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Nelson Cadena
Publicado em 2 de junho de 2022 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Durante mais de três décadas um pequeno ateliê na Barroquinha, imediações do atual terminal de ônibus, foi referência para músicos baianos, consagrados e emergentes, que frequentavam o local para comprar instrumentos, feitos ou por encomenda, consertar, afinar; os caminhos da percussão na Bahia passavam pela oficina de Nelson Maleiro, o Gigante de Bagdá, falecido em 09 de junho de 1982, após um ano e cinco meses acamado, vítima de um AVC. A sua morte passou despercebida em Salvador, nenhuma matéria nos jornais, nenhuma manifestação do poder público, apenas um telegrama do deputado Cristovam Ferreira.>
Frequentaram a oficina de Maleiro, na busca por instrumentos de sua lavra, Dorival Caymmi, Raul Seixas, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Osmar Macedo, Gerônimo, Carlinhos Brown, Bell Marques, dentre outros, segundo testemunhais de Ivan e Ivete Lima, idealizadores da Associação dos Amigos de Nelson Maleiro fundada em agosto de 1996, na Cantina da Lua, no propósito de resgatar o personagem do esquecimento e preservar a sua memória.>
A oficina de Maleiro era um ateliê. Fabricava os instrumentos por encomenda, diferente das lojas que vendiam instrumentos prontos, os de percussão muito raros - A Primavera era uma delas - fabricados no sul do país. O Gigante de Bagdá confeccionava bateria, pandeiro, atabaque, bumbo, agogô, timbal, reco-reco, cuíca, tamborim... O músico Waltinho Queiroz credita a Maleiro a invenção do tamborim quadrado, instrumento que passou a integrar a bateria das Escolas de Samba no Rio de Janeiro.>
Ivan Lima conta que Raul Seixas encomendou ao artesão, certa feita, a confecção de uma bateria estilo americana. O resultado surpreendeu o cantor. Maleiro introduziu efeitos estrambólicos de luzes, piscava quando batia o pedal, tudo a ver com o rock sensação da banda de Raul. Carlinhos Brown em entrevista à Folha de São Paulo disse ter se inspirado em Nelson Maleiro quando criou os Zarabes da Lavagem do Bonfim, representação da estética e imaginária do Oriente que o carnavalesco protagonizou nos blocos Mercadores de Bagdá e Cavaleiros de Bagdá. Contou outra feita que a Escola de Samba Portela veio a Salvador para visitar Maleiro e sua oficina de percussão. >
Nelson Maleiro foi o primeiro protagonista negro do Carnaval baiano, antecedeu Gilberto Gil em uma década. Protagonista como atração (o gigante vestido com turbante e colete de metal reluzente, batia o enorme gongo dourado na saída performática e espetaculosa do bloco), abre- alas do desfile. Protagonista também na telinha onde eliminava os calouros com um estrondoso golpe no prato de metal, no programa Escada do Sucesso, da TV Itapoan. É protagonista ainda da criação de carros alegóricos para seu bloco e outros como Os Internacionais, onde criou os carros do Pandeiro Cigano, O Cavalo, A Pirâmide de Egito... Para os Cavaleiros de Bagdá criou muitos, o mais espetacular o do Dragão que expelia fogo pela boca.>
Confeccionava também alegorias para o Carnaval e as festas populares, foi o criador da Iemanjá com coroa de Luzes, da festa do Dois de Fevereiro, em 1977, por encomenda de um terreiro. Maleiro foi personagem de muitos talentos. Foi músico, tocava sax tenor na orquestra Jazz Veracruz. Esportista, era remador dos bons, com a sua vitalidade e físico avantajado, no Clube de Regatas Veracruz, do Tororó. Solidário, às sextas- feiras reunia no seu ateliê os necessitados, distribuía envelopes contendo um dinheirinho, ajudava dentro de suas possibilidades. Morreu pobre e esquecido.>