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Paulo Leandro
Publicado em 1 de dezembro de 2021 às 05:08
- Atualizado há 2 anos
Toca Zé Pretinho da Bahia, no diálogo com um doce corinho de delicadas vozes femininas:>
-Quem é o campeão dos campeões?/-É o Bahia!/-Quem é que carrega a multidão?/-É o Bahia!>
Time de raça e tradição, Bahia campeão dos campeões!>
Quem viveu os melhores tempos da Boa Terra, seja tricolor ou não, há de lembrar desta marchinha entoada aos quatro cantos de Salvador, atualizada no conflito épico entre o Bahia e o Atlético Mineiro, servindo ao tricolor a oportunidade e o dever, a um só tempo, de voltar a ser campeão dos campeões, e juntar mais três pontinhos na luta para escapar da ‘Cérei’ B.>
Fosse na velha Fonte, antes da expropriação público-privada, urdida na aliança do partido com a cervejaria, não restaria dúvida, pois a “Torcida Única”, mesmo podada ao modo bonsai, ainda balança o chão da praça, lembrem aí quando o estádio era do povo e não visava escravizar clientela para vender água a 10 ‘real’ ou o ‘sanduíste’ duvidoso a 17 conto.>
Os adversários já entravam em campo agoniados com uma pergunta sem resposta: vamos atacar e abrir o placar ou é melhor ficar tocando bola cá atrás para segurar o 0x0 e só lá no finzinho tentar alguma coisa? Quer ver, para não dizerem ser minha mentira, perguntem a Ocemar, Paulinho Egberto, Soninho ou seu Edvaldo.>
A questão tinha todo cabimento pois fazer 1x0 no Bahia era vara curta! Em vez do formato comum aos clubes, o Bahia tem uma proposta inversa. Não se trata de um time com uma torcida, e sim uma “Torcida Única” com um time; é a massa tricolor jogando e o time respondendo em campo àquele bafo quente gigantesco a esquentar o clima do mundo.>
Desde o lado B, à direita das cabines de rádio, até a Baconha, torcida enevoada instalada na extrema esquerda da arquibancada superior, toda a Fonte Nova entusiasmada movia o Bahia, permanecendo vestígios desta fantástica epopeia na esbranquiçada, mas ainda muito participativa “Torcida Única” contemporânea.>
O Atlético Mineiro comete uma infração grave ao ideário desportivo ao escalar como principal jogador um super-herói controverso da Marvel, cientista namorado da filha do general da base, cuja exposição aos raios gama o transforma em monstro artilheiro, incapaz de apiedar-se dos adversários: Bruce Banner então no Hulk virou!>
A metáfora cabe certinha na humanidade atual, desesperada, apostando na ciência, para livrar-se do Sars-Cov-2, enquanto a irracionalidade habita o mesmo ser, a mesma espécie, representada na irritação por nossas desavenças, quando monstruosamente nos transformamos em força bruta.>
Doutor em Bola no PPG da Escola Superior da Toca do Leão, Hulk é o novo paradigma do fútil-ball, no qual é possível ser forte, velho (35 anos), muito rico (seriam 600 milhões em conta?) e extremamente caprichoso e pontual no momento de executar, escolhendo entre bater rasteiro ou pelo alto, sempre fora do alcance do goleiro, como se usasse fita métrica ao chutar.>
Problema do Galo é ser uma iguaria apreciadíssima por Esú, reunindo-se Zé Pilintra, Tranca Rua, Caveira e Canaiana, entre outros tricolores das encruzilhadas, para articular uma especial arapuca, servindo-se do sangue quentinho jorrando do pescoço da ave, aberto por objeto perfuro-cortante bem afiado: Bahia, campeão dos campeões!>
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.>