma região no estado que preserve tanto e produza tanto. Ninguém preserva mais o meio ambiente, nem dedica mais tempo e dinheiro a isso do que os produtores rurais brasileiros. Eles dedicam à preservação da vegetação nativa uma área total de mais de 218 milhões de hectares, o que corresponde a mais de 26% do Brasil”, apontou. 

O assessor técnico sênior de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus, abordou os desafios do setor agropecuário referentes à inovação, sustentabilidade e competitividade. “O setor precisa comunicar-se de forma adequada com a sociedade, demonstrando o que tem feito de positivo. Além disso é necessário resolver as questões regulatórias, aumentar os investimentos em ciência e tecnologia, bem como na redução da desigualdade em relação ao padrão tecnológico utilizado pelos produtores.” Para o diretor do WWI no Brasil, Eduardo Athayde, Barreiras tem uma oportunidade única de aderir aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, um conjunto de 17 indicadores de sustentabilidade que os países devem cumprir até 2030.“Na ‘eco-nomia’ digital as cidades passam a ser consideradas como pontos do planeta. O mundo hoje é uma rede global interconectada. Somente os investimentos feitos de forma sustentável passarão a ser aceitos”, projetou. Athayde.O Oeste baiano, na concepção de Athayde, tem todas as condições para se tornar o Polo Nordeste do Mercosul. Nesse sentido, o diretor do WWI defendeu que Barreiras venha a criar o Instituto Tecnológico do Oeste da Bahia, que seria uma instituição capaz de agregar parcerias com os setores acadêmico e privado. “Imaginem o algodão produzido aqui chegando no exterior com QR Code, possibilitando ao comprador ter acesso a informações sobre a sustentabilidade da produção”, exemplificou.  Evento aconteceu na Câmara de vereadores de barreiras e reuniu plateia formada por produtores, empresários e estudantes (foto: José Filho)  Associações A realização do Fisc no Oeste da Bahia foi um grande acerto, na opinião do presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) Júlio Cezar Busato. “Nada mais justo levando em conta que os produtores locais também preservam o meio ambiente. Destaco, nesse sentido, o trabalho de associações como a Abapa e a Aiba [Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia], que orientam os profissionais do campo quanto a importância da sustentabilidade”. 

Professor titular da Universidade de Viçosa (MG), o especialista em irrigação Everardo Mantovani apresentou dados sobre o projeto de estudo do Aquífero Urucuia, situado em sua maior parte no Oeste baiano, mas que também está presente nos estados de Minas Gerais, Maranhão, Tocantins, Goiás e Piauí. “Temos aqui as bacias dos rios Grande, Corrente e Carinhanha, uma riqueza hídrica que não pode ser usada de qualquer maneira. Nosso grande desafio é desvendar a disponibilidade de água para a irrigação, além de como organizar e autorizar essa utilização a fim de avaliar a estratégia de ampliação da agricultura irrigada”, apontou.

O encerramento do Fisc em Barreiras ficou por conta do gestor técnico da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), Fernando Rati, que destacou a importância do Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR). Criada em 2005, a iniciativa certifica atualmente 80% da produção nacional de algodão – o Brasil é líder mundial na certificação sustentável do produto. “Os critérios de certificação envolvem temas como proibição do trabalho infantil e análogo à escravidão, boas práticas agrícolas e desempenho ambiental. Todas as fazendas são auditadas por empresas que possuem acreditação internacional. As unidades produtivas participantes do programa precisam evoluir a cada safra”, explicou.

Público O público do Fisc em Barreiras contou com a presença de produtores rurais, representantes de entidades de classe e do setor acadêmico. O presidente da Aiba, Celestino Zanella, elogiou a iniciativa. “É uma oportunidade excelente para que o público dessa região possa ter uma visão globalizada do nosso trabalho, que muitas vezes é distorcida. No Brasil, quase tudo o que foi feito na área de preservação teve participação dos trabalhadores do campo”, defendeu.

Professor de topografia do Instituto Avançado de Ensino Superior de Barreiras, Valfrido Brito também destacou a importância do encontro. “Barreiras integra um forte polo agrícola. Um evento como este ajuda a esclarecer melhor à população de que a produção da região é conduzida de forma racional, conforme manda a legislação.”

O I Fórum de Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade – edição Barreiras é uma realização do Ibama, WWI e Abapa, com apoio editorial do jornal Correio.

'Há uma nova relação entre órgãos ambientais e produtores' Quando assumiu a superintendência do Ibama na Bahia, em julho deste ano, o advogado Rodrigo Santos Alves, 40 anos, teve a iniciativa de rodar o interior do estado de carro, com o objetivo de conhecer melhor a realidade local. A viagem de seis mil quilômetros lhe inspirou tanto que ele teve a ideia de criar um evento itinerante com foco no desenvolvimento sustentável. Nascia ali o I Fórum de Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade (Fisc). 

Nesta entrevista ao CORREIO, direto de Barreiras (BA), onde ontem (22/11) foi realizada a terceira e última edição do evento, Rodrigo Alves faz um balanço dos três encontros realizados neste ano (os demais foram em Salvador e Vitória da Conquista) e adianta que em 2020 o Fisc terá continuidade. Superintendente do Ibama na Bahia diz que eventos como o Fisc ajuda a disseminar informações sobre o campo produtivo e sustentável (foto: José Filho) Qual balanço o senhor faz do Fisc?A grande vantagem é a oportunidade de abordar temas importantes para uma plateia de fora, muito mais ampla, porque muitas vezes os órgãos públicos falam com os produtores, que dialogam entre si, e agora estamos todos no mesmo ambiente para discutir a geração de riqueza e renda, mas com o devido respeito pela preservação ambiental e a sustentabilidade como um todo.

Como o senhor vê a importância da realização desta edição do evento no Oeste da Bahia?Podemos dizer que esta região é a capital, o centro nervoso, do Matopiba [fronteira agrícola que compreende o bioma Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. É aqui que se produz a melhor fibra de algodão do mundo. Ao mesmo tempo, há uma série de investimentos em pesquisas no âmbito da sustentabilidade, os produtores rurais demonstram cuidados com a preservação da água e muitas outras iniciativas estão sendo feitas nesse sentido. Logo, eventos como este ajudam a disseminar toda uma base de conhecimento e troca de informações.O Ibama tem dialogado mais com o setor produtivo?Os órgãos ambientais têm um papel muito importante na fiscalização e regularização em todo o País, mas nós queremos também dialogar com os produtores rurais e valorizar aqueles que cumprem com o desenvolvimento sustentável, promovendo, por exemplo, a recuperação de áreas degradadas. Essas discussões sempre existiram, mas eram feitas dentro de caixinhas. Ambientalistas falavam com ambientalistas e produtores falavam com produtores. A nossa proposta é botar todos para conversar na mesma mesa. Na sua avaliação, quais consequências práticas o Fisc pode trazer para o setor agropecuário?Ajuda a marcar uma nova de relação entre os órgãos ambientais e os produtores. Seguiremos desenvolvendo as mesmas atividades que sempre foram de nossa responsabilidade, mas estamos abrindo uma nova frente de trabalho, mais propositiva em relação ao setor produtivo. Queremos construir ações positivas de forma integrada, ao invés de ficarmos só apontando erros. Vivemos em um país em que a maioria da população vive em cidades, sendo que grande parte dos alimentos é produzida no campo, então, há toda uma pressão nessa cadeia produtiva, uma preocupação. Contudo, é no campo que você vê Reserva Legal e Área de Preservação Permanente (APP). Nós temos uma das agriculturas mais sustentáveis do mundo. Queremos que este evento dê visibilidade às boas práticas desse segmento e, de nossa parte, lembrarmos das histórias que não podem ser repetidas, afinal de contas, estamos juntos pelo desenvolvimento sustentável.

O Fisc terá continuidade?Nesta primeira edição tivemos um grande acerto nas parcerias que fizemos. Trouxemos as Federações do setor,  o que conferiu mais seriedade e credibilidade, o WWI, a Embrapa e o Jornal CORREIO, além de palestrantes muito qualificados, pessoas e instituições sérias que contribuíram muito para as discussões.  Já estamos construindo o futuro do Fisc, que deve abordar um novo segmento em sua próxima edição. O momento atual pode ser definido como uma fase de conversações com representantes desse setor para organizarmos o evento no ano que vem. Ainda não posso revelar, pois não está fechado (risos), mas nossa ideia é dialogar com os setores mais urbanos, onde atualmente há problemas muito graves. 

Algodão responsável e competitivo Os agricultores do Oeste baiano colheram em 2019 uma das maiores safras da história. Foram retiradas das lavouras um total de 1,4 milhão de toneladas de algodão. Uma aliada de peso desta produtividade e que ao mesmos tempo é capaz de fazer com que tamanha produção tenha um diferencial competitivo no mercado é a sustentabilidade, exemplificada pelo  Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), liderado pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão.

Criada no Mato Grosso, em 2005, a iniciativa foi tema da palestra do gestor técnico da Abrapa, Fernando Rati, realizada ontem (22/11) durante o I Fórum de Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade (Fisc) – edição Barreiras. O ABR certifica atualmente 80% da produção nacional de algodão. O Brasil é líder mundial na certificação sustentável do produto. “Os critérios de certificação envolvem temas como proibição do trabalho infantil e análogo à escravidão, boas práticas agrícolas e desempenho ambiental. Todas as fazendas são auditadas por empresas que possuem acreditação internacional. As unidades produtivas participantes do programa precisam evoluir a cada safra”, explicou o gestor técnico da Abrapa.De acordo com Rati, o selo de certificação é inserido em cada fardo de algodão. “Há a rastreabilidade completa de cada fardo, como se fosse um CPF, disponível no site da Abrapa (abrapa.com.br). É possível saber informações como nome do produtor, histórico, mapa da fazenda e até mesmo a respeito da algodoeira que beneficiou aquele produto específico. O comprador pode fazer o download dessas informações, o que ajuda a pautar sua compra”, acrescenta.

Desafio O gestor técnico da Abrapa projeta que, ao final deste ano, um total de 2 milhões de toneladas de algodão deverão ser certificadas pelo Programa ABR.  O próximo desafio, segundo Rati, é certificar até o fio do algodão, pois todas as demais partes que integram o elo referente ao produto (fazenda, algodoeira, tecelagem, confecção e varejo) já contam com a acreditação do selo.   Os cotonicultores interessados na certificação podem acessar o site da Abrapa para conhecer o guia de orientação, os formulários e publicações que reúnem informações gerais sobre como integrar a iniciativa.

Em 2013, o Programa ABR firmou uma parceria com a Better Cotton Initiative (BCI), principal certificadora mundial do algodão, com atuação em 23 países. O Conselho da organização é formado por algumas das principais marcas internacionais, como Adidas, Nike e Ralph Lauren.