Quem é a Deusa Cientista do Subúrbio

Com mais de 28 mil seguidores no Insta, Kananda Eller defende ciência para todos

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  • Laura Fernades

Publicado em 12 de julho de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação
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Enquanto a maioria das pessoas vê uma baiana fritando acarajé e se deixa cegar pelo quitute irresistível, a influencer Kananda Eller, 25 anos, enxerga além. “Aquilo ali é ciência”, diz, orgulhosa, a moradora de Plataforma, Subúrbio Ferroviário de Salvador. Formada em química, Kananda é conhecida como Deusa Cientista, defende a chamada Ciência Preta e tenta tornar esse universo acessível a todos nas redes sociais.

Com mais de 28 mil seguidores no Instagram (@deusacientista), presente no Tik Tok e no YouTube, a jovem baiana compartilha um pouco dessa fórmula de sucesso a convite do Itaú Cultural, na próxima quinta-feira (15), às 20h. Na data, Kananda participa de um bate-papo dentro do projeto on-line e gratuito Cena Agora - Arte & Ciência, que tem como temática “Corpxs reagentes, existências em crise”.

O tema da mesa será “Experiências artísticas, obras científicas - um debate sobre a fricção entre arte e ciência”, com convidados que têm uma trajetória importante dentro da área de ciência e divulgação científica. Kananda é um deles. Desenvolta, usa sua performance para tentar desmitificar tabus. “A gente tem a percepção de que química é difícil, mas quando você traz a sintonia entre arte e ciência isso muda”, acredita.

Mestranda em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), a influenciadora destaca que o processo é um desafio, afinal a música é uma arte que “chega muito mais na favela”, por exemplo, enquanto “a ciência não”. “Tem muita ciência no nosso cotidiano, mas não está tão óbvio”, assinala a Deusa Cientista. Por isso, cita o exemplo da baiana de acarajé.

“Aquele dendê é extraído por um método de separação. Muitas compram pronto, mas tem mulheres que produzem seu próprio óleo: aquilo ali é ciência. Nosso cotidiano tem muita química”, reforça. Nas redes, além de falar sobre essa presença no dia a dia, Kananda destaca a importância de cientistas negras e negros como, por exemplo, Onyema Ogbuagu: médico nigeriano que liderou a pesquisa de estudos da vacina Pfizer.

A justificativa está na ponta da língua. “Meus ancestrais produziram conhecimento e minha história não começa na escravidão. Também tenho história de vencedor. Não essa subjetividade que estão tentando incutir na gente o tempo todo”, defende a influenciadora que demorou a se enxergar como “alguém potente que teve a subjetividade e autoestima negada”.

Preta, sim A escolha do nome Deusa Cientista passa por isso, explica Kananda. Vem do candomblé – que entende os deuses como “seres humanos normais que habitaram a Terra” –, reconhece os obstáculos sociais e se lança para o mundo.“Quando pessoas pretas e indígenas entram no espaço acadêmico, a gente não tem referência. A gente está aprendendo outra cultura, uma cultura branca”, alerta. Se fortalecer naquele espaço e se identificar como produtora de conteúdo cientifico, portanto, “é muito difícil”. “Eu não me identificava com essa construção de ‘eu sou cientista’. Mas quando me formei, entendi porque isso acontecia. Então, sendo mulher preta em um espaço acadêmico branco, eu digo: ‘Não! Existe cientista preta, sim”, defende, orgulhosa.

Foi por se perceber no espaço de outra cultura que Kananda buscou acolhimento na arte. “Quando me conectei com a arte, foi em um processo de refúgio”, revela. “Estar em uma ciência dita exata e se conectar com outras áreas é muito potente. Essas informações precisam ser disseminadas e a arte é uma forma acolhedora de conectar as pessoas. Munir pessoas pretas de conhecimento através da arte é fundamental”, argumenta.

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Quilombo Por isso que, depois de passar por um quilombo educacional em Plataforma e entrar na Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 2015, Kananda fundou seu próprio quilombo: o Pré-vestibular Social, que funciona até hoje no bairro. “Éramos eu, um amigo, um bairro cheio de sonhos e uma universidade precisando ser empretecida”, lembra. 

Foi no quilombo que Kananda se entendeu como professora de química e como um ser político. Munida das ideias da escritora americana bell hooks, afirma que quando pensa em produzir conteúdo, pensa em vestir “uma personagem generosa que mune as pessoas pretas”.“Mas como falar de enfrentamento ao racismo, em sala de aula, sendo professor de química?”, questionou.Ao perceber que existiam muitas informações sobre ciência preta e que professores não estavam conseguindo passar sua prática pedagógica, a influenciadora decidiu se debruçar sobre uma pesquisa: “Quem vai chegar primeiro: a bala ou a ciência? As dificuldades e as potencialidades que os professores de química têm em relacionar o ensino de química e relações étnico raciais”.

“A gente está trabalhando com divulgação científica. É um trabalho de recorte racial que se aproxima das pessoas pretas – maioria da população. O racismo é uma regra e nosso contato com a ciência é distanciado. A população preta precisa entender o que está acontecendo no mundo, para que a gente consiga superar as coisas que são postas”, defende.

Kananda destaca que existem muitas coisas no mundo desencorajando as pessoas negras e que as referências são retiradas “propositalmente”. “Quando você pensa em um cientista, provavelmente vai ser difícil encontrar um homem preto, uma mulher preta. Estamos muito associados aos trabalhos braçais postos como inferiores. A gente tem que ter ousadia de buscar o que a gente quer. Ciência é algo possível”, finaliza.

Cinco cientistas admirados por Kananda

- Bárbara Carine: Professora de Química da UFBA. Autora do Livro “História Preta das Coisas”- Sônia Guimarães: Primeira Doutora negra em Física no Brasil. Professora do Itaú - Marian Croak: inventora da ligação via Internet- Shirley Ann Jackson: criou o identificador de chamadas e chamadas de espera- Onyema Ogbuagu: médico Nigeriano que liderou a pesquisa de estudos da Vacina Pfizer

Serviço: Cena Agora - Arte & Ciência: corpxs reagentes, existências em crise De 15 a 17 de julho (quinta-feira a sábado), às 20h Dia 18 de julho (domingo), às 19h  No site do Itaú Cultural: www.itaucultural.org.br  Ingressos: devem ser reservados via Sympla