Quarentena provoca corrida ao aeroporto e à Rodoviária

Com medo de não conseguir voltar, passageiros antecipam ou encurtam viagens

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  • Gil Santos

Publicado em 20 de março de 2020 às 05:33

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

Quando a aposentada Maria Nilza Ribeiro, 64 anos, planejou a viagem de férias com a filha para conhecer o Pantanal, no Mato Grosso, não imaginava que teria que voltar às pressas para Salvador por causa de um vírus. As duas tiveram que antecipar as passagens aéreas e encurtar a hospedagem, depois que souberam que o governo pretende proibir os voos com saídas de São Paulo e do Rio de Janeiro de pousarem na Bahia.

Na prática, a quarentena que colocou a população de Salvador de molho no começo da semana, agora, está se ampliando para toda a cidade. Depois de montar postos de fiscalização nas BRs, fechar escolas, parques e monumentos públicos, é a vez do aeroporto e da Rodoviária serem alvos de ações contra o avanço da Covid-19. Essa decisão provocou uma corrida. Quem está fora, quer voltar, e quem não mora em Salvador, mas está na cidade, quer ir embora o quanto antes. Passageiros aguardam por voo no aeroporto de Salvador (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Dona Nilza contou que viajou no dia 8 de março, ficou hospedada em um hotel fazenda no Pantanal e que por lá ninguém comentava nada sobre o coronavírus. Só quando chegaram a regiões mais populosas, como a da Chapada dos Guimarães, foi que começaram a ouvir alguns comentários das pessoas a respeito do vírus. No dia seguinte à chegada dela à Chapada dos Guimarães, o ICMBIO determinou fechamento dos parques por conta do risco de contágio. Na terça (17), ela recebeu uma mensagem da companhia área informando que os voos poderiam ser remarcados ou cancelados. Esse aviso acendeu o estado de alerta da aposentada e foi aí que começou a saga da família Ribeiro.

“Além disso, quando a gente fazia uma trilha, vi a decisão do governo da Bahia de pedir à Anac para proibir os voos vindo de São Paulo. Nos desesperamos, porque nosso voo tem conexão em São Paulo e a gente ia voltar no sábado (21). Tentei antecipar as passagens, mas não consegui fazer isso pelo celular. Pedi para minha outras filha que está em Salvador ir pessoalmente ao aeroporto e, depois de esperar 5h, ela conseguiu resolver”, disse.

A companhia não cobrou taxa extra pela remarcação, mas as diárias da pousada e do carro que elas tinham alugado para os passeios ficaram perdidas. O maior desafio ainda está por vir. Mãe e filha vão ter que esperar das 15h às 21h pela conexão no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior e mais movimentado do país. Elas compraram máscaras e álcool gel, mas estão com medo.“Fiquei angustiada, sobretudo quando vi que minha volta para casa estava ameaçada. Também pelo fato de estar longe de casa numa situação como essa”, desabafou a aposentada. Nilza e a filha encurtaram a viagem de férias (Foto: Acervo Pessoal) A estudante Ana Gabryele, 28 anos, tem aulas de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) e não pretendia visitar a família por agora, mas o corona mudou os planos da universitária. Nesta quinta-feira (19), ela foi uma das primeiras a cruzar o portão de desembarque do aeroporto de Salvador, com máscara e luvas.

“A Universidade suspendeu as aulas presenciais. A partir da próxima segunda-feira elas acontecerão on-line. Não tinha como ficar em São Paulo, por isso, voltei para ficar com minha família em Salvador. Vi, ontem, a decisão do governo da Bahia de suspender os voos e corri para comprar a passagem. Apesar do transtorno, eu concordo. A medida é a mais coerente a ser tomada nesse momento. É uma pena que as autoridades tenham demorado tanto para reconhecer o problema”, afirmou.

Ela contou que o voo estava lotado e que quase todos os passageiros usavam máscaras. No aeroporto de Guarulhos, onde embarcou, o movimento estava abaixo do normal. “Menos passageiros e a maioria usando máscaras”, contou. Ana Gabryele antecipou a viagem de SP para a BA (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Terminal Rodoviário  No caso do transporte intermunicipal não foi muito diferente. A doméstica Cleidiane Rocha, 23 anos, estava visitando a família em Cruz das Almas, no Recôncavo, quando soube que a Rodoviária de Salvador seria fechada e que todas as viagens seriam suspensas a partir desta sexta-feira (20).

“Eu tinha acabado de chegar. Viajei na quarta-feira. Não dava para arriscar, então, peguei a mochila e voltei. Vamos ficar em casa esses dias e esperar tudo isso passar. Mas eu concordo com a medida. É questão de segurança. Como esse vírus é transmitido muito rápido, essa é a forma de evitar que todo mundo fique contaminado”, disse, enquanto segurava a sacola em uma das mãos e com a outra Maria Júlia, 3 anos. Cleidiane Rocha e Maria Júlia voltaram correndo para Salvador (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Mãe e filha passaram por um monitoramento da temperatura antes de sair do setor de desembarque do terminal. Os agentes da saúde iniciaram o procedimento no meio da manhã. Muitos passageiros que chegavam, principalmente aqueles de cidades em que há confirmação de paciente com a Covid-19, tiveram que se submeter ao termômetro. Mas nem todos respeitaram.

O procedimento identificou, até às 13h, quatro pessoas com febre. Elas foram encaminhadas para uma base montada ao lado e receberam as orientações médicas, deixaram os contatos e estão sendo monitoradas. Esse mesmo procedimento seria feito no aeroporto, mas os trabalhadores foram impedidos por agentes federais que alegaram que a equipe não tinha autorização. O governo avisou que vai recorrer. Passageiros passam por monitoria após o desembarque (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Enquanto o vai e vem de gente e malas seguia frenético nas duas plataformas de embarque e desembarque do terminal, a agente de viagens Marilene Leal, 68, aguardava pacientemente em um dos bancos. Ela interrompeu as mensagens que trocava no celular para contar que antecipou a saída da cidade por conta da doença.

“Moro sozinha em Salvador e estou de licença do trabalho. Não quero ficar sozinha em casa de quarentena, então, quando soube que a Rodoviária iria fechar resolvi viajar logo. Estou indo para Capim Grosso, para ficar com minha família”, contou. Ela estava de máscara e permaneceu usando o equipamento durante a entrevista.

Na contramão desse fluxo, o carioca Caio Alexandre, 23, resolveu visitar Salvador, justamente, nesse momento. Ele desembarcou nesta quinta-feira no aeroporto da capital baiana com duas mochilas e muitas expectativas. E se engana quem pensa que a viagem estava programada. “Decidimos na semana passada. Compramos as passagens e estamos aqui”, contou ele, que viajou com um amigo.

O jovem administrador disse não estar preocupado com o novo coronavírus, ou quase isso. “Não sabia da decisão do governo de suspender os voos do Rio. Meu medo agora é não consegui voltar para casa”, afirmou. Profissional de saúde mostra equipamento usado em passageiros (Foto: Marina Silva/ CORREIO) Regras O fechamento da Rodoviária de Salvador será por dez dias, inicialmente. Os terminais de outros quatro municípios que já têm casos confirmados do novo coronavírus também serão fechados, são eles: Feira de Santana, Porto Seguro, Prado e Bom Despacho (Ilha de Itaparica).

O último ônibus sairá de Salvador de quinta para sexta-feira (20), à meia-noite. Às 9h de sexta, deve chegar o último coletivo esperado no terminal soteropolitano. Haverá fiscalização para garantir que a proibição seja cumprida. A suspensão vale, inclusive, para o transporte de vans na região de Feira e Porto Seguro.

Já a interrupção dos voos internacionais com destino à Bahia, de São Paulo e Rio de Janeiro, ainda não está valendo e aguarda decisão da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) e da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa).