Prisão domiciliar: as idas e vindas de Geddel

Após problemas de saúde, STF autoriza ex-ministro a cumprir pena em casa

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 16 de julho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Polícia Federal/Divulgação

Há dez anos, Geddel Vieira Lima (MDB) deixava o Ministério da Integração Nacional para disputar o governo da Bahia contra o petista Jaques Wagner, então ocupante do cargo e candidato à reeleição.  O líder emedebista era naquele momento um dos políticos mais poderosos do Brasil. Ontem, Geddel deixou o Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, no início da tarde, rumo ao seu apartamento no Chame-Chame. 

Condenado em 2017 por lavagem de dinheiro e organização criminosa, passa a cumprir prisão domiciliar monitorado por uma tornozeleira eletrônica em sua casa, no edifício Condomínio Pedra do Valle. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, concedeu o benefício ao político baiano após analisar um relatório sobre as condições de saúde de Geddel. O ex-ministro chegou à sua residência às 13h30. 

Quando deixou a penitenciária, o clima do lado de fora da unidade era tranquilo. Sem movimento de familiares para visitar presos, havia poucos pedestres quando o político deixou a cadeia, apesar do entra e sai constante de veículos. 

Às 13h05, o veículo com Geddel passou pelo portão do Complexo Penitenciário. Apesar dos vidros escuros, era possível ver o ex-ministro sentado na frente, no banco de passageiros. No Chame-Chame, os portões foram abertos antes mesmo de sua chegada, para evitar aglomeração dos repórteres. Com exceção dos jornalistas, a rua estava vazia. 

Um primeiro carro entrou no condomínio, dirigido por um de seus advogados. Nenhum dos defensores quis comentar o caso. O líder da defesa, Gamil Foppel, ficou cerca de 15 minutos no local antes de ir embora.

Como o ex-ministro fez um checkup recente, ele não passou por exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Antes de deixar a unidade, Geddel colocou uma tornozeleira eletrônica. Ele não quis conversar com a imprensa. O político foi condenado por corrupção depois que a Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões em um apartamento usado por ele no bairro da Graça, em Salvador. Uma denúncia levou os investigadores até o local. 

Expectativa Desde as primeiras horas da manhã a porta do Complexo Penitenciário passou a ser vigiada por repórteres. A informação era de que o ex-ministro poderia sair a qualquer momento. Por volta das 11h a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) disse que estava aguardando autorização judicial especificando o endereço em que Geddel vai cumprir a prisão domiciliar para permitir a saída. A tornozeleira que está sendo usada por ele já estava pronta para ser instalada nesse momento. 

Enquanto a imprensa aguardava a saída dele do lado de fora do Complexo Penitenciário, motoristas que sabiam o motivo da movimentação buzinavam ou gritavam palavras de ordem contra a corrupção. Cada vez que o portão da unidade era aberto havia uma correria para identificar quem entrava ou saia.

Geddel foi preso em julho de 2017. A mudança de regime veio após decisão de Dias Toffoli, emitida às 23h53 da última terça-feira. Desde o início da pandemia, segundo a Seap, 1.841 presos foram liberados para cumprir prisão domiciliar, enquanto outros 2.502 obtiveram alvarás de soltura e livramento condicional.

A tornozeleira usada por Geddel já estava reservada para ele no início da manhã, segundo o secretário Nestor Duarte da SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária). Porém, mesmo que a decisão de Toffoli tenha tido força  de  alvará de soltura, não constava o endereço onde Geddel iria ficar. Por isso, foi preciso esperar mais algumas horas na penitenciária da  Mata Escura até que a juíza Maria Angélica Carneiro, da 2ª Vara de Execuções Penais, expedisse a liberação do preso. A decisão chegou às 12h01 para o superintendente da unidade, o coronel Júlio César.

O superintendente explica que o mandato que pediu para soltar Geddel teve execução imediata, portanto, ele não precisou passar pelo exame de corpo de delito. Além disso, o político já tinha feito uma avaliação médica na terça-feira (14), através da qual foi enviado um relatório médico ao ministro Dias Toffoli, que o recebeu por volta de 15h da terça-feira. 

Ainda não se sabe quanto tempo ele vai cumprir a pena de casa. Inicialmente, o período é de 90 dias conforme recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas pode ser renovado. Procurado, o advogado Gamil Foppel disse  por telefone que iria responder os questionamentos da reportagem por mensagem, mas não o fez até o fechamento desta edição.

Queda e prisão Preso desde 2017, Geddel foi transferido para a Bahia em dezembro de 2019. Em outubro do ano passado, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 14 anos e 10 meses de prisão em regime fechado por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

O ex-ministro foi preso depois que policiais encontraram suas impressões digitais no apartamento em Salvador que escondia R$ 51 milhões em espécie, não declarados à Receita. Outras situações levaram a Justiça a determinar sua prisão, como o risco de fuga e um segundo testemunho corroborando o que já havia dito o dono do imóvel.

Antes disso, o político baiano teve que deixar o cargo de  ministro  no governo do ex-presidente Michel Temer, de quem era um dos grandes apoiadores. 

O ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, acusou Geddel, na época ministro da Secretaria de Governo, de tê-lo pressionado a produzir um parecer técnico para favorecer seus interesses pessoais.

Calero disse que o principal articulador político do governo Temer teria o procurado pelo menos cinco vezes —por telefone e pessoalmente— para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão subordinado à Cultura, aprovasse o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, nos arredores de uma área tombada em Salvador, base política de Geddel.

Calero acusou Geddel de ter supostamente atuado para se beneficiar por possuir um apartamento no empreendimento que dependia de autorização federal para sair do papel. “Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse máximo de um dos homens fortes do governo”, contou em entrevistas na época.

O ex-ministro baiano foi preso pela primeira vez em julho de 2017, dentro da Operação Cui Bono. A prisão preventiva foi determinada  pelo juiz Vallisney de Souza, titular da 10ª Vara Federal de Brasília. A decisão foi baseada nos depoimentos do operador Lucio Funaro e do empresário e delator Joesley Batista no âmbito da Cui Bono.

Três meses depois, o ex-ministro foi conduzido novamente à Penitenciária da Papuda, em Brasília. Ele estava em prisão domiciliar, no mesmo prédio está agora. A Polícia Federal prendeu o ex-ministro após a descoberta de um apartamento vinculado ao ex-ministro no qual foram encontrados R$ 51 milhões em malas e caixas.

Geddel ocupou a vice-presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal e foi ministro da Secretaria de Governo de Temer, assim como ministro da Integração Nacional (2007-2010) no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Relatório médico indica suspeita de tumor

O relatório médico apresentado ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, indica que o ex-ministro Geddel Vieira Lima tem a suspeita de um tumor. Foi por conta dos problemas de saúde apresentados pelo político baiano, que também se enquadra na condição de idoso, que o magistrado autorizou a mudança do regime de Geddel para a prisão domiciliar. 

Além de ter testado positivo para covid-19 em um teste rápido no dia 8 julho – o que foi negado pelo exame de contraprova três dias depois – o relatório médico fornecido pela penitenciária aponta a “urgência do acompanhamento médico especializado em virtude de risco de morte” para o ex-ministro. De acordo com o documento, Geddel é hipertenso e tem uma “lesão benigna que apresenta um potencial de malignização para displasia grave e, posteriormente, para adenocarcinoma invasivo”. 

Uma fonte confirmou que Geddel já tinha a suspeita de um problema no intestino antes de vir para a Mata Escura. A suspeita surgiu após uma colonoscopia em agosto de 2019, exame que captura imagens em tempo real do intestino grosso e de parte do íleo terminal (a porção final do intestino delgado). Nos próximos dias, ele deve fazer novos exames para confirmar o tumor e identificar se é benigno ou maligno.

O parecer apresentado a Toffoli diz ainda que Geddel faz uso regular de medicações, mas apresentou picos hipertensivos em algumas ocasiões, com quadro de hematoquezia intermitente (hemorragia por via retal), associado a disquezia (dificuldade em evacuar) há aproximadamente 15 meses.

Na Mata Escura, Geddel ainda apresentou, segundo consta no parecer enviado à Toffoli, episódios de vômito após alimentação, náuseas e tontura. Em um dos dias, “apresentou piora da tontura com queda da própria altura, apresentando hematoma, escoriação e edema em região periorbitária direita, com intensa dor local”. 

Ainda na Mata Escura, Geddel teria apresentado falta de ar progressiva há 10 dias, interrompendo, por vezes, atividades básicas diárias. Segundo o parecer, foi solicitado TC de Tórax para avaliar possível lesões secundárias e uma pneumonia viral, comum em pessoas que tiveram contato covid-19. O teste rápido teria indicado a doença, mas a contraprova, não. 

Movimentação A chegada de Geddel movimentou os arredores do prédio onde ele vai cumprir pena. Apesar do pouco movimento na rua, algumas poucas pessoas que passavam em frente ao prédio do ex-ministro não deixaram de emitir suas opiniões. “Viva o Brasil!”, gritou um senhor, enquanto dirigia. “Ladrão, cadê o dinheiro, ladrão?!”, berrou uma mulher, olhando para os andares de cima. “Isso é uma vergonha nacional, vai cumprir pena em sua varanda”, disse um homem ao filmar o condomínio. 

“Isso mostra o quanto o rico move o país, não é novidade pra ninguém. Todos os políticos desonestos têm que morrer”, opinou Laureano Leal, 40, que é gerente de um posto de gasolina da região e favor da pena de morte no Brasil. Um morador de rua, que curtia a sombra da árvore diante do condomínio, comentou: “É, esse aí tem dinheiro, mas não quer nem aparecer na janela”. 

No restaurante ao lado, o funcionário Antônio Tavares, 66, presenciou a prisão do político no mesmo apartamento, em 2017. “Tem que mudar as leis e condenar as pessoas no momento certo. O STF só faz leis para eles mesmos. A justiça está toda errada”, reclamou Tavares. “Do jeito que está, a gente fica desacreditado”, completa Tavares. 

O estudante de medicina Ademir Batista, 48, que fazia retirada de seu almoço no restaurante, avalia a decisão como injusta. “A prisão está cheia de obesos, pessoas com problema cardíaco, com problema renal e hipertensão. Por que ele tem que ser privilegiado?”, indaga o estudante. “Se fosse justo, seria para todos. Mas só é justo pra quem tem dinheiro, para o pobre, não”, completa Ademir.

O motorista de uber Antoniel Araújo, 38, que se encontrava na rua do apartamento, é mais um que discorda da mudança de regime. “Acho que é um erro, porque foi comprovado que ele cometeu crimes e quem pega o dinheiro do outro merece pagar”, diz o motorista. 

Cronologia do caso

3 de julho 2017 Geddel foi preso preventivamente na Bahia e levado para o presídio da Papuda, em Brasília. Ele foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de atrapalhar investigações da Operação Cui Bono, que apura fraudes na liberação de crédito da Caixa Econômica Federal. O ex-ministro teria recebido mais de R$ 20 milhões do doleiro Lúcio Funaro em troca de liberar empréstimos a empresas do Grupo J&F.

14 de julho de 2017  Geddel foi encaminhado para prisão domiciliar porque o desembargador Ney Bello Filho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, não viu motivos para a medida. A PF nem a SEAP possuíam tornozeleiras eletrônicas para monitorar o preso. 

5 de setembro de 2017  A Polícia Federal encontrou malas com R$ 51 milhões de reais em um apartamento supostamente utilizado por Geddel. O proprietário, Sílvio Silveira, declarou que emprestou o imóvel ao ex-ministro, que teria pedido para guardar pertences do pai, morto em 2016.

8 de setembro de 2017  Geddel Vieira Lima (PMDB) foi preso preventivamente de novo no condomínio Pedra do Valle, em Salvador, onde ele cumpria prisão domiciliar. A nova prisão teve como base a apreensão dos R$ 51 milhões, onde foram encontradas as digitais de Geddel nos sacos que envolviam as cédulas. Ele voltou para o presídio da Papuda, em Brasília.

8 de maio de 2018  A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido de liberdade da defesa de Geddel e decidiu, por unanimidade, manter na cadeia o ex-ministro.

22 de outubro de 2019  STF condena Geddel a 14 anos e 10 meses pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, assim como seu irmão, o ex-deputado federal Lúcio Vieira Lima, a 10 anos e 6 meses de prisão, que responde em liberdade.

20 de dezembro de 2019  Geddel foi transferido para Centro de Observação Penal do Complexo Penitenciário da Mata Escura. A defesa alegou que a família dele mora na capital baiana.

26 de junho de 2020  O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin negou o pedido da defesa de Geddel Vieira Lima para a progressão de pena para a prisão domiciliar. 

8 de julho de 2020  Geddel testou positivo para covid-19 pelo teste rápido. 

11 de julho de 2020  Geddel testa negativo para covid-19 pelo teste swab nasal. O resultado da contraprova foi divulgado pelo secretário Nestor Duarte, da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap).

15 de julho de 2020  Geddel é liberado novamente para cumprir pena em prisão domiciliar, alegando que tem doenças graves que o colocam em grupo de risco.