Quatro crianças já morreram na Bahia por desenvolver doença rara após ter covid-19

No estado, são 72 casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIMP)

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 22 de abril de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

A Bahia registrou a quarta morte pela Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), doença que acomete crianças e adolescentes, de zero a 19 anos, que tiveram a covid-19. A quarta vítima da síndrome rara foi uma bebezinha de 1 ano, residente na cidade de Ubatã. O óbito ocorreu no dia 22 de março e entrou no boletim divulgado pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) uma semana depois. Segundo o boletim de anteontem do órgão, o estado já acumula 72 registros de SIM-P.

Para quem ainda acredita que a covid-19 não afeta crianças,  de acordo com Sesab, A Bahia  contabiliza  34.087 casos da infecção provocada pelo novo coronavírus em crianças de até nove anos, com 57 mortes.

Em relação ao gênero, os casos de SIM-P registrados entre os pacientes pediátricos da Bahia estão divididos em 40 (55,6%) em meninos e 32 (44,4%) em meninas. Em relação à faixa etária, o intervalo de 5 a 9 anos foi o mais acometido, representando 34,7% das ocorrências.

Os três primeiros óbitos por SIM-P no estado aconteceram em 2020. O primeiro foi registrado no dia 26 de agosto, em um menino de 9 anos que morava em Salvador. Em setembro, no dia 17, morreu a segunda criança no estado pela síndrome, um menino de 1 ano que residia em Maracás, no centro-sul baiano. Dois meses depois, em 20 de novembro, a terceira morte foi registrada, uma menina de 7 anos que vivia em Camacan, na região sul. 

A bebê de Ubatã, por sua vez, apresentou os primeiros sintomas no dia 9 de fevereiro deste ano e foi internada no dia 16 do mesmo mês, falecendo um mês depois.

Mas o que é essa síndrome?

A SIM-P é uma doença que costuma surgir de três a cinco semanas depois de crianças e adolescentes de zero a 19 anos se infectarem com o coronavírus, mesmo quando o quadro de covid-19 foi leve ou assintomático e, independente do paciente ter outras comorbidades. 

Descrita como uma resposta imune  - ou um processo inflamatório tardio - relacionada à uma ‘reação exagerada’ do corpo à covid-19, a SIM-P é de difícil diagnóstico e pode afetar o coração de forma potencialmente fatal. Entre os múltiplos possíveis sintomas estão febre alta persistente por três dias ou mais, dor abdominal, vômito, diarreia, vermelhidão nos olhos ou no corpo, alteração da mucosa oral, descamação de extremidades, pressão baixa, disfunção cardíaca, entre outros. O grande sinal de alerta é a febre alta persistente, acima de 38,5ºC. Os sintomas abdominais também são bastante frequentes. “É uma doença causada por uma inflamação intensa do organismo. Ela é parecida com a Doença de Kawasaki, compartilham a mesma manifestação clínica e forma de tratamento, mas tem algumas diferenças. A SIM-P tem possibilidade maior de casos graves e é ligada à infecção pelo coronavírus. A criança pode precisar ser internada em um leito de UTI, que oferece um suporte melhor para lidar com todos os sintomas”, explica a infectopediatra Maria Claudia Luz, que faz parte da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape).  O que mais se sabe sobre a doença?

A pediatra intensivista do Hospital Couto Maia, Vivian Botelho, já atendeu nove pacientes diagnosticados com a síndrome rara. Ela é doutoranda em Ciências da Saúde na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e estuda como a covid-19 se desenvolve em crianças. Vivian explica como a SIM-P foi identificada: 

“Entre abril e maio do ano passado, o Reino Unido detectou que tinha algo diferente acontecendo com as crianças. Era uma síndrome inflamatória grave, que não se encaixava com nada que a gente já tinha visto, mas que apresentava semelhanças com doenças inflamatórias já relativamente comuns em crianças”, esclarece.

A médica pediatra diz ainda que os conhecimentos sobre essa nova síndrome ainda são poucos e que estudos precisam ser feitos para que médicos possam compreender melhor a doença e descobrir a maneira mais adequada de lidar com ela. “Não sabemos ainda por que a SIM-P atinge esse público mais novo. Não sabemos os critérios exatos de definição da doença e precisamos de um estudo sobre a eficácia das terapias que estamos usando. Também precisamos estudar ainda se essas mutações de novas cepas alteram a gravidade da síndrome”, ressalta Vivian. Os segredos ainda não desvendados da doença também giram em torno de outros dois fatores, o que pode causar a síndrome e o que a síndrome pode causar. A comunidade científica ainda não sabe explicar porque algumas crianças infectadas pelo coronavírus desenvolvem a SIM-P e outras não. 

“A covid entre crianças atinge, geralmente, aquelas com comorbidades como problemas cardíacos, neurológicos ou pulmonares. Já nessa síndrome, a maioria são crianças que eram saudáveis, sem nenhum problema de saúde anterior”, pontua Vivian Botelho. 

Além disso, ainda não é possível precisar quais sequelas a SIM-P pode deixar nas crianças. “A gente sabe que, geralmente, até 30 dias depois, as crianças melhoram, mas algumas ainda permanecem com alterações cardíacas. Não sabemos até quanto tempo isso pode durar ou o que pode significar de fato”, completa.

O que dizem as pesquisas?

Liderado por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs), um estudo sobre o tema realizado nos Estados Unidos, que envolveu mais de mil crianças, foi publicado no último dia 6 na revista científica Jama Pediatrics. Segundo o estudo, cerca de duas a cada 100 mil crianças com covid-19 desenvolvem a SIM-P, mas 58% das acometidas precisaram de tratamento em UTI.

Dos mil casos analisados, foram registrados 24 mortes e os médicos e pesquisadores relataram que as crianças eram previamente saudáveis. O estudo acredita que a maioria dos casos de SIM-P resultem de covid-19 leve ou assintomática (75%), seguida por uma resposta hiper inflamatória que parece ocorrer quando os organismos dos pacientes produziram o nível máximo de anticorpos contra o vírus. 

Atualmente, segundo o painel epidemiológico da Sesab, a Bahia possui 36 leitos de UTI pediátrica espalhados pelos hospitais Martagão Gesteira, Instituto Couto Maia, Municipal de Salvador, Estadual da Criança, em Feira de Santana, Manoel Novaes, em Itabuna, e o Geral de Vitória da Conquista. Desses, 20 leitos estavam ocupados até ontem, o que representa uma taxa de ocupação de 56%. 

O alerta em relação à síndrome rara cresce ao mesmo tempo em que a volta às aulas está sendo planejada. O governo da Bahia autorizou a retomada das atividades letivas, de forma semipresencial, para as escolas públicas e particulares de 19 cidades. A retomada, por enquanto, não é obrigatória. Cada cidade ou instituição deverá definir como será o seu esquema das atividades semipresenciais. Em Salvador, a condição é que a ocupação nas UTIs para covid-19 esteja menor ou igual a 75% e  a vacinação dos profissionais de saúde, avançada.

Alerta ligado

A possível relação entre as doenças já havia chamado a atenção da Organização Mundial de Saúde (OMS), que alertou pediatras de todo o mundo. Além da OMS, O Ministério da Saúde também emitiu um alerta para a comunidade pediátrica chamando a atenção para a doença, junto à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). Em fevereiro deste ano, de acordo com o Jornal britânico The Guardian, até 100 crianças estavam sendo internadas semanalmente por causa da SIM-P no Reino Unido. 

Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), divulgados em 25 de fevereiro deste ano, o Brasil já registrou, desde o começo da pandemia, 736 casos e 46 mortes de crianças e adolescentes pela Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica associada à covid-19.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro