Proibidas, guerras de espadas iluminaram Senhor do Bonfim na madrugada

Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim busca liberação da prática no Superior Tribunal de Justiça (STJ)

  • D
  • Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2022 às 15:17

. Crédito: (Foto: Rodrigo Vanderley)

Tão tradicional como o São João, as disputas jurídicas envolvendo a guerra de espadas no interior da Bahia ganharam novos capítulos no feriado deste ano. Para evitar que os espadeiros fossem punidos em Senhor do Bonfim, no centro-norte do estado, uma liminar tentou alcançar o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem resposta a tempo, a proibição seguiu valendo. Na prática, a guerra iluminou as ruas da cidade na noite de quinta-feira (23).

Antes de tentar levar o habeas corpus que determinava que espadeiros não pudessem ser presos em flagrante para a instância mais alta, o pedido das advogadas Mariana Miranda e Camila Machado chegou a ser atendido pela juíza Tardelli Boaventura, na quarta-feira (22).

Na liminar, ficou determinado que as guerras poderiam acontecer em apenas três ruas da cidade: Costa Pinto, Júlio Silva e Barão de Cotegipe. Nesses locais, os espadeiros não poderiam ser punidos. 

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) acatou um mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público no dia seguinte. O juiz Álvaro Marques Filho entendeu que não havia como o “Poder Judiciário conceder salvo-conduto às pessoas que estiverem portanto ou empregando o uso do artefato conhecido como ‘espada’”. A lei venceu mais uma vez a queda de braço. 

“Autorizada ou não, a queima de espadas sempre acontece. Então, o que queremos é regulamentar essa queima e orientar a população para que tenham horários e locais específicos para isso. O que buscamos com o habeas corpus preventivo foi justamente manter viva a nossa tradição”, explica Camila Machado, que é assessora jurídica da Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim (Acesb). 

Entretanto, a advogada acredita que, ao derrubar a liminar, o TJ-BA contribui para que a prática se torne mais perigosa. “A partir do momento em que a liminar cai e volta toda a proibição, acaba causando um clamor geral na sociedade. Acabou gerando uma revolta na população e poderiam ter havido consequências piores”, diz. De acordo com Camila Machado, a orientação oficial da Acesb era para que as queimas não ocorressem.

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) passou a proibir a guerra das espadas no estado em 2017. No último São João antes da pandemia, em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou a decisão, mantendo a criminalização. Mas como entre a lei e o que ocorre nas ruas há um abismo, as tradicionais guerras nunca deixaram de acontecer. 

No dia 13 deste mês, um menino de 11 anos foi atingido durante uma dessas guerras em Cruz das Almas, no Recôncavo. Alex Ribeiro Costa perdeu 11 dentes e precisou passar por cirurgias para reconstruir boca e língua. No ano passado, 26 pessoas foram atendidas com queimaduras por acidentes com fogos no período junino, o que representa um aumento de 270% em comparação com 2020. 

De acordo com Rodrigo Wanderley, coordenador-geral da Associação Cultural dos Espadeiros de Senhor do Bonfim, não é comum se ter registros de pessoas feridas gravemente na cidade. Segundo ele, a luta da Acesb é justamente para tornar a prática legal e mais segura para todos os envolvidos. 

“A espada é um artefato pirotécnico como qualquer outro. O problema dela é que quem produz não é uma grande empresa e nem um player do mercado econômico, mas os produtores artesanais. O que deveria ser feito é a formalização, para garantir que essas pessoas produzissem o artefato com alguma padronização”, afirma Rodrigo, que é perito criminal. 

Para ele, a prática proibicionista do país interfere negativamente na tradição de pelo menos 70 anos. Na noite do dia (23), um helicóptero da Polícia Militar chegou a acompanhar a guerra de espadas, mas não houve confronto, de acordo com Rodrigo Wanderley. Ainda segundo o coordenador, ninguém se feriu gravemente. 

Saiba mais sobre a guerra de espadas na Bahia 

Em 2019, um confronto entre a Polícia Militar e espadeiros de Senhor do Bonfim terminou com a estudante de Enfermagem Fabíola de Jesus Cardoso ferida. Mesmo sem estar participando da ação, a jovem foi atingida por uma bala de borracha e perdeu a visão de um dos olhos. 

George Santos, de 42 anos, é espadeiro em Senhor do Bonfim desde os 12 anos. Para ele, a queima de espadas é uma tradição familiar da cidade. Na época em que começou a se aventurar nas guerras, os artefatos eram disponibilizados pela própria prefeitura. Com a passagem do tempo e proibições, a cara da festa mudou. 

“A princípio era uma coisa maravilhosa, que toda a cidade se envolvia. A prefeitura fazia a distribuição dos artefatos para quem não podia comprar e a própria fogueira. Uma árvore era plantada na fogueira e tinham prêmios. Os espadeiros iam proteger a fogueira do prefeito para que as pessoas não pegassem os prêmios até que a árvore caísse”, relembra George.

Ainda segundo o espadeiro, diferentemente do que ocorre em outras cidades, a guerra de espadas em Senhor do Bonfim não é marcada pela violência. "Em Cruz das Almas soltam espada o dia todo, em qualquer lugar e de forma indiscriminada. Aqui em Senhor do Bonfim, tentamos conscientizar os espadeiros de que a prática precisa ser regulamentada", diz. 

A reportagem tentou entrar em contato com a Associação dos Espadeiros de Cruz das Almas, mas não obteve retorno. 

O Ministério Público da Bahia e o Tribunal de Justiça da Bahia também foram procurados, mas não retornaram o contato até a publicação desta matéria. O mesmo aconteceu com a prefeitura de Senhor do Bonfim. 

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.