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Primeiras missa e arquidiocese, quase papa... As relações do Vaticano com a Bahia

O Brasil foi 'descoberto' no contexto da contrarreforma religiosa e a Bahia foi ponto de partida para importantes decisões religiosas

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2019 às 04:30

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Quando seus olhos tocarem estas primeiras linhas, Irmã Dulce já estará consagrada a primeira santa nascida no Brasil. O sacro título concedido à freira baiana neste domingo, entre tantos outros simbolismos, desvela uma profunda relação histórica da Igreja Católica Apostólica Romana com a Bahia.

O vínculo não está assentado apenas na fé, benevolência e obediência aos dogmas cristãos. Há um contexto político que determina o elo secular e as reverberações desta comunhão. Quando o Brasil foi invadido, dominado e teve milhões de nativos dizimados pelos portugueses (ao qual deram o singelo nome de “descobrimento”), a Igreja Católica iniciaria, um pouco à frente, o intenso movimento da Contrarreforma religiosa.

Tudo começa quando o monge Martinho Lutero, em 1517, puto da vida porque os padres vendiam o perdão de Deus e um lote no céu comercializando imagens santas, elabora 95 teses contra a Igreja Católica -- o que também ficou conhecido como o primeiro textão indignado viralizado da história.

A repercussão foi tanta que deste textão nascem as igrejas pentecostais (luterana, calvinista e anglicana), que também comungavam da fé em Cristo, mas com outros dogmas e estruturas linguísticas. O papa Paulo III, então, contra-ataca. Sem aprovar a perda de fiéis e o monopólio da salvação, marca uma reunião na cidade de Trento, na Itália, que redefine as posições a e disciplina católica.

É neste contexto que o Brasil é colonizado (outro nome suave para “invadido”, “ocupado” e “dominado”) e tem na Bahia um ponto de partida para uma série de decisões religiosas.

 Abaixo listamos alguns momentos marcantes da relação entre o cristianismo e o estado da Bahia.

1 - Primeira missa

A primeira vez que um padre disse “amém” aqui no Brasil aconteceu na Bahia. No extremo sul do estado da Bahia. Mais precisamente na praia da Coroa Vermelha, local hoje pertencente ao município de Santa Cruz Cabrália.

A data foi um domingo, em 26 de abril de 1500, conforme registro feito na carta de Pero Vaz de Caminha. Considerando que a comitiva de Cabral chegou ao Novo Mundo quatro dias antes, e que era costume entre os navegadores celebrarem uma missa assim que desembarcassem em novos territórios, não se sabe o exato motivo por tamanha espera.  Alguns atribuem o atraso à chegada do domingo de Páscoa, enquanto outros ao acúmulo de pecados necessários diante da receptividade lânguida das índias e, também, dos índios. O fato é que Henrique de Coimbra, padre responsável pela celebração religiosa na Coroa Vermelha, inaugurou a primeira missa no Brasil e, por tabela, abriu precedente para uma tradição de casamentos em praias que se tornariam moda no século XXI.

2 - Primaz do Brasil

Em algum momento da vida você já deve ter ouvido alguma notícia sobre o “arcebispo de Salvador e primaz do Brasil”. Pois, sim. Todo arcebispo de Salvador é também o primaz do Brasil (primaz significa primeiro). E isto vem de longa data. Longuíssima. Em novembro agora vai completar 343 anos.

Em 1676, a pedido do rei de Portugal Dom Pedro II (não confundir com o imperador Dom Pedro II que ainda estava bem longe de nascer), o papa Inocêncio XI escreve uma bula elevando a Diocese de Salvador à posição de arquidiocese, que são estruturas religiosas maiores e com maior poder de decisão e influência sobre outras igrejas. A de Salvador, por ter sido a primeira do Brasil, se torna a primeira da colônia e Dom Gaspar de Barata Mendonça o primeiro arcebispo brasileiro.

Atualmente, Dom Murilo Krieger ocupa este cargo, sendo o vigésimo sétimo da história (aqui desconsiderando os bispos que cuidaram da diocese, começando por Fernandes Sardinha, antes da bula papal).

3 - Companhia de Jesus

Lembra quando falamos da reunião convocada pelo papa Paulo III na cidade de Trento? Se não lembra, ou você está lendo de maneira desatenta, ou pulando partes pra chegar ao final mais rápido ou demonstra os primeiros sinais de Alzheimer.

Aquele concílio, entre tantas deliberações, definiu a criação da Companhia de Jesus: um grupo de religiosos com a missão de catequizar novos fiéis para a Igreja Católica. No Novo Mundo, a Igreja pretendia conquistar o coração e as mentes dos índios. O primeiro desembarque de representantes da Companhia de Jesus veio com Thomé de Souza, no ato de criação da cidade do Salvador. Eram seis membros da Companhia de Jesus liderados pelo português Manoel da Nóbrega. Rapidamente vieram mais e eles se espalharam por diversas capitanias da colônia evangelizando os índios, num processo cruel de aculturamento e destruição de língua e religião nativa.

Entre os legados, a Companhia de Jesus e Manoel da Nóbrega fundaram o colégio de São Paulo, na região de Piratininga, que viria ser o embrião da maior cidade do Brasil. Ou seja, quando um paulista tentar tirar onda com você lembre que, ele só está onde está, porque veio de carona na ponga da caravela do fundador de Salvador.

4 - Santo Ofício

Outra consequência da contrarreforma foi o Tribunal do Santo Ofício. Uma instituição eclesiástica, com raízes medievais, que julgava pessoas que cometiam heresias. É a mesma que, no período medieval, levou à fogueira aqueles quem eles acreditavam serem bruxas, possuídos, endemoniados etc.

Em 1591, o Tribunal do Santo Ofício fez uma visita à Bahia. O historiador Ronaldo Vainfas e o antropólogo Luiz Mott têm uma longa pesquisa de como funcionou estes tribunais por aqui. Por meio da confissão dos próprios devotos, eles perseguiam cristãos-novos (judeus), quem praticava bigamia, homossexualidade ou quem cultuava outras religiões que não a católica.

 O Santo Ofício também fez visitas ao sertão baiano. Em Jacobina, negros foram criminalizados por usar “bolsas de mandinga” (os famosos pautás de culto ao candomblé). Quem não jejuava nos dias santos, comia carne ou praticava sexo na quaresma também ia parar na lista do Santo Ofício.

5 - A Bahia ia ter um papa

Antes de ter uma santa nomeada pelo Vaticano, a Bahia quase teve um papa. E isso aconteceu bem recentemente, já no século XX. Embora tenha nascido em Minas Gerais, Dom Lucas Moreira Neves foi arcebispo de Salvador e primaz do Brasil por pouco mais de uma década (1987 a 1998), sucedendo Dom Avelar Brandão Vilela.

A sua boa escrita, oratória e profundo conhecimento religioso o fizeram ter enorme prestígio com o Vaticano e com o papa pop João Paulo II. Em 1996, ele foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Dois anos depois, o papa o convocou para ocupar o cargo de prefeito da Congregação dos Bispos, em Roma -- um dos postos mais prestigiados do Vaticano. Dom Lucas Moreira Neves (Foto: Reprodução/TV Bahia) Dom Lucas Moreira Neves foi, inclusive, bem cotado para substituir João Paulo II. Já naquela época havia a pretensão de eleger um sul-americano na cúria romana – o que acabou se confirmado, anos depois, com o argentino Papa Francisco.  Em 2002, aos 76 anos, por complicações da diabetes, Dom Lucas acabou morrendo em Roma.

6 - Padre Pinto

Em 2006, durante a festa dos Reis Magos, Padre Pinto ficou famoso por celebrar uma missa na Lapinha com trajes do candomblé. Naquele verão, Padre Pinto ainda rezou outras missas vestido de Oxum, orixá das águas doces, e de divindades indígenas. Padre Pinto (Foto: Paulo Azevedo/Arquivo CORREIO) No Festival de Verão, ainda deu um selinho em Caetano Veloso em cima do palco. Por conta desse rebuliço todo, o Vaticano despachou o padre Ludovico Cabultto para examinar a situação de Padre Pinto. A decisão foi afastá-lo da paróquia que comandava por mais de 32 anos. Também por orientação do Vaticano, Padre Pinto ficou no Convento de São Caetano até sua morte, em abril 2019.