Propaganda enganosa promete imóvel barato, mas vende consórcio

Prática tem prejudicado corretores e seduzido clientes ao oferecer preços 95% mais baixos

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 13 de agosto de 2020 às 06:06

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Que tal uma casa de quatro quartos, dois banheiros e dois andares, em Itapuã, por apenas R$ 25 mil? O valor de mercado dessa casa é de R$ 500 mil, mas um anúncio na OLX diz que o dono aceita vendê-la com 95% de desconto. Esse imóvel realmente está à venda, mas o anúncio em questão é uma propaganda enganosa. Ele é só o primeiro passo de um golpe que tem dado dor de cabeça para muita gente, de clientes à consultores de imóveis, e que tem como objetivo final atrair consumidores para entrarem, sem saber, em consórcios.  

“A gente se sente lesada. As pessoas que são vítimas desse tipo de divulgação têm toda uma expectativa da casa ser vendida por um profissional adequado e aí vemos a imagem da nossa residência ser divulgada por pessoas que não têm autorização para isso”, desabafou a dona do imóvel de Itapuã, Carine Souza, 35 anos. Ela confiou à corretora Karina Cintra, 35 anos, a realização da venda, o que tem sido difícil devido as consequências da propaganda enganosa.  

E Karina também se sente prejudicada pela fraude. “Eles copiam a foto dos meus anúncios e usam como se fossem deles, passando informações inverídicas. O cliente fica confuso quando vê dois anúncios do mesmo imóvel por valores diferentes. Perco em credibilidade”, disse a profissional, que já foi vítima da prática outras três vezes. Em um imóvel de um quarto, que custa R$ 80 mil, foi divulgado por R$ 7 mil. Em outro, de dois quartos, que é R$ 150 mil, divulgaram por R$ 10 mil. No último, também de dois quartos, de R$ 170 mil, o falso valor ficou por R$ 150 mil. Todas as residências são de Itapuã. 

Casa anunciada por R$ 25 mil custa, na verdade, R$ 500 mil (Foto: arquivo pessoal) Atraídos pelo preço baixo, as vítimas, ao invés de comprar um imóvel, são induzidas, sem saber, a adquirir uma cota de consórcio. Isso foi o que aconteceu com a autônoma Marcia dos Santos, que perdeu mais de R$ 5 mil. "Eles me garantiram que não era consórcio e que com menos de um mês eu conseguiria entrar na casa, que seria paga de forma parcelada. Foi muito triste quando descobri que era golpe”, lembrou. 

Números Só nesse ano, o Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 9ª Região – (Creci/BA) recebeu dos seus credenciados 350 denúncias da prática. O número chamou tanta atenção que o órgão decidiu investigar e emitir, nesta semana, uma nota de repúdio e esclarecimento. “Alguns prepostos de empresas que comercializam cotas de consórcio estão fazendo anúncios como se estivessem comercializando um imóvel a preços convidativos, sendo que, quando são procurados, induzem os clientes, na maioria das vezes, a adquirir uma cota de consórcio”, afirma o texto.  O coordenador jurídico do Conselho, Wilson Lima, explicou o problema:“Quem anuncia não tem autorização para vender aquela casa. Eu vi casos de pessoas que copiam a foto e sequer apagam a marca arca d'água da imobiliária. E eles anunciam com valores bem convidativos, que chamam atenção das pessoas. Se eles anunciassem da maneira correta, transparente, não atrairiam tanta gente interessada”, afirmou.   Corretor de imóveis, Gustavo Reikdal, 40 anos, já chegou a perder uma venda que estava no meio da negociação por causa desse problema. “A cliente viu o anuncio falso, eu expliquei do que se tratava, mas ela recuou da negociação. Achou que estava sendo enganada. Ela ia comprar uma casa de R$ 270 mil que foi anunciada enganosamente pela metade do preço”, lembrou.  

Essa não foi a única vez que Gustavo passou por uma situação constrangedora como essa. “Há uns 10 dias, um cliente de Minas Gerais viu anúncios de imóveis por valores bem baixos na Praia do Flamengo e pensou que esse era o preço do mercado. Ontem mesmo alertei uma cliente cuja irmã chegou a ir para o escritório do vendedor e quase foi convencida a depositar o dinheiro e assinar o contrato do consórcio, antes de conhecer a casa que tinha sido garantida”, disse.  

Advogada  Quando ainda era estudante de direito, a advogada Carla Rejane Freitas das Paixão, 36 anos, viu no Facebook um anúncio de apartamentos a venda  em condições tentadoras. Interessada em sair do local onde morava, em Cajazeiras III, a jovem entrou em contato com uma vendedora que se apresentou pelo nome de Francine Viana, de uma representação comercial da empresa Multimarcas Consórcios.  

“Ela me disse que a empresa iria comprar o imóvel a vista e eu pagaria o valor com o tempo, de forma parcelada. Fui orientada a dar uma entrada de R$ 5 mil com a garantia de que conseguiria estar no novo apartamento em cerca de um mês”, lembra Carla. Só após transferir o valor investido é que ela foi chamada para assinar a última folha de um contrato de 36 páginas frente e verso, que dizia, na verdade, que ela estava entrando num consórcio.  

Para piorar a situação, Carla disse que foi orientada pela vendedora a informar, caso recebesse uma ligação da empresa, de que não tinha recebido garantia de que ela teria o imóvel, sob pena da contemplação não acontecer. “Eles orientam a gente a mentir, pois gravam a ligação e usam, no futuro, em ações judiciais, para dizer que a empresa nunca ofereceu garantias. Mas essa garantia já tinha sido ofertada no anúncio mentiroso que eu vi”, argumentou a advogada.  

O episódio ocorrido com Carla foi no final de 2018 e mostra que esse problema não é novo. Até agora, a advogada não viu a cor do dinheiro investido e, por pouco, ela não teria perdido mais. “Eu nem sabia o que era consórcio. Quando me dei conta, fiquei desesperada e fui conversar com eles, que me orientaram a dar um lance e que assim conseguiria o imóvel. Vendi meu apartamento por R$ 21 mil e juntei com o dinheiro do FGTS. Fui contemplada, mas eles disseram que não tinha saldo no grupo. Aí eu falei que não ia pagar e só assim percebi que era golpe”, lembrou. 

Hoje, Carla continua vivendo em Cajazeiras III, em um apartamento adquirido pelo programa Minha Casa Minha Vida. Pela internet, ela conheceu outras pessoas que foram vítimas do mesmo golpe e montou uma rede de apoio. Nessa época, ela já estava formada em direito, mas ainda não atuava como advogada, por não ter feito a prova da OAB.  “Isso chamou a atenção deles, que me convidaram para participar de uma reunião presencial para resolver o meu problema. No meio da conversa, fui surpreendida com a equipe da TV Itapoã e o repórter Marcelo Castro que dizia: falsa advogada é presa por exercício ilegal da profissão. Percebi que era outra armação deles. Junto com a emissora, entrou um policial me dando voz de prisão”, disse. Reviravolta  Na delegacia, Carla não chegou a ser presa. Ela foi apenas detida por cerca de duas horas, até que tudo fosse esclarecido. Outras emissoras de televisão noticiaram o caso dela. “A TV Aratu e a Band Bahia foram até a delegacia para conhecer essa falsa advogada. Mas eles mostraram corretamente minha versão e isso chamou a atenção das pessoas, que começaram a ir até a delegacia para denunciar a empresa, pois já tinham sido vítimas desse golpe”, descreveu.  

Revoltada, no dia 25 de maio de 2019, Carla compartilhou toda sua história na mesma rede social onde ela viu o falso anuncio e viralizou em todo o país. Um ano depois, a publicação ainda recebe interações, como comentários de pessoas que dizem ter sofrido o mesmo golpe. Até agora, já são mais de 280 comentários e 870 compartilhamentos. No ano passado, Carla realizou a prova de admissão na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e foi aprovada.  Hoje, Carla trabalha como advogada (Foto: arquivo pessoal) “Hoje, tenho clientes de vários lugares do país, pessoas que me procuraram, souberam da minha história. Tenho clientes no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás, Tocantins. Não fiz publicidade disso, Foram as pessoas que conheceram minha história e vieram até mim”, disse. Só em um grupo do Facebook de vítimas desse tipo golpe, 1,8 mil pessoas fazem parte. 

Em nota, O Ministério Público estadual disse ter recebido cerca de 140 Notícias de Fato que relatam "Falsa Proposta de Carta Contemplada" realizada pela empresa Multimarcas Consórcios, conforme informações do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor (Ceacon). “A Multimarcas também é alvo de ação civil pública ajuizada pela promotora de Justiça Joseane Suzart no dia 26 de agosto do ano passado”, disse a nota.  

Já a Polícia Civil disse que "a 16ª DT / Pituba concluiu e encaminhou dois procedimentos para a Justiça, em maio e junho de 2019. Os outros casos registrados contra a empresa em questão estão sendo apurados. Todas as vítimas foram ouvidas e o material, relacionado ao fato denunciado, está sendo analisado". 

Outro lado  O CORREIO procurou a vendedora Francine Viana, que não quis gravar entrevista. Tiago Pedreira, advogado da representação comercial da empresa Multimarcas Consórcios, onde Carla foi atendida, disse que o dinheiro que ela investiu pode ser devolvido integralmente apenas se ela provar que o contrato que assinou não tem validade. “Essa alegação de suposto golpe no sistema de consórcios representa, normalmente, 5% do total de vendas”, disse.

Sobre o episódio que resultou na quase prisão de Carla, Tiago admitiu que a empresa a chamou para uma reunião. "Ela se apresentou para a recepcionista como advogada. Nesse momento, a recepcionista entrou em contato com o jurídico da empresa e nós solicitamos a presença da policia", afirmou. 

Perguntado se os vendedores fazem propagandas falsas na internet, Tiago disse que não tem conhecimento sobre isso. Sobre a informação de que os vendedores têm orientado os clientes a mentir durante uma chamada feita pela empresa, o advogado disse também que, se o cliente conseguir provar, “os dois, tanto cliente e vendedor, vão responder criminalmente”. Das representações comerciais que Tiago advoga, até agora, nenhum vendedor foi expulso ou demitido por esse motivo.  

Já o advogado da empresa Multimarcas Consórcios, Fernando Lamounier, afirmou que na Bahia, só este ano, seis representantes de venda foram descredenciados. No entanto, ele não disse que o motivo da demissão está associado à propaganda enganosa. Fernando também afirmou que a empresa é uma administradora de consórcios e quem fica responsável pela venda são as representações. “Eu não tenho, portanto, nenhuma relação trabalhista com os vendedores”, explicou o advogado.  

Tiago também criticou a nota de repúdio emitida pelo Creci/BA: "Foi uma nota genérica que a gente não entendeu e virou uma difamação contra o sistema de consórcios. Ela diz que as pessoas são induzidas a comprar um consórcio quando na verdade ela queria comprar um imóvel. Ora, quando a pessoa assina o contrato ela não tá lendo que é um consórcio?”, questionou.  

O coordenador jurídico do Creci, Wilson Lima, disse que o órgão não é contra às empresas de consórcios e a atividade legal. “O consórcio é uma forma correta de compra, mas quem adere ao grupo tem que ter ciência do que se trata. O cliente não pode imaginar que entrar no consórcio é a mesma coisa que comprar um imóvel”, disse.  

Em nota, o Banco Central do Brasil informou que não tem competência para investigar crimes. “O assunto é de responsabilidade da polícia, que tem competência para investigar crimes e instaurar procedimentos investigatórios. Além disso, cabe ao Ministério Público instaurar eventuais ações penais”, disseram. 

Confira a nota completa emitida pelo Creci:

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O Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 9ª Região – CRECI/BA, com o intuito de esclarecer a classe dos Corretores de Imóveis e a sociedade, informa que alguns prepostos de empresas que comercializam cotas de consórcio estão fazendo anúncios como se estivessem comercializando um imóvel determinado a preços convidativos, sendo que, quando são procurados, induzem os clientes, na maioria das vezes, a adquirir uma cota de consórcio. Vale ressaltar que algumas das imagens dos imóveis anunciados por tais prepostos são indevidamente copiadas de anúncios de proprietários ou de Corretores de Imóveis.Como muitos clientes não sabem o que é uma cota de consórcio, alguns acabam adquirindo o produto ofertado pessoalmente, imaginando que estão adquirindo um imóvel determinado ou até mesmo o que foi anunciado. Este tipo de publicidade é enganosa e tem lesado várias pessoas desavisadas.É importante esclarecer que quem adquire uma cota de consórcio não está adquirindo um imóvel determinado, mas entrando em um grupo que tem a finalidade de arrecadar valores para, ao longo do tempo, por meio de lance ou sorteio, contemplar os seus participantes com cartas de créditos. Ocorre que apenas após ser contemplado, o participante do consórcio poderá utilizar a sua carta de crédito para adquirir um imóvel, sendo que não há garantia de quando isso irá ocorrer. O CRECI não tem nada contra a comercialização de cotas de consórcio de imóveis, desde que o consumidor seja informado de forma clara e transparente sobre o que efetivamente está adquirindo. Na realidade, para algumas pessoas, o consórcio imobiliário pode ser a forma mais adequada de se obter os recursos para a aquisição de um imóvel.O que o CRECI repudia é a utilização de expedientes ilegais para ludibriar clientes, através de anúncios enganosos. O CRECI registra que, quando é constatada a prática do exercício ilegal da profissão de Corretor de Imóveis por tais prepostos, a sua fiscalização atua com todo o rigor necessário. Informamos também que já comunicamos a prática da publicidade enganosa para as autoridades competentes.

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Confira a nota emitida pela Multimarcas:

A Multimarcas Administradora de Consórcios LTDA é a empresa líder em Minas Gerais e a 18ª no ranking do Banco Central em faturamento de taxa de administração, com 41 anos de mercado, milhares de consorciados e 280 lojas em todos os estados do Brasil.

A Multimarcas Consórcios informa ainda que todos os seus consorciados são orientados e alertados no ato da assinatura de contrato de que não há garantia de contemplação, portanto as contemplações acontecem somente por meio de sorteio ou lance, sempre condicionadas ao saldo de caixa dos grupos, conforme cláusulas contratuais e previsto nos normativos oficiais.

No contrato esta informação está destacada em caixa alta e na cor vermelha, junto do campo das assinaturas. A empresa segue rigorosamente as cláusulas contratuais e as regras do Banco Central do Brasil.

A Multimarcas Consórcios informa ainda que tem um Departamento de Controle de Qualidade que realiza minuciosa e rigorosa checagem de todas as vendas feitas pelos representantes e vendedores.

Assim que o contrato é cadastrado no sistema, o cliente recebe uma ligação da matriz em Belo Horizonte e responde a uma série de perguntas feitas por um funcionário que orienta e tira dúvidas quanto às cláusulas contratuais. As ligações são gravadas e à disposição do judiciário, se solicitadas.

Caso deseje, nesta etapa em que recebe a ligação do Controle de Qualidade, o cliente pode optar por cancelar a aquisição de consórcio e tem devolvido o valor pago na adesão.

Como informado, a Multimarcas Consórcios é uma empresa que tem 41 anos de mercado e preza pela satisfação máxima dos seus consorciados.

Por isso, mesmo sabedora de que cumpre todas as cláusulas contratuais e demais procedimentos necessários, a empresa informa que realiza constantemente aperfeiçoamentos em todos os procedimentos administrativos, comerciais, e intensificou treinamentos periódicos de todos os seus funcionários, representantes de vendas, funcionários dos representantes e terceirizados, para que o atendimento ao cliente atenda às melhores expectativas.

A Multimarcas Consórcios esclarece também que todas as reclamações ou denúncias acerca do atendimento de seus representantes e vendedores terceirizados, que são recebidas pela Ouvidoria no telefone 0800 722 166, ou e-mail ouvidoria@multimarcasconsórcios.com.br, ou mesmo pelos canais de comunicação na internet, como as redes sociais, são devidamente apuradas e caso seja identificada qualquer conduta irregular, o vendedor tem o seu contrato rescindido imediatamente.

A administradora informa ainda que publica rotineiramente em suas redes sociais postagens com orientações e dicas sobre consórcio e como adquirir uma cota com segurança e a certeza de que o consórcio é melhor investimento financeiro.

Confira nota enviada pela OLX

A OLX esclarece que a atividade da empresa consiste na disponibilização de espaço para que usuários possam anunciar e encontrar produtos e serviços de forma rápida e simples. Diariamente, em torno de 500 mil anúncios são inseridos na plataforma. Toda negociação de imóveis é realizada fora do ambiente do site, portanto, a empresa não faz a intermediação ou participa de qualquer forma das transações, que são feitas diretamente entre os usuários.   Dicas de negociação:

Fique atento na busca pelos menores preços. Antes, pesquise os valores da região, sejam valores de hotéis, pousadas ou outros imóveis;

Procure formalizar um contrato na hora da compra e verifique se os dados do contrato condizem com o negociado;

Verifique se os dados conferem com o proprietário do imóvel. Solicite uma cópia/foto da escritura/IPTU que auxilie na comprovação do real proprietário;

Ligue para o condomínio ou para imóveis vizinhos (busque o telefone na Internet, se necessário) e confirme a veracidade da existência da casa e venda;

Pesquise o endereço do imóvel e verifique no mapa se as informações estão de acordo com o explicado pelo vendedor. Se possível, visite o imóvel antes de efetuar a compra;

Evite depositar antecipadamente antes de realizar a verificação acima;

Lembrando: existe um padrão de preço para a região. Pesquise a região que deseja na OLX e compare os valores. Desconfie de anúncios que estão bem mais baratos que os demais.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro e colaboração do repórter Bruno Wendel