Que Annita é essa? Conheça o remédio que é a bola da vez

Uso do medicamento passou a ser controlado e eficácia contra o coronavírus não está comprovada em humanos

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 20 de abril de 2020 às 05:30

- Atualizado há um ano

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Apelidos têm várias funções. Demonstrar carinho, facilitar nomes em suas escritas e oratórias ou até dar um 'tchan' artístico em alguma pessoa. Seguindo esta última linha, Larissa de Macedo Machado abandonou a alcunha de MC Larissa que a acompanhava em bailes funks no Rio de Janeiro e virou Anitta - segundo a própria cantora, uma homenagem à novela Presença de Anita, personagem intepretada pela atriz Mel Lisboa.

O nome de Anitta já é muito famoso no Brasil e no exterior. As gravações com gringos renderam até uma alcunha da alcunha: "Anira", fazendo alusão à pronúncia dos dois t's na gringa. Nos últimos dias, um homônimo da cantora ganhou os holofotes. Trata-se do remédio Annita, que está sendo testado como um potencial medicamento na luta contra o novo coronavírus.

O CORREIO foi atrás de mais informações sobre esse novo superstar: que substância é essa? Para que serve? Quanto custa? Quem está fazendo a pesquisa? E, principalmente: é ele mesmo o herói contra o vírus que mudou a vida de todo o mundo?

Assim como Anitta é Larissa, o remédio Annita também tem seu nome original. Sua base é da substância nitazoxanida. Originalmente, a Anvisa recomenda o uso de Annita para o tratamento de gastroenterites virais provocadas por rotavíruse e norovírus, além de diarreias e disenterias causadas pelos mais diversos agentes: amebas, bactérias e afins.

Desde a última quinta-feira (16), a comercialização deste medicamento precisa ser feita em receita especial de duas vias. A medida é fruto de um comunicado emitido pela Anvisa, que incluiu esses medicamentos na lista de substâncias controladas.

Ou seja, a partir de agora a compra do medicamento é naquele velho esquema de uma via ficar retida e a outra com o paciente. O motivo você já deve imaginar: a procura por Annita aumentou bastante desde que foi vinculado à possível cura da Covid-19.

Antes de qualquer coisa, você deve se perguntar para que serve o Annita. Bem, o medicamento funciona para o tratamento contra vermes como parasitas intestinais, por exemplo. Até bem pouco tempo - especificamente até a última quinta (16) era comercializado sem necessidade de receita.

Isso mudou imediatamente após o ministro Marcos Pontes, titular da pasta de Ciência e Tecnologia, afirmar em entrevista coletiva que o Brasil descobriu remédio com 94% de eficácia no combate à Covid-19. O ministro disse que não iria revelar qual é esse medicamento visando brecar uma histeria ou compra desenfreada da medicação, como aconteceu com a hidroxocloroquina há algumas semanas. Ministro anuncia que foram iniciados testes com medicamento cujo nome não foi divulgado na coletiva (Foto: Neila Rocha/ MCTIC) Marcos Pontes se limitou a dizer que a medicação será testada em 500 pacientes e sua eficácia, assim como a identidade, será revelada em algumas semanas. Logo depois, a Anvisa emitiu um comunicado incluindo o Annita na lista de remédios controlados. Ou seja: aquele que só pode ser comprado com receita. E assim nasceu a suspeita de que é ele o medicamento misterioso que está em teste.

Professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Plataforma Científica Pasteur-USP e integrante da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), Helder Nakaya afirma que a decisão ministerial é prudente porque as pesquisas iniciais levam em consideração o comportamento de células in vitro. Ou seja: não é testada diretamente em humanos. 

"Esse resultado de 94% é um resultado in vitro, um ensaio que não é no paciente. Não prova que o tratamento funciona para covid-19. Prova que em condição laboratorial você consegue ver redução. É um caminho, mas não é definitivo", afirmou ao CORREIO.

A reportagem entrou em contato com a Anvisa e Ministério da Saúde para obter respostas sobre a questão ética envolvendo o sigilo de pesquisa e, além disso, saber qual o status das buscas por uma medicação. A Anvisa se limitou a declarar que “a realização dos ensaios clínicos é uma etapa necessária para validar a segurança e eficácia de uma substância frente a alguma possível indicação terapêutica. Os ensaios clínicos, ou pesquisas clínicas, são utilizados para novas substâncias farmacológicas e novas indicações terapêuticas”. 

O Ministério da Saúde, por sua vez, não respondeu até o fechamento desta matéria.

Procurado, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) afirmou que não lhe cabe avaliar se é ética ou não a postura do Ministério de Ciência e Tecnologia em manter o sigilo na pesquisa. O órgão se limitou a afirmar em nota que os “pesquisadores devem justificar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) o esquema a ser testado, considerando dados prévios de segurança e eficácia do medicamento" (veja nota na íntegra abaixo).

Diretor de toxicologia e avaliação de risco startup paulistana Altox, especializada em pesquisa de segurança toxicológica e farmacêutica, o baiano Carlos Eduardo Matos explica que "cautela e o princípio de precaução devem ser a tônica do momento, embora sejam promissores os resultados apontados pelos estudos recentes".

Em outras palavras, é necessário ter cautela antes de sair comprando de forma desenfreada qualquer medicamento que ainda está em fase de testes. Os resultados in vitro podem não ser o mesmo quando testados em seres humanos."Parafraseando alguns de nossos colegas cientistas, a água sanitária apresenta 100% de eficácia contra o SARS-CoV-2 in vitro, ainda sim, a ciência e sã consciência não nos indicam tomá-la", faz a analogia.

Busca aumenta A reportagem do CORREIO ligou de forma anônima para algumas farmácias em Salvador. Em todas elas, os atendentes afirmaram que a busca pelo medicamento aumentou bastante. Nenhum dos oito estabelecimentos contatados permitiu a venda sem receita. Houve casos, como a Boa Farma do bairro de Paripe, que sequer permitiu a entrega por delivery de medicamento controlado. Neste caso, era necessário se dirigir até a farmácia para efetuar a compra.

Na drogaria São Paulo localizada na estação da Lapa, por exemplo, o vendedor nos informou, via telefone, que só tinha seis caixas de Annita. Desde a última quarta-feira as vendas do medicamento sem prescrição médica estão proibidas. Por lá, uma caixa custa R$79.

"A busca subiu bastante nesta semana. Já recebemos a notificação da Anvisa de que só é possível a venda com retenção de receita", conta o atendente, que teve identidade preservada.

Na Drogasil do Engenho Velho de Brotas o discurso foi semelhante. A atendente disse que todo o estudo que é publicado gera um princípio de histeria. Foi assim com a cloroquina e o mesmo aconteceu com Annita. A velocidade da Anvisa em publicar a recomendação de só liberar a venda sob prescrição médica auxiliou bastante. Nessa drogaria, o remédio é vendido por R$72,89.

Também procuramos saber o valor da versão genérica do remédio, encontrada nas Farmácias Santa Maria (Graça) e Farmácia do Rio Vermelho pelos preços de R$55 e R$45, respectivamente. Por fim, a Farmácia Ventim, na avenida Caminho de Areia, teve seu estoque esgotado. Segundo o atendente, acabou antes mesmo da recomendação feita pela Anvisa.

Confira a nota do Conselho de Fármacia na íntegra: “Nos protocolos de pesquisa clínica realizados no Brasil, os pesquisadores devem justificar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) o esquema a ser testado, considerando dados prévios de segurança e eficácia do medicamento. 

Dessa forma, a autorização para a realização de uma pesquisa clínica passa por análise criteriosa prévia de especialistas ligados à CONEP (também da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa), os quais consideram princípios como: autonomia do sujeito de pesquisa, não maleficência, beneficência, justiça e equidade em suas decisões, conforme estabelecido na Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466, de 12 de dezembro de 2012.  Em protocolos de pesquisa clínica em que o medicamento já registrado será testado para uso terapêutico diferente daquele que consta em bula, a dose pode ser diferente (maior ou menor) daquela que consta na bula, conquanto que seja justificada à CONEP, com base em evidências científicas válidas, considerando eficácia esperada e a segurança das pessoas submetidas ao estudo. 

Em qualquer experimento que envolve seres humanos, há sempre uma probabilidade de obtenção de resultados positivos e de ocorrer danos às pessoas submetidas à pesquisa. Por isso, sua realização somente se justifica quando os benefícios se sobrepõem aos malefícios. No caso em questão, deve ser considerado que a doença é letal para certa proporção de pessoas acometidas, especialmente idosos e pessoas com determinadas doenças crônicas. O importante é que o estudo seja realizado sob critérios científicos e éticos aceitáveis, com aprovação da CONEP e pela Anvisa.”

* Com orientação da editora Mariana Rios