Que tal um museu para todos?

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  • Paulo Leandro

Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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O amor cega e pode nos fazer perder a noção da “realidade”: representação o mais fidedigna possível do que a coisa é. Daí toda a importância da virtude da moderação. Será que não poderíamos fortalecer a civilização baiana, ao respeitar o projeto original de um museu de todos em vez de reduzi-lo a um clube, na crença de que: “a Bahia é o Baêa”?

Ou teremos de deletar da história tantos e tantos clubes, milhares de heróis, epopeias que construíram nosso desporto plural, fraterno, longevo, com o Bahia, sim, nosso campeão dos campeões, mas com muitos outros que o coadjuvaram e até o venceram?

Fortaleceria o tricolor, como comunidade desportiva, abrir-se ao conhecimento de quem foram os rivais que o engrandeceram em sua escalada de glórias?

Museus são espaços sagrados onde a cultura de um povo é preservada: “Igrejas” onde cultuamos nossos santos, aqui representados - por falta de espaço - por Popó, o célebre Apolinário Santana, primeiro tataraneto de escravos a ser idolatrado ainda no Campo da Graça.

Quando ditamos que apenas um merece espaço, apossando-se do bem público, estamos fortalecendo normas que remetem ao ideário político no qual um dita como a “realidade” é e os adversários são exterminados. Em vez de zelar pelo convívio, saudável e fraterno, adotamos a abominável ideia de seguir um führer (o mito).

Curiosamente, como um sinal, é neste ano de 2019 que poderíamos celebrar o centenário do título do alvirrubro Botafogo, símbolo de lealdade e administração justa, aqui representando os clubes de médio e pequeno portes.

Um desserviço à educação seria propor um museu que ignore o vigor do Vitória, campeão da técnica e da disciplina, fundador do nosso desporto, o pai, desde o cricket e o remo a todos os demais. Vitória que até já tem seu memorial, em espaço particular.

O Ypiranga, que derrubou a Liga dos Brancos e abriu suas portas aos negros, então a africana Bahia não é o Ypiranga? Ao Ypiranga, devemos o combate corajoso ao racismo. A inclusão como valor que o museu de um só antagoniza.

E o República, campeão de 1916, esquadrão verde-amarelo cujo lema era “direitos e deveres iguais para todos”? O Galícia, primeiro tricampeão, capaz de nos ensinar o convívio das etnias misturadas, o galego e o negro juntos pela Cruz de Santiago? E que tal incluirmos o Guarani, campeão de 46, homenagem tardia aos índios que chacinamos? E o Leônico, Moleque Travesso, capaz de polinizar o futebol nas tantas cidades onde peregrinou? E o nosso interior, com o Fluminense, duas vezes campeão, o Bahia de Feira, o Colo-Colo de Ilhéus, a seleção itabunense octa do Intermunicipal...

E a lembrança do campeão de 1934? Poucos sabem que nosso primeiro título brasileiro foi o de seleções estaduais: fomos os únicos a quebrar a dobradinha Rio-São Paulo.

A Bahia (e o Bahia) tem vocação para ser grande, cordial, generosa, e não há como seu principal clube apequenar-se de forma a reivindicar apenas para si a bênção de nos representar. A Bahia é muito mais que o Baêa!

Podem os amigos tricolores contrapor que o projeto é privado, patrocinado e não há motivo para dar vez aos coirmãos menorzinhos. Bem, então aí entenderemos como é perigoso aos valores da cidadania permitir a patrimonialização de um bem público.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.