Que iogue sou eu?

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  • Da Redação

Publicado em 29 de janeiro de 2020 às 15:30

- Atualizado há um ano

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“Levo o mundo e não vou lá...”. O trecho da canção de Brown relata um paradoxo da atividade profissional do carteiro; ele que leva todo tipo de mensagem sobre o mundo em sua sacola alienadamente ao conteúdo de sua carga. Por caprichos do inconsciente, foi esta a primeira coisa que me veio à cabeça nos momentos que se sucederam ao fim da exibição de estreia da peça Que Deus Sou Eu, de João Falcão, sobre o milenar texto hindu Baghavad Gita, brilhantemente montado e produzido para as atuações maravilhosas de Daniel Farias e Leandro Villa.

Atendendo prazerosamente ao convite de um colega de profissão e também de yoga, entusiasta do teatro baiano e irmão de Daniel, lá estava eu, perplexo na plateia, entre leigos e estudiosos do yoga, igualmente comovidos pelas performances tecnicamente mediúnicas dos dois atores, que certamente foram apresentados ao conteúdo há não mais que quatro meses.

Quando Leandro “Krishna” Villa expôs a árvore genealógica de Daniel “Arjuna” Farias com a naturalidade de um Vyasa nagô, pensei comigo: lá vem a zorra! E não parou de vir ao longo da peça em ondas contínuas de arrebatamento extático sobre a audiência, à medida em que temas cruciais sobre o enigma da vida e do viver iam sendo apresentados, em diálogos entremeados de performances fisicamente plásticas e precisas dos atores.

O âmago do texto ancestral foi parar no palco: a natureza da realidade, a imortalidade da alma, a identidade e os domínios de Deus, nossa relação com Ele, a individualidade consciente e a identidade da individualidade, a materialidade do mundo...!

É uma porção de coisas bacanas e importantes para quem não veio a este mundo a passeio.

O tempo foi passando enquanto crescia com ele a empatia pelos atores, no rastro da densidade de suas falas.

Ao fim da peça, lembrei do carteiro de Brown e pensei nos atores no contexto da mensagem transmitida - eles nos trouxeram o mundo - desejando profundamente que o que tinha ouvido também passasse a fazer parte definitivamente de seus DNA’s cognitivos.

Desejei vê-los como iogues recém-nascidos! Principalmente porque uma estreia teatral é o pico atencional de um elenco! É o momento mais ióguico da temporada; atenção plena, construção HD do repertório.

Passado o brainstorm deste insight pós-imediato, como quem degusta uma sobremesa, passei a examinar por analogia as várias situações da vida nas quais pessoas comuns fazem vez de carteiros/médiuns/atores/anjos transmitindo a outrem mensagens poderosíssimas, mágicas e transcendentalizantes, sem se darem conta; sem que estas mensagens, prescrições e conselhos façam parte de suas vidas.

Desatentos, rotinizados, mediunizados ou até mesmo sob efeito de substâncias psicoativas, no caso de quem as usa para acessar o divino em si que não soube como revelar senão com uma muleta química. Aqueles momentos em que somos simples carteiros! Carteiros de quem? Será que existe um João Falcão arquetípico? Todo mundo, em algum ou muitos momentos, levará o mundo sem ter ido lá!

Sou médico e a etimologia do termo aponta para aquele que “medeia” a transmissão da cura emanada do divino para o enfermo. Luto todos os dias o bom combate para superar a mera condição de “ducto” mágico. Em ligeira digressão sobre os objetivos do yoga, acho que deveríamos esforçarmo-nos ao máximo pelo controle e domínio das nossas mensagens mais importantes e este sentimento saiu robustecido depois de assistir estes neo iogues.

A vida nunca deixará de se nos apresentar como um palco para nosso dharma; ser iogue é entender isto, é estar atento, é saber que tudo é importante mas nada é “real” além da experiência em si, é integrar-se à fonte da mensagem como fizeram alegoricamente os atores ao chamarem ao palco o diretor e autor do texto!

Om para vocês!

O espetáculo Que Deus Sou Eu, do diretor João Falcão, está em cartaz no Teatro Sesc Casa do Comércio aos sábados, às 20 horas, até 1/2.

Manoel Rodrigues Medeiros Neto é médico e iogue, aluno do curso de formação de professores de Yoga do instituto Kaivalyadhama na Bahia, Yogabahia.

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